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domingo, 6 outubro, 2024

A VACA SAGRADA E A SOMBRA DE WEIMAR

 

Mauro Santayana*

Democracia que está sendo arrastada a passos largos para o brejo putrefacto do autoritarismo, cujos portais se  abrirão, anunciada e mais do que provavelmente, sobre nós, no “annus horribilis” de 2019.

O fascismo tem por hábito, como certos vírus, se manifestar, primeiro, em pequenos e sintomáticos episódios, para depois se impor, como a peste fazia, no passado, como  uma  maligna epidemia que contamina e apodrece, de alto abaixo, as nações, em certos períodos absurdos e trágicos da História.
No futuro, quando os estudiosos examinarem os vergonhosos e perigosos anos  que estamos atravessando, a ilustrativa inquirição de menos de três minutos do Sr. Omar Serraglio, por um representante de uma emissora de televisão, logo após sua indicação para Ministro da Justiça e a sua pública, contrita,  humilde, quase balbuciante, confissão de prévia e incondicional submissão a certa operação jurídico-policial e, indiretamente, a subordinados que, teoricamente, deveriam ficar sob sua responsabilidade e autoridade como representante direto do Presidente da República, brilhará como mais um sinal premonitório do que nos espera nos próximos tempos – e dirá, como Chaplin fazia no cinema mudo, muito mais do que foi apenas visto ou entrevisto pelos telespectadores, na tela do nosso mais verdadeiro, platinado e orwelliano Big Brother, no momento do diálogo entre  entrevistador e entrevistado.
O senhor Omar Serraglio pertence a um governo fraco e acossado, que tem sua legitimidade contestada e que chegou ao poder devido a um processo eivado de absurdos jurídicos e descaradas manipulações, sucedendo a outro governo do qual fazia parte a mesma turma.
Um governo – o anterior – também igualmente fraco e acossado, permanentemente pressionado desde 2013, que, devido a um “republicanismo” oco e até certo ponto ingênuo, cedeu, com a ajuda do próprio Congresso, onde não deveria ter cedido, e armou parte de uma pequena burguesia ambiciosa, egoísta, conservadora, arrogante e ególatra, para a criação de uma plutocracia desinformada do ponto de vista estratégico e histórico, dando-lhe novas e discutíveis leis, desajeitada e apressadamente copiadas de outros países,  armas,  escudos e uma surreal “autonomia”, para construir – sem voto e sem autorização explícita da população – um novo estado dentro do Estado.
Antes, quando aventado outro nome para o Ministério da Justiça, o do senhor Antônio Claudio Mariz de Oliveira, ele já havia sido imediata e olimpicamente impedido de sequer aproximar-se do cargo, sendo tratado, de público, como uma espécie de leproso, por haver tecido críticas à mesma operação e ao uso amplo, arbitrário e irresponsável da delação premiada.
Ora, em uma democracia, a não ser que o próprio Deus desça das nuvens, cercado por raios luminosos, acompanhado de trombetas e de uma coorte de anjos, ninguém pode estar  acima de críticas.
Não podem existir vacas sagradas, tabus, intocáveis, blindadas de toda e qualquer contestação, a não ser que se trate da própria Democracia, em nosso país, vítima, nos últimos tempos, de uma verdadeira farra do boi do ponto de vista do respeito ao voto, da independência dos poderes, da prevalência dos direitos individuais, entre eles o da ampla defesa e o de responder, em liberdade, até a condenação definitiva.
Essa democracia que vem sendo descarada, inexoravelmente, profundamente, desconstruída, descaracterizada, remendada, a todo momento, como um horripilante e mórbido cadáver frankensteiniano, exatamente para justificar, entre outros absurdos, os abusos da mesma vaca sagrada de que estamos falando.
Democracia que está sendo arrastada a passos largos para o brejo putrefacto do autoritarismo, cujos portais se  abrirão, anunciada e mais do que provavelmente, sobre nós, no “annus horribilis” de 2019.
