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terça-feira, 30 abril, 2024

Gilberto Gil, as raízes nordestinas de um gênio da MPB

As novas gerações talvez não tenham ideia do que foi o movimento da Tropicália, que acabou com a onda de movimentos musicais

Minha geração teve Chico e Caetano, Vandré e Milton, Ivan e Djavan, um pouco antes João, Tom e Vinicius e cada qual uma joia única e incomparável. Mas, admito, o que mais me falou ao coração foi Gilberto Gil. Passei a noite dos meus 18 anos em uma sinuca, em São João da Boa Vista, ao som do Frevo Rasgado.

Antes disso, na casa do advogado Celso Sanseverino, nosso grupo musical assistiu, encantado, o “Domingo no Parque”, uma ópera popular extraordinária, nossa favorita no festival da Record daquele ano. Antes disso, “Água de Menino”, “Procissão”, “Bom Dia”,  já eram as preferidas em nossas rodas de MPB. 

Não era apenas o balanço, incomparável, mas o lirismo, o jeito zen que se aprofundou com a morte do filho. Ele e Caetano eram Baco e Dionisio, o anarquista brilhante e o místico, ambos geniais.

As novas gerações talvez não tenham ideia do que foi o movimento da Tropicália, que acabou com a onda de movimentos musicais. Muitos tendem a minimizá-la, alegando que não consagrou um estilo, como o samba-canção, a bossa nova. Foi isso mesmo. Ela arrebentou com a compartimentalização da música brasileira, integrou todos os sons no mesmo ambiente, desde ritmos diversos até sons de rádio, de gravador, mixando tudo em uma grande geleia geral.

Ao lado de Caetano, Gil foi um dos pilares do movimento. E, ao mesmo tempo, jamais abdicou de suas raízes nordestinas, e não exclusivamente baianas de Salvador, como Caetano. Lembro-me de uma de minhas crônicas, classificando Gil como músico nordestino, de cuja árvore brotaram inúmeros galhos, desde a música nova pernambucana até compositores como Vicente Barreto e outros nordestinos da Bahia e de outros estados. Houve alguma resistência dos teóricos da USP a essa definição. Mas Gil me mandou um e-mail concordando com a classificação.

A primeira vez que vi os baianos ao vivo, foi em uma gravação na TV Tupi, com João Gilberto. Três baianos deslumbrados – Caetano, Gil e Gal – com o encontro com o conterrâneo mito. Naquela noite assisti interpretações, como o Quem Há de Dizer, de Lupicínio, que não foram para o ar. A joia ficou na memória afetiva e musical das poucas testemunhas daquele evento.

Quando Gil voltou do exílio, enfrentei uma enorme fila no Teatro da PUC, para conseguir dois bilhetes para o espetáculo do dia seguinte. Na fila, o fotógrafo Dirceu Leme, incumbido de comprar um ingresso para José Ramos Tinhorão, o crítico implacável de qualquer modernidade, mas que reconhecia a profunda identificação da música de Gil com o Brasil.

 

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