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terça-feira, 8 outubro, 2024

Repercussões na Argentina da visita de Lula à China

Helena Iono – Direto de Buenos Aires
Lula com a sua visita à China define uma estratégia central do Brasil – que reassume
seu status de colosso latino-americano – frente ao mundo. Apoia e impulsiona com
todas as honras a unificação China-Rússia, instrumento político decisivo na conjuntura
atual para a quebra da hegemonia do império norte-americano e dos seus aliados da
Otan e do FMI.
Os efeitos na geopolítica global são esperançosos, num mundo convulso e debilitado
pela guerra na Ucrânia, e a crise profunda do sistema capitalista com o consequente
esvaziamento da moeda que o sustenta: o dólar furado, sem lastro, apoiado na
indústria de guerra e na especulação financeira. Esse é um contexto real donde
emerge a ideia de Lula e dos componentes do BRICS, por uma economia real e
produtiva, comerciando bens industrializados, riquezas naturais através de moedas
próprias, colocando no escanteio o dólar. Segundo o The Economist, o BRICS abarca
40% da população mundial, 20% do PIB e mais de um terço da produção mundial de
cereais.

Fotos Helena Iono

FF  
Na Argentina, a repercussão do encontro de Lula com Xi-Jiping, tem sido grande e
aplaudida, sobretudo entre as forças políticas e midiáticas da Frente de Todos
governista. De fato, tal acontecimento histórico, junto à posse de Dilma Rousseff na
presidência do NBD do BRICS, consolidam o início de metas pré-anunciadas quando da
presença-retorno do Brasil, com Lula, na recente VII Cúpula da CELAC em Buenos Aires.
Nessa ocasião Lula disse: “Nós vamos reconstruir aquela relação de paz, produtiva,
avançada de dois países que nasceram para crescer e se desenvolver e gerar melhores
condições de vida para o seu povo… Eu quero dizer para vocês com muito orgulho, que
estou de volta para fazer bons acordos com a Argentina”. “Para compartir a
construção do que falta ser construído. Para ajudar a Argentina e o Brasil crescerem
economicamente. Que o nosso povo possa voltar a ter condições de ter moradia, para
garantir que o nosso povo possa comer, pelo menos 3 vezes ao dia, voltar a estudar, a
trabalhar e ter acesso à cultura”. Isso se reforça com o recente anúncio de Lula sobre a
volta do Brasil à UNASUL (aquela criada na época de Hugo Chávez em 2008),
desativada desde 2019, com a retirada da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Paraguai,
por obra de governos reacionários de então.
A ideia sobre diminuir as negociações com o dólar, e estabelecer uma moeda comum
(não única) já foi acenada na reunião bilateral entre os ministros da economia do Brasil
(Fernando Haddad) e Argentina (Sérgio Massa). Na realidade, quando Cristina
Kirchner, no seu discurso, em março, na Universidade de Viedma da província de Rio
Negro, alertou sobre os estragos que a economia bi-monetária produz na Argentina, já
questionava a hegemonia do dólar, em sintonia com o debate que se consolida na
nova integração latino-americana através do BRICS; a ruptura com a dependência ao
dólar é imprescindível para combater a inflação e os ditames das corporações
financeiras (como o FMI) que impedem políticas públicas, Justiça verdadeira e Mídia
independente.
Lula deixou claro, de Xangai a Pequim, sua condenação às políticas de dependência
que exerce o FMI sobre os países a quem lhes faz empréstimos impagáveis como os
contraídos pela Argentina na era Macri. Disse: “Não se pode estar asfixiando os países
como está fazendo agora o FMI com a Argentina e como faziam com o Brasil e outros
países”. … Disse isso, no mesmo momento em que o presidente da economia, Sérgio
Massa tentava negociar com Kristalina Georgieva, do FMI, novas metas para postergar
o pagamento da dívida, com resultados pouco significativos, pois as regras impostas
pelo FMI de redução do déficit fiscal não se alteram, mesmo considerando variáveis
imprevistas para o devedor como o fator guerra, pandemia ou secura climática.
A dívida de 45 bilhões de dólares contraída por Macri para a sua campanha eleitoral
(pouco antes da sua derrota em 2019), foi armada e prevista para ser escoada aos
paraísos fiscais e para emperrar o governo peronista-kirchnerista vencedor, com
ciência do FMI da impossibilidade de pagar uma dívida destas dimensões. Para ter-se
uma ideia o capital do BRICS é de 100 bilhões de dólares, e só a dívida da Argentina
com o FMI é cerca de 45 bilhões de dólares. “Nenhum governante pode governar com
uma faca na garganta pelo fato do país ser devedor”. Assim, Lula na sua contundente
exposição na reunião do BRICS em Xangai deixou clara a condenação ao FMI e apontou
o BRICS como a saída para o desenvolvimento soberano dos seus países componentes.
Lula apontou que o NBD pode se tornar o Banco do Sul Global.
Após o anúncio de Lula sobre o retorno do Brasil à UNASUL, a Argentina consolidou
sua decisão de unir-se. A embaixadora brasileira Gisela Padovan da Secretaria para
América Latina e Caribe, entregou a Carta de Ratificação do Tratado Constitutivo da
UNASUL à embaixadora argentina, Luciana Tito, da Unidade de Gabinete de Assessores
do Ministério das Relações Exteriores. Importante cenário que contrasta com a vinda