Quando deputados vêm a público dizer que esse ou aquele sujeito não pode assumir esse ou aquele cargo, não em razão de crimes cometidos, mas por ter emitido determinada opinião.
Quando o nome de candidatos a ministro de estado tem que passar pela aprovação prévia, pública, de jornais e emissoras privadas de rádio e de televisão e de grupelhos corporativos representantes de uma plutocracia de terceiro escalão repentina e irresponsavelmente alçada à condução da República, quando não de movimentos proto-fascistas de bate-paus e arruaceiros.
Quando se estabelece – com a cumplicidade dessa mesma imprensa – todo um paradigma jurídico-midiático falso, mendaz, também incontestável,   para justificar o arbítrio, a destruição econômica do país e nossa abjeta submissão a potências estrangeiras às quais interessa estrategicamente o enfraquecimento nacional.
E não apenas o Congresso e os partidos, recuam, sucessivamente, em episódios grotescos e lamentáveis, mas a própria Suprema Corte se curva a essa intocada, inatingível, vaca sagrada – verdadeiro Tigre de Papel institucional que só alcançou a dimensão que tem porque não foi contido em seus arroubos desde o início por quem deveria impor limites à sua atuação e defender as Leis e a Constituição.
Quando procuradores vêm a público, estimulados por essa mesma banda da mídia, reles e irresponsável, “pagar sapo” e puxar as orelhas, em rede nacional, do Congresso Nacional – que mesmo que só tivesse ladrões, o que não é o caso – não caiu ali de paraquedas, mas pelo voto soberano de milhões de brasileiros, e, logo, tem muitíssimo mais autoridade e legitimidade que a de qualquer funcionário concursado; quando o Presidente da República tem que ficar antecipando, de público, que decisão tomará com relação a esse ou aquele assunto, mostrando que não pode mais dar um passo sem pedir, por meio da imprensa, licença a terceiros, estão lançadas as condições para a prevalência, no horizonte político, da extinção dos direitos de expressão e de opinião e da supressão da liberdade e do pleno exercício da cidadania.
É preciso que se diga que a defesa da Constituição, das instituições da República, da autoridade de quem foi escolhido pelo voto direto e secreto da população, não pode ser confundida, ou relegada, ou limitada, ou interpretada, ou anunciada como mera tentativa de se limitar essa ou aquela “operação”, sob pena de se submeter o que é perene, o que é fundamento, no sentido do respeito à lei e do equilíbrio e da convivência das instituições, ao que é fugaz, circunstancial  e passageiro.
É preciso distinguir rabo e cachorro.
E parar de aceitar, passiva e acovardadamente, que o rabo continue, neste país, a abanar descarada e absurdamente o cachorro.
Afinal, a Vaca Sagrada não parece apenas estar dotada dos dons da onipresença, da onipotência, da infalibilidade.
Ela age como um bovino eventualmente atingido por Encelopatia Espongiforme, que tivesse se introduzido, com a permissão tácita de certos setores do estado e de alguns segmentos da sociedade, na loja de louças do universo institucional brasileiro.
Onde está pisoteando e destruindo, a coices e chifradas, não apenas o que está escrito em nossa Carta Magna, mas também as garantias e as regras – incluídas as não escritas – que perfazem o frágil contrato social conquistado há apenas um átimo, em termos históricos, em um tempo em que milhões de brasileiros  enchiam as ruas para defender o Voto, a Liberdade, a Democracia e a restauração do Estado de Direito, e não a violência e o confronto, a antipolítica, o preconceito, a ignorância, a fúria repressiva, a arrogância e o arbítrio.
Em certas regiões do Nordeste, costuma-se dizer que criança que brinca com penico acaba comendo o que não deve.
