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sexta-feira, 26 abril, 2024

COM A MORTE NA ALMA, OS NETOS DE VARGAS

Pedro Augusto Pinho*  
 
Em excelente artigo onde narra as esperanças e as transformações sociais após a Revolução de 1930, o jornalista Fernando Brito escreve a expressão “netos de Getúlio Vargas”, feliz síntese dos que nasceram e viveram na e após a Era Vargas (Sei bem de onde vim, de um mundo que estão matando, Tijolaço, 15/07/2017).
As forças, contra as quais lutaram o Exército dos tenentes e uma parte da burguesia brasileira em 1930, são as que tomaram, pelo golpe de 2016, o governo no Brasil. São elas:
(a) os traidores de sempre, aqueles que Barbosa Lima Sobrinho chamava do país dos Joaquim Silvério dos Reis, em contraposição ao Brasil dos Tiradentes, os que hoje propõe a alienação do pré-sal às Chevrons e petroleiras estrangeiras, inclusive estatais de outros países, a entrega do Centro de Lançamento de Alcântara (Maranhão) aos Estados Unidos da América (EUA), a venda de terras brasileiras para fundos financeiros alienígenas, a entrega de aquíferos e outras ações que poderiam ser criminalizadas como traição ao País;
(b) a classe ruralista, sempre saudosa da escravidão legal, pois a real jamais deixou de existir, como demonstram os assassinatos no campo de etnias indígenas e daqueles que nele produzem para sobreviver, lembrando a elite fundiária inglesa dos séculos XV a XVII, invadindo e cercando terras – os grileiros que abundam neste Congresso do Brasil, no século XXI;
(c) os rentistas de toda ordem, quer os proprietários de imóveis urbanos quer os especuladores com valores mobiliários. É ainda pouco conhecida a história da formação urbana brasileira, que professores e pesquisadores, da geração de doutores pós 1980, vem produzindo. Nestes trabalhos vai ficando nítida a importância do comércio de escravos na formação da burguesia urbana, notadamente do Rio de Janeiro, então a capital do Brasil, formadora de parte dos rentistas de hoje. Os males causados pela escravidão no Brasil não cessam de emergir das sombras, onde as elites os quiseram ocultar;
(d) a imprensa e os intelectuais vendidos, quer por simples e nada meritórias condecorações quer por valores pecuniários, a depender de sua pouca inteligência ou ambição. No caso da imprensa, hoje, com o domínio da banca (sistema financeiro) em quase todo o mundo, a concentração da produção de informações e o desleixo de profissionais transformam todos em papagaios acríticos – muita propaganda, proselitismo, quase nenhuma informação veraz, fidedigna;
(e) o judiciário que sozinho já mereceria todo artigo. Sua formação vem do feudalismo do Brasil Colônia, quando o primogênito era encaminhado ao bacharelismo. Já se escreveu sobre a República dos Bacharéis, onde se a lei não ajudava o senhor das terras, sua aplicação “corrigia” este lapso. A República dos Bacharéis era a garantia da República dos Coronéis. Hoje os coronéis são, em primeiro lugar, a banca, o neoliberalismo que, como ideologia ou por corrupção,  domina a cena jurídica, em seguida os mesmos e velhos coronéis do ruralismo e do rentismo urbano, e, pairando sobre a nação, como um urubu, os sempre presentes interesses estrangeiros, quer geopolíticos quer meramente econômicos;
(f) e, não por simples acaso, por último a ignorância, que se reveste de patos amarelos, camisas da seleção de futebol, panelas estragadas e com um profundo e não assumido desconhecimento de si mesma, de suas próprias  necessidades como pessoa e cidadão, a classe que se chama média. Esta burguesia que se irritou profundamente quando a pensadora brasileira Marilena Chaui a colocou diante do espelho e a mostrou “violenta e ignorante”. Lembre apenas, caro leitor, que foi ela quem amarrou um pobre ao poste para surrá-lo, macaqueando o escravo que açoitava outro escravo para agradar ao senhor, que pedindo educação votou em quem cortava as verbas para o ensino, que se diz democrata mas pede ditaduras, quem se diz generosa e não dá férias à empregada doméstica etc etc etc. Hoje é esta “incorruptível classe média”, que acha natural dar “um trocado” ao guarda para estacionar em local proibido, que procura um amigo para usufruir de uma vantagem, nem que seja furar a fila, que, com seu comportamento hipócrita, fornece um péssimo exemplo para o Brasil e nos deixa humilhados no concerto das nações – um país com esta dimensão, com tão grande população e uma economia que o coloca entre as dez maiores do mundo. Ser humilhado, como Temer, o golpista, o foi na recente reunião do G20, na Alemanha, é a consequência de sua falta de consciência de si mesma e do respeito ao outro, um ser humano.
E qual era o propósito deste avô de todos nós?
Um projeto revolucionário, nacionalista, um projeto perigoso para a civilização cristã e ocidental: o Brasil industrializado, soberano e justo com quem produz sua riqueza: a classe trabalhadora. Um Brasil que se envergonharia de colocar em prisão perpétua um herói, o mais importante cientista nuclear brasileiro, Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, um Brasil que se envergonharia de ter presidindo o Executivo e o Legislativo pessoas que, comprovadamente, cometeram ilícitos penais e pior, condenando, sem provas, o ex Presidente que tirou da miséria 40 milhões de brasileiros; um Brasil que deveria se envergonhar de ir às ruas para aplaudir um agente estrangeiro que, por suas ações, destruiu a engenharia brasileira, quando ela ameaçava, pela competência técnica e gerencial, as congêneres estadunidenses e europeias.
Estes propósitos eram a industrialização soberana e não a financeirização; o consumo nacional como prioridade e não o modelo exportador centrado na primarização; a construção da cidadania, com os programas de renda mínima (Bolsa Família), o atendimento à saúde (SUS) e não o incentivo à doença, a construção de moradias, contrariando o rentismo fundiário, o fornecimento de luz para todos, no sentido direto e figurado da construção de escolas técnicas e universidades, dos planos de educação e de cultura nacionais; a soberania nas relações internacionais, sem as humilhações de tirar o sapato para policial em aeroporto nem ser desdenhado em reuniões internacionais; o Brasil e não a banca como ideal.
Enfim, somos os netos de um projeto de País que os maus brasileiros, vocês coxinhas e antipovo, apoiando-se nos traidores e corruptos estão destruindo e impedindo de existir.
François Villon, trovador francês do fim da Idade Média, na célebre Balada das Damas do Tempos Idos (Ballade des Dames du Temps Jadis), concluiu cada estrofe com a pergunta: Onde estão as neves de outrora? E eu pergunto: onde estão os tenentes e a burguesia de 1930? Onde estão nossos operários da greve de 1917?
 
*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado 

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