© AP Photo / Toufik Doudou
Influenciados pelo Islã desde o século VII, os países do Norte da África se diferenciam em aspectos linguísticos, étnicos, culturais e históricos daqueles da África Subsaariana. A proximidade cultural com o Oriente Médio, por vezes, inclusive os desloca do próprio continente.
“Com a expansão do Islã, a chegada dos árabes ao Norte da África, houve um processo de arabização e também de islamização”, conta Mohammed Nadir, marroquino e professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), em entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil.
Nadir nasceu e cresceu em Rabat, no Marrocos. Ele conta que o país é marcado pela herança árabe, muito presente, mas também pela herança dos povos indígenas berberes, que viveram historicamente na região do Magreb. Além disso, a relação com a península ibérica, com a Europa, é quase milenar.
“A partir do século VII, VIII, digamos, há uma expansão dos árabes para a Europa, seja na península ibérica, seja na Sicília, no sul da Itália. Então o Norte da África, de certa forma, influenciou o continente europeu.”
A presença histórica da cultura árabe traz um “senso de identidade compartilhada” para países que falam árabe e partilham da história, embora não sejam essencialmente árabes. Otávio Luiz Vieira, professor de história da África na Universidade Federal do Paraná (UFPR), observa que esse “senso de identidade” facilita que investimentos do mundo árabe, por exemplo, sejam feitos ali.
“A gente está falando de um compartilhamento cultural-político. Quase como se, em um sentido mais geopolítico, […] o Oriente Médio, que não tem só árabes, obviamente, […] se estendesse pelo menos até o Egito, mas muitas vezes até o Marrocos, porque a gente tem esse grande círculo cultural-histórico. Isso certamente aproxima partidos políticos, identidades, culturas, histórias. A gente consegue ver, talvez, algumas facilidades no trato e algumas aproximações.”
‘África não é um país’
Ainda hoje, há o entendimento médio de homogeneizar o continente africano como um território povoado somente por pessoas negras ou até mesmo de considerar a África um país. Colocar todo o continente no mesmo balaio é um erro que carrega vestígios do colonialismo.
“A África não é um país, é um continente. São vários países, portanto, com histórias distintas”, aponta Nadir.
Os ritos colonialistas e racistas têm efeito, segundo Vieira, até no próprio processo de colonização do continente. O historiador afirma que durante aquele período, quando o racismo científico era difundido, era quase natural que os europeus aplicassem essa visão racista para uma parte importante do continente.
“Havia a percepção de que o Norte da África não era um espaço racializado. Então essa África árabe não seria a África propriamente dita. E isso faz com que a colonização nessa região mais ao norte, que é o que a gente entende por África árabe, seja um pouco diferente”, afirma o especialista.
Esse processo todo impacta o período pós-colonial, com efeitos no desenvolvimento político-econômico e também no tratamento global, uma vez que os países do Norte da África muitas vezes são, segundo o especialista, integrados ao mundo do Oriente Médio porque são entendidos como países árabes.
Dessa maneira, “a África árabe acaba sendo entendida de maneira um pouco desconectada do resto do continente“, enquanto “a ideia de que o que é realmente a África está atrelada a uma racialidade, que seriam as pessoas negras”, diz Vieira.
Política, Primavera Árabe e relações internacionais
Uma série de protestos tomou conta dos países árabes no início da segunda década do século XXI. No Norte da África, os efeitos foram os mais distintos, desde pouco impacto a uma devastação nefasta.
Conforme Nadir, o Marrocos foi um dos países que tiveram a primavera “mais suave”. “[Foi] Quando o rei Mohamed VI decidiu mudar a Constituição e trazer elementos mais democráticos e, de certa forma, mais liberdade.”
No Egito, maior das nações da região do Magreb, os protestos resultaram na queda de Hosni Mubarak, à frente do poder por quase 40 anos. Em 2012, o país teve a primeira eleição livre de sua história, que culminou na vitória de Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana. O ambiente após a vitória do então presidente trouxe novas revoltas e os militares ao poder, liderados por Abdel Fattah al-Sisi, que assumiu o poder.
O pior resultado, segundo os especialistas, foi o da Líbia. “A Líbia eu diria que é o grande exemplo de uma instabilidade que vem pós-Primavera Árabe“, cita Vieira. O país era governado desde 1969 por Muammar Kadhafi. “Se dizia que a Líbia era uma ditadura muito terrível com Muammar Khadafi, mas o que a gente sabe é que com a morte dele vem uma instabilidade política que coloca a Líbia em uma posição terrível.”
“A intervenção da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] com a França acabou por destruir e destroçar o país”, afirma Nadir.