As vaias sofridas pela Presidente Dilma Roussef na abertura da Copa do Mundo de 2014, deveriam ter sido vistas como um chulo, vulgar e ensurdecedor aviso do que estava se preparando a seguir.
Para qualquer um com um mínimo de bom senso, bastava ver o grau de infiltração de grupos fascistas (alguns se fazendo passar por anarquistas) em um movimento que aparentemente começou por causa do Passe Livre no transporte público, para saber que a intenção era sabotar e ferir de morte a governabilidade e derrubar quem estivesse ocupando a Presidência da República.
Esse processo não foi interrompido sequer pela campanha presidencial. Pelo contrário, exacerbou-se no próprio embate eleitoral. E continuou multiplicando-se, sem interrupção, depois da aparente vitória – de Pirro –  de Dilma Roussef nas eleições de 2014.
Naquela ocasião, muitos já alertavam, à esquerda, que se fosse para ganhar por uma pequena margem de votos, talvez fosse melhor se afastar estrategicamente do poder por algum tempo, para reorganizar o partido e lamber as feridas, limpando o próprio PT e os paraquedistas, alguns oriundos até mesmo de outros partidos e governos, que haviam se aproximado da legenda por oportunismo, depois de 2002.
Da mesma forma que muitos avisavam, à oposição, desde 2015, que APOSTAR na criminalização e judicialização da política, para derrubar Dilma, iria prejudicar igualmente a gregos e goianos, promover a antipolítica e em última instância, o Fascismo, abrindo caminho para a chegada de um pilantra ou de um maluco – eventualmente perigoso – à Presidência da República em 2019.
E que a violência e a virulência dos ataques contra Dilma, Lula e o PT, ainda queimariam, na praia, os barcos que poderiam permitir a formação de uma aliança mínima para combater a extrema direita como principal adversário, quando chegasse a hora da disputa.
Que, depois, a população jamais iria aceitar – e até agora não deu o menor sinal de que fará isso – a costura de um pacto em defesa do restabelecimento da política como instrumento de governo e da promoção da ordem constitucional, depois da destruição midiática, como um todo, dos representantes eleitos, promovida tanto pela imprensa quanto pela plutocracia – incluído o Ministério Público – despudoradamente mobilizada para o ativismo na defesa de seus interesses e de seu fortalecimento dentro da estrutura da República, com o surgimento, também em seus quadros, nesse processo, de demagogos prontos a se candidatar eventualmente a disputar o poder nos próximos anos.
Não era preciso ser vidente para adivinhar que qualquer tentativa de conversa entre os diferentes campos do espectro político brasileiro, depois de tantas mentiras, acusações mútuas, autodestruição desatada, seria vista pela opinião pública, como uma reunião de bandidos tentando se livrar da “justiça” e dos santos e impolutos vingadores do Judiciário e do Ministério Público.
Mas de nada adiantou a tentativa de se sugerir um mínimo de bom senso ao senso comum que levou dirigentes partidários e empresariais a se misturar, nas ruas, às multidões fascistas, achando que poderiam colocar coleira no monstro, baboso de ódio e de ignorância, que eles haviam ajudado a modelar com as próprias mãos.
O Brasil de hoje, o Brasil da Vaca Sagrada, está cada vez mais parecido com a Alemanha da República de Weimar, que abriu caminho para a ascensão do nazismo.
Na Alemanha daquela época, a vaca sagrada era a suástica, e tudo o que ela representava, cuja sombra já se infiltrava, primeiro, junto às forças de segurança, e, depois, nos mais diferentes setores do estado alemão.
Antes mesmo da chegada de Hitler ao poder, ai de quem se atrevesse a contestar o tsunami em formação.
Poucas famílias não tinham pelo menos um membro no partido nazista, ou nas fileiras das S.A. de Ernst Rohm, para desfilar, vestido de uniforme, debaixo dos estandartes marrons e negros, pelas ruas do bairro em que morava.
