Por Jeferson Miola, em seu blog:
Não existia precedente, entretanto, na história do Brasil, de deputado federal que tenha renunciado por correr risco de morte por desempenhar atividade parlamentar comprometida com os direitos humanos, a pluralidade, a liberdade, a democracia.
A renúncia do Jean Wyllys/PSOL, neste sentido, é uma pesada denúncia de que a pistolagem adentrou o território da política e, se não for detida, poderá colonizar a política da mesma maneira que já domina comunidades no Rio e no país afora.
A negligência do Estado, que não assegurou a Jean Wyllys a proteção e a segurança que corresponderia, é ainda mais grave que as ameaças de morte feitas contra ele e sua família. Na carta que entregou ao PSOL [ler aqui], o deputado denunciou que
“Mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio”.
Jean também denunciou que os sicários que assassinaram Marielle Franco e Anderson Gomes
“mantêm ligações estreitas com pessoas que se opõem publicamente às minhas bandeiras e até mesmo à própria existência de pessoas LGBT. Exemplo disso foi o aumento, nos últimos meses, do índice de assassinatos de pessoas LGBTs no Brasil”.
O aumento da violência e da crueldade contra pessoas LGBTs é uma realidade indesmentível. O bárbaro assassinato da travesti Quelly da Silva em Campinas/SP, em 20/1, comprova esta realidade denunciada pelo deputado do PSOL. Além de assassinar Quelly brutalmente, o assassino arrancou-lhe o coração.
Jean Wyllys não renunciou por covardia. O exílio tornou-se o único recurso de sobrevivência diante da desproteção do Estado brasileiro. Ele farejou o cheiro do seu próprio sangue jorrando em rituais de intolerância, preconceito e ódio num país francamente ameaçado pelo poder miliciano e crime organizado.
O assunto é extremamente grave. Um dos sicários suspeitos do assassinato da Marielle, o chefe da milícia Escritório do Crime, enquanto estava preso por homicídio foi homenageado na ALERJ pelo deputado Flávio Bolsonaro, nada menos que o filho do presidente da República. Até novembro passado, Flávio empregava no seu gabinete a mãe e a esposa dele, que é o principal suspeito de ter efetuado os disparos mortais em Marielle.
A renúncia do Jean Wyllys, em vista disso, é uma denúncia de que a política e o Parlamento estão sendo sitiados pela bandidagem; é um alerta de que democracia está sitiada. É uma denúncia, enfim, de que o Estado de Direito corre o risco de ser dominado pelas milícias e pelo crime organizado.
O Ministro da Justiça Sérgio Moro, a quem o COAF, a PF e outros órgãos de combate ao crime organizado estão subordinados, tem a obrigação constitucional de investigar as ameaças de morte que levaram Jean Wyllys à renúncia do mandato e o forçaram ao exílio.
Moro precisa mandar investigar com o máximo rigor as organizações criminosas [Escritório do Crime e outras], mas também os agentes públicos dos legislativos, dos executivos em todos os níveis e do judiciário que têm conexão orgânica com o crime organizado e com as milícias.
Moro não pode se esquivar desta responsabilidade institucional e legal. Ele tem o dever de investigar a fundo; ele jamais poderá dizer que esse assunto não é com ele, sob pena de se confundir com a própria criminalidade que se recusa a combater.