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sexta-feira, 26 abril, 2024

Ações da China no combate ao Covid-19 e o impacto econômico jurídico internacional

Thomas Law*

O novo coronavírus (COVID-19) responsável por casos de doença respiratória grave no final de 2019 e início de 2020 na cidade chinesa de Wuhan é uma nova variante do Vírus Corona. O governo chinês tem tomado medidas drásticas para controlar a epidemia, como por exemplo, o prolongamento do feriado do Ano Novo Chinês, o adiamento do retorno às aulas em escolas e universidades e medidas de restrição de mobilidade para mais de 25 milhões de pessoas em ao menos 10 cidades.

Além disso, o Governo Chinês entregou 3 hospitais na Província de Hebei, no epicentro do coronavírus: um hospital (Dabieshan) com mil leitos, um segundo (Huoshenshan) construído em 10 dias, numa área de 34 mil metros quadrados com mais mil leitos e um terceiro (Leishenshan) em 14 dias numa área de 74 mil metros quadrados com mais de 2 mil leitos. Fora o trabalho do próprio governo, empresas de tecnologia estão engajadas em auxiliar no combate ao coronavírus. Exemplos disso são a Tencent, que criou plataformas eletrônicas de telemedicina e a DIDI, que criou um canal para levar pessoas infectadas diretamente para os hospitais a cidade de Wuhan.

O primeiro impacto econômico que foi percebido na China ocorreu na área do turismo, na suspensão de voos de muitas companhias aéreas, na falta de clientela nos hotéis, restaurantes, lojas e bares. É bem verdade que muitos empresários na China trabalham de forma remota, ou seja, utilizam computadores, laptops e smartphones dentro de suas residências para as tarefas do cotidiano. Vale salientar que os trabalhadores, das fábricas e indústrias, retornaram parcialmente e de forma lenta após o fim do prolongamento de férias. Todos estão tomando os cuidados necessários para a volta do trabalho fabril, como o uso de máscaras e a higienização adequada. Entretanto, surgem algumas perguntas. Como fica os produtos e a produção da China diante desse cenário? E as compras de commodities e produtos que chegam na China? Qual o impacto nas relações Brasil e China nesse ano de 2020?

De fato, do ponto de vista da China o comércio internacional pode ter um efeito negativo e os contratos, tanto para exportação quanto para importação, podem suportar sérios atrasos nas obrigações e serem motivos de descumprimento contratual. Tanto a China como o Brasil e muitos outros países são signatários da Convenção de Viena sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias  (CISG). No caso das exportações, com o fechamento das linhas de produção chinesas, o estoque de produtos acabados de um determinado setor não consegue cumprir no prazo estipulado dos contratos e das obrigações futuras. Em relação as importações, com as linhas de produção fechadas ou desaceleradas, as matérias-primas já adquiridas e guardadas para serem recebidas e usadas na produção provavelmente não serão necessárias e talvez nem possam ser armazenadas, afetando diretamente o comércio internacional. Importante esclarecer que o remédio resolutório (a rescisão contratual) da CISG, o chamado avoidance, é considerado a ultima ratio (ou last resort), o que significa dizer que sua utilização somente é cabível em casos excepcionais – os requisitos para sua configuração são bastante específicos e limitados.

Huber entende que a CISG optou pelo princípio da preservação dos contratos (fora a questão do custo financeiro) e pelo princípio da obrigatoriedade dos pactos (pacta sunt servanda), sendo certo que a manutenção do contrato faz com que as obrigações contratadas permaneçam vigentes. Portanto, embora haja toda a especulação e os prejuízos no âmbito econômico do comércio internacional diante do efeito Covid-19, a CISG prevê regras de preservação dos contratos. Para isso basta verificar as previsões do art. 49 (1) são, assim, taxativas, havendo apenas duas possibilidades para a configuração do direito resolutivo – rescisão do contrato. A primeira delas, quando houver um “descumprimento fundamental” do contrato, o que remete ao art. 25 da CISG –  que, por sua vez, reenvia o intérprete à aplicação de conceitos indeterminados; a segunda, quando ultrapassado o chamado “prazo suplementar” conferido pelo comprador (Nachfrist), na hipótese de não entrega das mercadorias.

Embora haja toda a fundamentação da preservação dos negócios no comércio internacional pela CISG, há também a possibilidade da invocação da cláusula de força maior, ou seja, empresas chinesas podem fazer uso dessa cláusula como forma de excluir suas obrigações contratuais devido a circunstâncias fora do seu controle, impostas pelo Covid-19.  Portanto, o Brasil deve se preocupar com esse cenário, uma vez que a China é seu maior parceiro comercial. Em 2018, as trocas comerciais entre esses dois países atingiram um montante de US$100 bilhões. Destaca-se que o Brasil teve um superávit de mais de US$46 bilhões ao fechar o ano de 2019, isto é, o nosso país exportou mais do que importou, deixando a balança comercial favorável, sendo que a maioria da exportação teve destino ao mercado chinês.

Além do mais, não apenas as consequências do Covid-19 para a economia chinesa devem preocupar as autoridades brasileiras e o próprio mercado, mas também o acordo de guerra comercial (fase 1) entre a China e os Estados Unidos da América, já que ao mesmo tempo em que a economia chinesa pode ser enfraquecida pelo Covid-19, a China também assinou um acordo na qual promete aumentar suas aquisições de empresas americanas em US$ 32 bilhões adicionais em compras de produtos agrícolas dos Estados Unidos da América nos próximos dois anos, sendo US$12,5 bilhões em 2020 e US$19.5 bilhões em 2021. É hora, portanto, do nosso governo perceber a importância do mercado chinês e agir de forma apropriada para avançar nas relações econômicas com a China e, consequentemente, não perder a fatia de mercado que o Brasil exerce na área de exportação de produtos agrícolas e commodities.

 

*Thomas Law é advogado.

Mestre em Direito Internacional pela PUC-SP

Doutorando em Direito Comercial pela PUC-SP

Presidente da Coordenação Nacional das Relações Brasil e China da OAB

Presidente do Ibrachina

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