Capitaneados pelo Volkisher Beobachter, órgão oficial do Partido Nazista, rádios e jornais já eram, também, majoritariamente, de direita.
E falavam e escreviam contra o “perigo vermelho”, da necessidade de defender os “homens de bem” arianos,  da família como base da sociedade – até mesmo para a procriação de futuros soldados para a Alemanha – e da dissolução da moral e dos bons costumes.
Como ocorre com certos grupos no Brasil de hoje, os nazistas cresceram com a denúncia da corrupção que eles diziam que estava amplamente disseminada no universo público, e com a apresentação de Hitler como o líder iluminado que iria acabar com essa roubalheira e falta de vergonha.
Como ocorre no Brasil de hoje, muitos juristas, procuradores e juízes foram fundamentais para o avanço do nazismo – ou para a derrocada da liberdade – dando ao regime, principalmente a partir das Leis de Nurenberg, o verniz e o arcabouço jurídico de que necessitava para eliminar os direitos e garantias individuais, estrangular a Democracia, extinguir outros partidos e agremiações políticas e promulgar leis discriminatórias e raciais que – começando pela proibição do uso pelos judeus dos bancos  das praças e parques – terminaria pelo erguimento das torres dos fornos crematórios, que, apenas em Aushwitz-Birkenau, engoliam cerca de 15.000 cadáveres por dia.
Mas nem mesmo os nazistas, salvo uma exceção – não bastando a Jurisprudência da Destruição, que arrebenta com empresas, empregos e projetos, no lugar de arrebentar com os corruptos (já passou da hora de o Congresso votar lei proibindo a Justiça e o MP de paralisar obras que estiverem em andamento) ousaram fazer o que se está fazendo em nossa República, agora, obrigando os relógios a andar para trás, do ponto de vista jurídico, recorrendo à mais nova jaboticaba (ou seria janoticaba?) do universo jurídico brasileiro
A penalidade jurídico-retroativa, que transformou em crime as pedaladas fiscais que sempre foram permitidas e utilizadas pelos governos anteriores, foi a principal responsável pela derrubada de Dilma.
Sem ela, também, doações registradas legalmente, há anos, nos tribunais eleitorais, não poderiam ser, com base apenas em depoimentos de delatores presos provisoria e indefinidamente, agora consideradas crimes
Nem o Caixa 2, anteriormente visto como uma espécie de contravenção que se resolvia com o pagamento de multas e a apresentação de contas na justiça eleitoral, jamais poderia, agora, por meio de acusações atravessadas de lavagem de dinheiro, e outros subterfúgios, também baseadas em delações “premiadas” de indivíduos sob custódia do Estado, ser retroativamente considerado crime, ainda mais sem a promulgação de qualquer lei nesse sentido.
Sem esse mudar de regras no meio do jogo,  sem a troca do modelo de pneu com o carro andando, sem a reinterpretação de leis por parte de pouco mais de uma dúzia de pessoas, que cede constantemente à pressão da mídia e da malta fascista, não se teria restringido ainda mais o direito de defesa, como ocorreu no caso da prisão após condenação em segunda instância.
A penalidade jurídico-retroativa  e a reinterpretação jurídico-retroativa são graves, não apenas porque justificaram a retirada do poder de uma Presidente da República que não foi pessoalmente acusada de crimes de corrupção e a prisão, sem condenação, de suspeitos que, à luz da legislação vigente, não poderiam estar na situação em que se encontram
Elas são extremamente nefastas, principalmente, porque, institucionalmente, são elas que estão justificando o discurso mentiroso que sustenta a permanente sagração da vaca de que estamos falando.
O discurso mentiroso que diz que se montou uma quadrilha para quebrar e assaltar  a Nação, quando se sabe que sempre houve pedalada fiscal, doação de campanha por parte de empresas privadas, Caixa 2 e corrupção neste país.
