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domingo, 28 abril, 2024

“Vôo mitos coloridos“ e a psicodélica geração dos anos 60

Luiz Eduardo Oliva*

No final dos anos 1960 as manifestações artísticas em Sergipe, como de resto no país, viviam sob a espada nefasta da censura.  A ditadura militar fazia calar vozes. Mas as vozes da resistência não esmoreciam. Ainda que nem toda arte tivesse uma ação manifestadamente de combate à ditadura, era uma forma de resistência, sobretudo no aspecto dos costumes enfrentando principalmente a censura para que o livre pensar não fosse somente a liberdade de pensar, mas também a forma de livremente se expressar.

Em Sergipe, uma tribo de jovens fazia aqui como alhures ressoar a arte que resistia. Daquela trupe, o poeta Mario Jorge era a principal liderança, uma liderança natural pela sua irreverência, genialidade e criatividade.  Também tinha os compositores Alcides Mello, Marcos Chulé e Zenóbio Alfano, os poetas Amaral Cavalcante e Hunald Alencar, a poeta Mara Lopes, o artista plástico Joubert Moraes, a atriz Wilma Rodrigues (Nêga), o cronista João de Barros (o Barrinhos), o cinéfilo Djaldino Mota Moreno, a jornalista, poeta e cineasta Ilma Fontes, as jornalistas Clara Angélica (também cantora) e Lânia Duarte (também artista plástica), o fotógrafo Marinho Neto, o tapeceiro e também colunista Luiz Adelmo. Claro que não eram só esses, mas aí está um punhado altamente representativo.

Daquela troupe muitos já partiram e recentemente Marcos Antônio, o Marcos Chulé, talvez o mais sofisticado compositor da sua geração e que estava há anos recolhido ao indecifrável mundo dos desvãos da mente que leva ao isolamento social. Marcos partiu sem o reconhecimento à altura do seu talento, deixando uma exuberante obra musical que, uma pena, ficará perdida no tempo.

Daquela geração é que vêm, depois já nos anos 80, os grupos Raízes e Imbuaça, os principais jornais alternativos sergipanos a “Folha da Praia” e “O Capital”, o Circo Amoras e Amores (Jorge Lins que também criou a livraria “Auê – Cultura e o Escambau”). Tinha os colunistas “não alinhados” (Amaral, Jorge Lins, eu mesmo, Mascarenhas) que faziam um colunismo entre o social e o cultural, o irreverente Fernando Sávio – o melhor cronista da geração 80.

Jorge Carvalho, que para além do conhecido professor, tem uma cultura multifacetada, assim como é a sua produção intelectual – está nos ajustes finais um livro que trata de colunismo social e jornalismo, que vai recuperar para a geração atual muito do que se fez entre os anos 60 e 80, embora também tenha se debruçado sobre o colunismo social desde os anos 30 do século que passou num resgate inédito sobre um assunto tão vasto e tão rico.

Recentemente fui ao almoço no aconchego da “Casa do Mangue”, um delicioso bistrô ao lado do mangue do Rio Poxim aos cuidados do queridíssimo casal Djenal Filho e a Chef Roberta, onde se degusta a boa comida regada à também boa musica sergipana, quando se apresentava a banda de rock “Shark Attack”. Ao final tive a grata surpresa de ser abordado pelo guitarrista Marcus Vinicius Moraes que logo me disse: “sou sobrinho de Joubert Moraes”. Na conversa surge dele a lembrança do espetáculo “Vôo Mitos Coloridos”, que ele não vivenciou naturalmente, mas que teve no seu tio um dos principais protagonistas.

Fiquei surpreso pela lembrança porque “Vôo Mitos Coloridos” (que eu mesmo antes grafava no plural, “Vôos”), embora tenha sido a mais impactante criação do final dos anos 60 – um misto de música, poesia e teatro, apresentada no Teatro do Atheneu quando ainda era chamado de “Auditório” -, quase nunca é lembrada.

“Vôo Mitos Coloridos” marcou o final dos anos 1960. Na cacofonia que formava “vômitos coloridos”, queria dizer da necessidade de vomitar coloridamente tudo que fosse caretice e anunciar um novo tempo, dizendo muito daquela geração psicodélica, da contracultura woodstockiana, das revoltas das barricadas de Paris, dos cânones da revolução sexual e também da afirmação libertadora da voz feminina. Muitos dos nomes acima referidos fizeram parte da montagem.

Foi espetáculo protagonizado por geração iconoclasta, irreverente, criativa. Uma geração antes da minha, mas que alcancei e da qual pude beber, como um privilegiado. Uma geração que precisa ser estudada. Que resistiu ao banal e pela arte apontou para um novo porvir pavimentando o terreno para a minha geração e para as seguintes. Aracaju, como já disse em outro texto, era uma explosão de variados saberes e impactantes fazeres.

(*) Artigo Publicado no Jornal da Cidade/SE, edição nº 14. 791   De 04 a 06  de fevereiro de 2023.

(**) Na montagem acima, da esquerda para a direita estão o guitarrista Jimi Hendrix, o poeta Mário Jorge, a jornalista Ilma Fontes, um quadro de Joubert Moraes e o músico Alcides Mello além de ilustrações da arte psicodélica.

*Advogado, poeta, e membro da Academia Sergipana de Letras Jurídicas

 

 

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