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quinta-feira, 25 abril, 2024

LULA ESTÁ CERTO: FOME E MISÉRIA SÃO A TRAGÉDIA DO BRASIL

Foto: Hugo Marques

Emiliano José*

Vamos combinar uma coisa?

Somos o país da repetição.

Marx tinha razão, a história se repete?

Numa ocasião,  tragédia?

Noutra, farsa?

Se tinha, a tragédia mais próxima, aquela a assegurar o predomínio dos mais sórdidos interesses capitalistas, foi o golpe de 1964.

A partir dali, garantido o essencial, o resto, quando se trata de urros das classes dominantes, farsa.

As classes dominantes de hoje, capital financeiro à frente, a mão a balançar o berço, quando gritam, o fazem não porque haja riscos fundamentais à acumulação de capital, sobretudo ao capital rentista.

Não.

Nada disso.

Não acham obviamente Lula tenha chegado, depois de brilhante vitória sobre a extrema-direita, sobre o fascismo, cavalgando o cavalo alado da Revolução Bolchevique.

Lula já governou o Brasil.

Conhece o Brasil.

Sabe da correlação de forças.

Não é dado a aventuras.

Nossas classes dominantes, nem gosto de dizer isso, mas digo, não têm compromisso com a Nação.

Tivessem, e aplaudiriam o presidente eleito por pretender cumprir o prometido durante a campanha, e voltar a acabar com a fome, como o fez anteriormente.

Essa figura curiosa, denominada mercado, tornada personagem, antropomorfizada, levanta-se sempre quando um governo, qualquer, resolva desenvolver políticas públicas para atender aos pobres.

Dilma não caiu por outra razão, só para dar exemplo bem recente.

Não deu um pio, a fantasmagórica entidade, quando o país voltou ao Mapa da Fome sob o Inominável.

Estava com ele.

Essa personagem sofre de aporofobia – aversão profunda aos pobres.

E cerca-se de muros para não vê-los.

Às vezes, pede a governos: persiga-os, eles sujam as cidades, usam drogas imundas, a gente ao menos usamos as mais brancas.

Só lembrar a principal metrópole do País num jogo cruel com pessoas vivendo em situação de rua, sendo enxotadas daqui pra lá, de lá pra cá, Higienópolis pedindo socorro.

Um país decente, digo mesmo um país capitalista com algum grau de decência, com políticas públicas capazes de abraçar o seu povo, e não estou aqui discutindo futuro nem presente do capitalismo, de que não sou admirador, qualquer país capitalista decente aplaudiria o seu presidente caso ele, numa situação de hecatombe, como nosso óbvio quadro, ocasionada por um presidente inteiramente dominado e aplaudido por grande parte de nossas sórdidas classes dominantes, quisesse eliminar a fome.

Mas, no Brasil, não.

Bastou o presidente eleito insistir não ser possível assistir passivamente a existência de 33 milhões passando fome e mais de 100 milhões em insegurança alimentar, bastou isso para a entidade antropomorfizada quase em uníssono bradar de maneira rigorosa contra o presidente Lula.

Como se tivesse cometido heresia das mais graves.

Como estivéssemos à beira do crack de 1929 novamente.

Ou às portas da tempestade de 2008.

Que é que você queria, cara-pálida?

Que é que você queria, mercado?

Dissesse Lula fosse assumir para deixar tudo como dantes no Quartel de Abrantes?

Agisse na fórmula de Lampedusa: tudo deve mudar para que tudo fique como está?

Não.

Nem veio para fazer a Revolução Bolchevique, e outra vez alerto, não estou discutindo conceitos de revolução, e nem falando de minhas simpatias mais profundas, nem veio para tal revolução ou assemelhadas, como não veio para ser mais do mesmo, para aceitar a fome, a miséria como naturais.

Isso é para o outro, o derrotado, com quem a entidade, o tal mercado, convivia com muito gosto porque capaz de atender a quaisquer dos desejos dela, por mais horrendos fossem.

