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terça-feira, 30 abril, 2024

A ofensiva contra o PL das Fake News

Tatiana Dias

Editora Sênior/Intercept Brasil

Nesta semana, o Google começou a mandar para seus anunciantes um e-mail bem alarmista: se o PL 2630, conhecido como PL das Fake News, for aprovado, “milhares de pequenas e médias empresas no Brasil – muitas delas ainda se recuperando da crise causada pela pandemia – terão dificuldades em aumentar suas vendas com a ajuda da publicidade on-line”, diz o texto.

O PL das Fake News tem uma série de artigos controversos, mas é o mais próximo que estamos de alguma regulação do tema. As plataformas focam na oposição a três pontos principais: questões de transparência e modelos de moderação de conteúdo, a proposta de remunerar conteúdos jornalísticos e a de regulamentar a publicidade digital. É esse último o foco da ofensiva mais agressiva contra o PL.

O e-mail aos anunciantes foi o último passo da investida do Google, em conjunto com a Meta – novo nome do Facebook –, o Twitter e outras empresas do ramo contra o projeto de lei, que está para ser votado na Câmara. A campanha das big techs contra o PL já teve anúncio de página inteira em jornal, chamada na página inicial de buscas do Google e propaganda em aeroporto. O tom é sempre alarmista: dizem que o projeto de lei compromete a internet livre, desestimula as plataformas a combaterem desinformação e coloca em risco os “milhares de pequenos comércios” que dependem de anúncios para sobreviver.

É uma estratégia clássica de lobby estressar consequências hipotéticas ou mesmo sem embasamento para movimentar a opinião pública. Foi assim com a discussão sobre o veto ao Marco Temporal e com a liberação das patentes da vacina: a indústria dizia que o primeiro colocaria em risco a produção de alimentos no Brasil; a segunda, que acabaria com a inovação. Agora, no caso do PL das Fake News, o discurso é que ele vai “acabar com a publicidade digital” e prejudicar os comerciantes.

É uma manobra argumentativa genial, convenhamos: de fato, milhares e milhares de pequenos comerciantes usam os anúncios direcionados para impulsionar seus negócios. É em cima deles que as big techs estão fazendo pressão. A proposta do PL relatado por Orlando Silva, do PCdoB paulista, restringe, por exemplo, o uso de dados pessoais fornecidos pelos usuários às empresas por terceiros e obriga as empresas a identificarem conteúdos impulsionados e publicitários.

Na proposta, elas também devem identificar o histórico de conteúdos impulsionados com que as contas tiveram contato nos últimos seis meses, com detalhes sobre os critérios de perfilamento. Você foi impactado por um anúncio de fralda? As empresas deveriam, segundo a proposta, explicar o porquê. E também deveriam ser transparentes sobre a identificação dos anunciantes e dados gastos com publicidade. Mas elas, aparentemente, acham que não podemos saber as razões pelas quais nos consideram consumidores para determinados tipos de produtos.

O IAB, entidade que representa o setor de publicidade online, criou até um abaixo-assinado contra as propostas. “Sem a publicidade digital, a economia brasileira perderia R$ 23 bilhões por ano”, diz o instituto. A entidade tem como filiados Google, Meta, Globo, UOL, R7, Spotify, Mercado Livre e até o Taboola, aquele fornecedor de anúncios picaretas disfarçados de notícias jornalísticas.

A Meta argumenta que o artigo em questão foi inserido sem debate e que não “versa sobre desinformação”. Bem, basta uma passeada em qualquer pé de notícias abastecido com Outbrain ou Taboola para ver que pérolas como “Eliana tira a maquiagem e nos deixa de boca aberta” ou “Novo método para tratar fungos nas unhas vira febre em São Paulo” – títulos sensacionalistas que levam a textos duvidosos, cujo único propósito é faturar com publicidade – dividem espaço com notícias reais, confundindo o leitor. Se isso não é desinformação, eu não sei bem o que é.

Folha, Globo, Metrópoles e IstoÉ estão entre os veículos que cederam espaço para faturar com esse tipo de anúncio. O PL é a iniciativa de regulamentação mais próxima do que temos para regular esse tipo de publicidade invasiva e desinformativa, mas as empresas de tecnologia não parecem ter interesse em mexer nos seus negócios.  “As big techs não estão preocupadas com os ganhos da lanchonete do seu bairro, mas sim com o próprio modelo de negócios que as sustenta”, resumiram as jornalistas Vivane Tavares e Iara Moura, da ONG Intervozes, que defende liberdade de imprensa e direitos digitais.

Muitos pesquisadores argumentam que o capitalismo de vigilância, que usa a coleta massiva de dados para ter um conhecimento profundo das pessoas, e, assim, fornecer anúncios direcionados profundamente persuasivos, é uma das razões da epidemia de fake news e caos no ambiente informacional que vivemos. A reação histérica das empresas mostra que a proposta do PL, apesar de ambiciosa, atingiu em cheio o coração desse problema.

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