Ora, se o PIB avançou da décima-quarta para a nona maior economia nos últimos 15 anos; se a dívida bruta diminuiu com relação a 2002, e a líquida caiu quase pela metade; se o deficit do Rio de Janeiro, por exemplo, neste ano – e de outros estados, que está sendo usado como desculpa para impor um esquema safado de privatização entreguista –  equivale ao que o governo federal arrecadou em apenas 3 dias no primeiro mês do ano; se a renda per capita e o salário mínimo, em dólares, mesmo ao câmbio atual, ainda são muito maiores do que eram no final do governo FHC; se somos o quarto maior credor individual externo dos EUA, como afirmar, de cara lavada, diante da História, que este país foi quebrado nos últimos 15 anos?
Dilma Roussef pode ter errado, e feio, na dose das desonerações fiscais.Mas essa queda de arrecadação, assim como a queda do  valor das commodities, que só agora volta, paulatinamente a se recuperar, nada têm a ver com corrupção.
Como sempre, é cômodo, para não dizer, hipócrita, dizer que falta dinheiro por causa  da corrupção, quando se sabe que o ralo que engole os recursos públicos é muito maior por causa dos juros pagos aos bancos, que se encontram entre os mais altos do mundo, e também devido à sonegação, por exemplo, que atinge também dezenas, senão centenas de bilhões de reais todos os anos.
O discurso mentiroso que coloca corrupto que recebeu propina para se locupletar e tesoureiro de partido, sem nenhum sinal pessoal de enriquecimento ilícito, no mesmo plano.
O discurso mentiroso que diz que todo político é ladrão, quando vivemos, infelizmente – e isso não é privilégio brasileiro, ao menos na América Latina – em uma sociedade em que médicos falsificam com silicone suas impressões digitais para não ir trabalhar; ou aleijam pessoas, pelo resto da vida, para vender próteses ortopédicas desnecessárias, com a cumplicidade de empresas estrangeiras; policiais recebem, em muitos lugares, “semanões” do tráfico de drogas; agentes penitenciários introduzem bebidas, celulares e drogas dentro dos presídios; juízes quando apanhados delinquindo vão para casa e continuam recebendo integralmente seus proventos – que passam muitas vezes de cem mil reais por mês, muito acima, portanto do limite constitucional, assim como também ocorre com salários e vantagens de procuradores do Ministério Público.

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O discurso mentiroso que diz que a Vaca Sagrada “recuperou”, como se tratasse de dinheiro roubado, 11 bilhões de reais, quando iso vai levar 25 anos para ser feito e mais de 80% desse dinheiro – que   corresponde ao que o governo arrecada em média a cada três dias – está ligado não à descoberta de recursos ilícitos, mas a multas arbitrárias determinadas pela justiça brasileira em conluio com outras nações para que essas empresas possam, quem sabe, um dia, se o TCU e a CGU deixarem, além do Ministério Público – ou paga ou sai, na prática, do país – voltar a trabalhar para o governo.
Enquanto o prejuízo causado por essa operação, em projetos interrompidos – muitos deles estratégicos, também na área de defesa – e sucateados, limitação creditícia, queda do valor de ações, quebra de acionistas, investidores, fornecedores, demissão de dezenas de milhares de trabalhadores contratados pelas maiores empresas de engenharia do país, já alcança, até agora, dezenas de vezes mais do que isso.
E, finalmente, o discurso mentiroso, que afirma, peremptoriamente, que a Vaca Sagrada de que falamos conta com apoio irrestrito do povo brasileiro e da opinião pública, e que, por isso, para muitos estaria acima do bem e do mal e suas eventuais agressões e atentados ao Estado de Direito seriam compreensíveis, até mesmo justificáveis, diante da perspectiva de um bem maior, o fim da corrupção em nosso país
Mentira.

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Há toda uma infinidade de juristas, procuradores, jornalistas e até mesmo juízes, que vem se colocando contra essa operação, da forma como tem sido conduzida, e denunciado a manipulação e os abusos que a cercam.