Estimulou a miséria, a fome, o desemprego – fez isso conscientemente, e com aplausos da Faria Lima – ou estou exagerando?

Se estiver, me alertem.

Li nas últimas horas, aleatoriamente, notícia besta, sem importância: Itaú lucra R$8 bilhões no terceiro trimestre, lucro recorde novamente no terceiro trimestre, alta de 5,2% em relação ao trimestre anterior.

O saldo de operações com pessoas físicas no Brasil cresceu 3,4% no trimestre e 27% em 12 meses. A carteira de pessoa jurídica apontou altas de 1,9% e 13,8%, respectivamente.

Na América Latina, houve crescimento de 1, 6% no trimestre.

E queda de 2,7% em um ano.

Está tudo no Valor, 10/11/2022.

Brasil, paraíso dos bancos.

Isso é escândalo?

Não, nem um tiquinho assim.

Direito deles, né?

Naturalizado tal escândalo.

Mas, se um presidente, cuja atuação nunca falou ou agiu para prejudicar bancos, fala em incluir pobres no orçamento é um deus-nos-acuda, um fuzuê, com a mídia embarcando, sustentando o discurso da hecatombe porque se pretende escandalosamente ajudar pobres a mitigar a fome, a fazer três refeições por dia.

Lula quer quebrar o Brasil.

Que morram de fome – praticamente é essa a resposta do mercado.

Natural.

Sorte nossa é contar com um Lula.

Não se assusta com urros da entidade.

Soube construir uma frente ampla.

Trouxe para junto de si antigos adversários.

Um vice-presidente capaz e leal.

Essa frente tem natureza de salvação nacional.

E o aspecto primeiro dessa salvação nacional é debelar a fome.

O chamado mercado devia saudar isso, e não o contrário.

Creio haja setores no mundo capitalista, mesmo nesse Brasil contaminado pelo capital rentista, com alguma sensibilidade social.

Há economistas de todos os matizes democráticos na equipe de transição, e não vi ainda nenhum deles pretender combater a proposta de Lula de eliminar a fome.

Evidente, claro: tal combate será realizado por um governo capaz de desenvolver um programa de desenvolvimento a gerar empregos, a recuperar a indústria, a indústria de base, a reforçar as empresas estatais ainda existentes, a fomentar a indústria criativa, tudo aquilo defendido durante a campanha, dito aqui de passagem.

Dessa equipe de transição, a revelar um governo de frente, do centro à esquerda, virão propostas capazes de evidenciar o novo programa, a começar no dia 1º de janeiro de 2023, onde o combate à fome será prioridade, onde a questão social ocupará o centro das atenções.

Não fosse pra isso, pra essa linha de mínima, porque é linha de mínima num país quase destruído, pra quê a vitória?

Felizmente, temos Lula.

Capaz de unir mulheres e homens de boa vontade na recusa ao fascismo.

Capaz de unir os democratas.

Capaz de convencer a esquerda da necessidade dessa frente.

Capaz assim, de unindo o campo democrático, progressista e de esquerda, sair vitorioso de uma eleição marcada por uma torrente de dinheiro, pela utilização desavergonhada da máquina pública, como jamais se viu.

Chegamos à normalidade.

Não para deixar tudo como está.

Mas, para, em meio a tantos privilégios, de tanta abastança de uns poucos, de tanta Casa Grande, abrir, no exíguo espaço de quatro anos, lugar para os de baixo.

Para poderem comer, beber, viver, morar, se divertir.

Serem cidadãos.

Iluminar com a cidadania deles a democracia brasileira.

Com fome, não há democracia.

Há tristeza.

Lula e o novo governo são a alegria.

Democracia.

*Emiliano José é jornalista e escritor, autor de Lamarca: O Capitão da Guerrilha com Oldack de Miranda, Carlos Marighella: O Inimigo Número Um da Ditadura Militar, Waldir Pires – Biografia (2 volumes),

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