Ana Moser: mudança é ruim para o País (Gustavo Alves / Divulgação)
Crítica à alteração curricular do Ensino Médio, a medalhista olímpica vê prejuízos inclusive para a saúde pública
por Ingrid Matuoka — Carta Capital
Michel Temer e o ministro da Educação, Mendonça Filho, apresentaram na quinta-feira 22 uma Medida Provisória que acaba com a obrigatoriedade das aulas de Educação Física, Artes, Filosofia e Sociologia no ensino médio. O ministro anunciou o modelo uma semana antes e afirmou que a urgência do governo se deve aos resultados do ensino médio no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Ana Moser, medalhista olímpica e sócia fundadora da ONG Atletas pelo Brasil, afirma que a questão é também de relevância para a saúde pública e que “a medida reduz a identificação e o significado da escola para os jovens”. A ex-atleta de voleibol, que trabalha para ampliar e qualificar a prática de Educação Física em todo o Brasil, ressalta que a escola alcança lugares no País a que outras instituições não chegam e, por isso, é o centro de garantia de acesso ao esporte.
CartaCapital: Um mês após o Brasil receber as Olimpíadas, o governo federal retira a obrigatoriedade do ensino de Educação Física nas escolas. O que isso representa?
Ana Moser: Acabar com a Educação Física é um retrocesso. Voltamos para a década de 80, quando não tínhamos a obrigatoriedade da Educação Física. Isso gerou um prejuízo para a cultura da prática motora na escola, e o preço se paga até hoje. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, por exemplo, mostram que quase 70% dos alunos são sedentários. Trata-se de uma questão de saúde pública.
E, não menos importante, significa também tirar um lugar onde o adolescente pode ser adolescente, usar o corpo, se desafiar e se comunicar por meio de uma atividade motora.
Se a escola está se tornando desinteressante, não é afastando as disciplinas de humanas que vai melhorar o quadro, só vai piorar. Focar no resultado do Ideb é uma miopia, porque uma prova por si só não mostra se a educação está sendo eficiente ou não. Ela é um dos fatores, mas não é o único.
A própria política que apresentam como justificativa não me parece coerente. Tiram mais oportunidades de educação e dizem que vão ampliar o período escolar?
CC: Quais são os retrocessos que podemos esperar em decorrência dessa decisão?
AM: Podemos esperar a perda do potencial de desenvolvimento que a Educação Física traz: o motor, cognitivo e socioafetivo. Tira a oportunidade de convívio e formação de grupos, de aprender a conviver na diversidade e sob a ética das regras iguais que o esporte promove.
Os alunos envolvidos em atividades esportivas ocupam e cuidam da escola, têm uma relação afetiva mais forte. A medida reduz a identificação e o significado da escola para os jovens.
Educação Física
O esporte promove o convívio na diversidade e sob a ética de regras iguais, diz a medalhista olímpica
CC: Sem a obrigatoriedade, a tendência é que as escolas deixem de investir na infraestrutura e nos professores de educação física?
AM: O que não é obrigatório é opcional. O que é opcional pode não existir. Temos nos baseado em trabalhos científicos e resultados de pesquisas que mostram a importância da atividade física na escola e, a partir disso, procuramos ampliar esse direito e garanti-lo a todos, e agora tiram esse direito, reduzem essa importância.
CC: Isso também pode refletir nas políticas públicas de incentivo ao esporte nas periferias?
AM: Com certeza, porque a escola é a instituição mais forte do País para atender crianças e jovens. As outras estruturas são complementares, mas as crianças e jovens estão na escola, e ela está em todos os lugares do País, inclusive onde outras instituições não chegam.
As secretarias de esporte, equipamentos, assistência social e de saúde voltadas à atividade física são esporádicas no País. A escola, não. Ela é o lugar que pode garantir esse direito – ou podia.