Se corrupção fosse resolvida com repressão, na China, onde é punida com a pena de morte, ela não mais existiria.
Se todo contato ou troca de interesses entre partidos e empresas fosse corrupção, nos EUA, o lobby não teria sido legalizado, praticamente desde início da democracia norte-americana.
E até mesmo na Itália, a Operação Mãos Limpas – modelo da Vaca Sagrada que temos aqui – tem sido acusada de ter desestruturado o Estado, desnacionalizado a economia, ter alinhado o país aos interesses norte-americanos, sem ter acabado com a corrupção, que continua grassando na velha bota do Mediterrâneo, como mostra o escândalo da Mafia Capital, além de ter, historicamente, praticamente entregue o país a um aventureiro, chamado Silvio Berlusconi.
Por isso é importante saber para onde está nos conduzindo a “nossa” Vaca Sagrada, com o triunfo do discurso da antipolítica, neste e no próximo ano.
Se seus resultados, do ponto de vista econômico e até mesmo jurídico, são em boa parte desastrosos, muitíssimo piores serão suas consequências políticas e históricas, para a Nação e para a República.
Para onde caminharão o centro e o centro-direita em 2018?
E as multidões vestidas com o glorioso uniforme da CBF, com os seus ídolos – está faltando um novo bicho ao lado do pato – e bonecos de borracha?
O Brasil de hoje está cada vez mais parecido com a República de Weimar, que antecedeu a chegada do nazismo ao poder na Alemanha.
Dois anos antes da ascensão de Hitler, a Alemanha – e  o capitalismo – estavam – como agora – em crise, agravada pelo crash da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929.
A esquerda se encontrava enfraquecida depois da brutal repressão promovida pelos sociais democratas, que incluiu a tortura e o assassinato de suas lideranças – algumas delas oriundas da própria social-democracia – como Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo – hoje nomes de rua e de praça em Berlim – no início de 1919.
E, enquanto sociais democratas e comunistas se digladiavam, Hitler organizava, paralelamente, à margem do processo político visível, oficial, suas forças, com o recrutamento de milhares de seguidores.
O que seria feito, ou melhor, já está sendo realizado, por aqui, por meio do Whatsapp e de redes sociais, por  “pré-candidatos”, que estão, na verdade, há meses, em plena campanha presidencial, “ignorada” ou tolerada pela justiça, para a Presidência da República.
As forças policiais e o Judiciário já estavam coalhadas de simpatizantes nazistas, seduzidos pelo discurso hitlerista,  que culpava a esquerda, os políticos de modo geral, os judeus e os estrangeiros, e, em última instância, a Democracia, pela  desordem e a crise econômica, e, principalmente, a  corrupção.
E assim como hoje, com a chegada de Trump à Presidência dos EUA, o mundo caminhava, premonitoriamente,  para uma guinada para a extrema-direita, estúpida, imbecil, integral e raivosa, cuja ponta do iceberg era a conquista do Estado pelos fascistas, na Itália, mas que incluía também a consolidação do poder por Salazar, em Portugal e a polarização da situação na Espanha, que  levaria à Guerra Civil espanhola e ao covarde golpe franquista – com apoio militar fascista e nazista – contra a esquerda republicana e a democracia.
Considerando-se essa situação, não é de estranhar que, nas eleições de 1930, depois do lançamento do Mein Kampf – livro escrito por Hitler numa espécie de HOTEL de luxo onde ficou preso, com todo o conforto, por 9 meses, após uma fracassada tentativa de  golpe de estado – obra na qual o futuro líder da Alemanha professava inequívoca e radicalmente seu profundo anticomunismo e antissemitismo  – os nazistas tenham crescido de 2,5% para 18,3% dos votos e se transformado na segunda força política da Alemanha.
Como eles fizeram?