da chefa do Comando Sul dos EUA, Laura Richardson, como parte das pressões e
controles periódicos do “Norte” sobre a economia e a política argentina; seja para
condicionar o governo atual, seja para estimular a oposição e o “lawfare”.
Num artigo de Vinicius Konchinski publicado no Brasil de Fato, cita-se o economista
Miguel Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças
(Anefac): “especialmente no caso da Argentina, a instabilidade econômica tende a
atrapalhar o avanço do comércio alheio ao dólar. O país sofre hoje índice de inflação
crescente, o que significa que o peso argentino perde valor rapidamente. Fica mais
difícil, portanto, fazer compensações com o real.”… “Brasil e China usarem moedas
próprias como referência é normal. São moedas estáveis (real-yuan)”, disse ele. “Na
Argentina, é mais complicado porque a moeda tem uma oscilação muito grande,
inflação, etc.” Certamente, os ritmos e prazos não estão determinados apenas por
fatores econômicos, mas por interesses e decisões políticas de poder e governos. Em
outro contexto mundial (sem o mesmo protagonismo da China e Rússia), só foi Kadafi
questionar a moeda “euro” para a Otan invadir e destruir a Líbia.
Este é um ano eleitoral na Argentina. A vice-presidenta Cristina Kirchner teve que
desmentir mais uma fakenews e provocação do jornal Clarin. Negou haver solicitado
uma reunião com a general norte-americana, Laura Richardson. O que houve foi o
encontro oficial do Ministro da Defesa, Jorge Taiana, com a mesma. Não faltou uma
Declaração de Repúdio à visita da general por parte de várias figuras políticas e
representantes de organismos de Direitos Humanos e sindicais. Leiam.
De olho no lítio, no gás e no petróleo argentino, os EUA farão tudo para intrigar,
debilitar o governo, frear o BRICS, as relações comerciais com a China, e a
desdolarização proposta por Lula. Não é por acaso que o direitista Javier Milei aponta
justo agora para a dolarização da economia em sua insustentável agenda eleitoral
ultraneoliberal. A proposta desmedida de dolarizar um país sem reservas, serve para
caotizar e agregar mais violência ao descontento social, entretendo com mais um show
midiático, desviando do debate das soluções concretas e urgentes.
Mas, o encontro de Lula com Xi-jiping muda o panorama da América Latina
A viagem com a assinatura de 15 acordos China-Brasil e a participação de mais de 300
empresários brasileiros, além do acordo de reconhecimento de que Taiwan pertence à
China tem um peso decisivo na geopolítica mundial, mas sobretudo no avanço do
progresso industrial e tecnológico no Brasil, desde a Huawei, à exploração das energias
renováveis. Imperdíveis do ponto de vista político, informativo e formativo, as
declarações e entrevistas de Lula à imprensa chinesa e internacional. Tudo isto,
abrindo alas à chegada do ministro da defesa russo, Lavrov, ao Brasil, e do convite de
Putin a um encontro com Lula em Moscou. Outro capítulo do importante acordo em
torno ao BRICS.
Lula, mesmo sem declarar identidades ideológicas políticas, reconhece e expõe ao
mundo o desenvolvimento econômico, tecnológico, social e cultural alcançado na
China desde Mao-Tsé-Tung, estruturada num Estado socialista; não apenas como uma
potência econômica competidora com os EUA, mas com estímulos humanistas opostos
ao sistema capitalista, individualista e violento a que se estão reduzindo os EUA e seus
satélites. A estes não lhes resta a guerra para tentar sobreviver. Mas, os esforços
conjuntos de Lula e Xi-Jiping e vários países progressistas do mundo pela paz, indicam
que a inteligência, a razão e a justiça social prevalecerão.
Os novos acordos na área da comunicação com a China, como relata Helio Doyle,
presidente da EBC, são promissores. O presidente Lula voltou e iniciou seu governo
para valer. Não serão poucos os opositores externos e internos. Mas, deu exemplos de
ser um grande comunicador de massas. Certamente, deverá recuperar os meios
públicos de comunicação (TVs e rádios), e seguir o exemplo de Lopez Obrador com
seus avisos permanentes à cidadania em redes nacionais; acionar quadros políticos,
funcionários públicos para trabalhar, narrar e conversar com o povo nos bairros,
escolas e nos locais de trabalho; antes que as redes de internet e a “inteligência
artificial” nos dominem. Oxalá, esse seja também o tema conversado com Lavrov e
Putin.
Enquanto isso, na Argentina, no próximo dia 25 de maio, dia da revolução de maio
(1810), prevê-se uma mobilização multitudinária de cunho nacional, com provável
discurso central de Cristina Kirchner. Há alguns candidatos presidenciais
representativos para as eleições primárias e internas da Frente de Todos, mas, a estas
alturas, o maior desafio para o peronismo demonstrar que está vivo para vencer as
eleições, é romper a proscrição de Cristina Kirchner e decidir livremente sobre sua
candidatura presidencial, como estadista e líder central, decisiva para a continuidade
do governo da Frente de Todos. A volta de Lula ao cenário latino-americano, com
projetos de alta envergadura econômica através do BRICS já alenta grandes acordos
comerciais entre os dois países, para tirar a Argentina do atoleiro do FMI e inspirar
decisões mais soberanas do governo da Frente de Todos.

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