Mesmo tendo minoria dos votos, se transformaram em uma espécie de “tertius”, aproveitando a divisão das forças políticas que deveriam ter se unido para derrotá-los.
Colocaram seus bate-paus nas ruas para atacar aqueles que se opunham a eles e tumultuar o processo, e uma vez instalado o caos, forçaram a indicação de Hitler como chanceler, uma espécie de primeiro-ministro, para, com cumplicidade da parte mais conservadora do grande capital alemão, “pacificar” e  “colocar ordem” no país.
Uma vez no poder, em 1933, os nazistas ficaram à vontade para dar novo golpe dentro do golpe branco que já haviam dado.
Incendiaram o prédio do Reichstag, o Parlamento alemão, (ler aqui sobre o episódio), acusaram um jovem esquerdista holandês, que mal falava alemão, Marinus van der Lubbe, e um grupo de comunistas ligados ao Comintern – uma organização internacional comunista comandada pela União Soviética – esses últimos soltos depois por falta de provas – pelo crime, e, com essa desculpa, impuseram ao então Presidente alemão, Paul Von Hindenburg, distorcendo dispositivos da própria Constituição anterior da República de Weimar, uma Lei sobre Medidas para a Defesa do Estado, que:
1 – Suspendia a maioria das liberdades civis garantidas pela República de Weimar – liberdade pessoal, liberdade de expressão, liberdade de imprensa, direito de associação e de reuniões públicas, privacidade nos correios e telefones, proteção da casa e propriedades.
2 e 3 – Passava ao Governo central do Reich poderes normalmente delegados aos estados.
4 e 5 – Estabelecia pesadas penas por delitos específicos, incluindo a pena de morte para a queima de edifícios públicos.
6 – Afirmava que o decreto entrava em vigor no dia da sua publicação, mas com efeito retroativo (olhaí a penalidade jurídico-retroativa!)  o que possibilitou decretar a pena de morte para Marinus van der Lubbe – logo depois executado – bode expiatório e suposto “causador” do incêndio.
Resultado de imagem para O incêndio do Reichstag,O incêndio do Reichstag,  transformou-se, do ponto de vista histórico e também jurídico, na pedra angular da fundação do III Reich, dando aos nazistas não apenas a maioria dos votos nas eleições seguintes, mas também o pretexto que eles esperavam para eliminar a esquerda alemã.
Comunistas e socialistas foram afastados do Parlamento, centenas de pessoas foram presas naquela mesma noite, por tropas paramilitares das SA, e levadas para porões clandestinos onde foram torturadas e assassinadas – calcula-se em 25.000 mortos de esquerda o saldo do episódio – o PKD, o Partido Comunista Alemão e outras agremiações políticas, foi cassado,  alteraram-se e se promulgaram, com o beneplácito e a ajuda de um judiciário e de uma polícia infiltrados por simpatizantes, novas leis, entre elas aquelas criadas para consolidar o terror contra os judeus.
Resultado de imagem para mauro santayana - vaca sagradaPor ironia, o comissário encarregado de investigar o incêndio, Walter Zirpins, publicou, ainda durante o regime nazista, uma obra jurídica cinicamente denominada Strafrecht leicht gemacht, “O direito penal ao alcance de todos”, em que defendia o uso indiscriminado – como ocorre no Brasil de hoje – da prisão preventiva, e, complementarmente, também dos campos de concentração,   como medidas destinadas a acelerar o processo penal e facilitar a “reeducação” de infratores.
Nos meses que se seguiram, capturados, na calada da noite, em suas casas, os social democratas do SPD – o PSDB da época, na Alemanha – entre eles aqueles que haviam, no início, subestimado Hitler, achando que ele era um palhaço passageiro a quem poderiam controlar e usar contra os comunistas, também tomaram, finalmente, com suas famílias e amigos, o caminho de campos como Dachau e Bergen-Belsen
*Mario Santayana é jornalista

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