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sábado, 12 outubro, 2024

Por que Pasolini estava certo sobre os filhos de 1968

“Vocês estão atrasados, meus filhos”, assim se endereçava Pasolini, como pai, aos jovens manifestantes do Movimento de 1968 em sua famosa carta em forma de poesia intitulada O PCI para os jovens! Ele escolhe o atrito e não a solidariedade complacente. Ele não se coloca entre aqueles que “lambem a bunda” dos jovens heróis, mas opõe a eles uma dura crítica: esses filhos se assemelham demais a seus pais para desencadear um autêntico processo revolucionário. O mesmo “olhar maligno”, a mesma “prepotência” e o mesmo arrogante “convencimento”.

O comentário é de Massimo Recalcati, professor das universidades de Pavia e de Verona, publicado por La Repubblica, 06-10-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o comentário.

Sabemos bem, na batalha de Valle Giulia, qual o partido que Pasolini decide tomar; não com aquele dos filhos da burguesia que glorificam a revolução, mas com os policiais, com os “filhos dos pobres”. Foi esse um seu sintoma reacionário? Na verdade, como claramente mostra um recente e muito interessante livro de Francesco Chianese (“Mio padre si sta facendo un individuo problematico. Padri e figli nell’ultimo Pasolini”, Meu pai está se tornando um indivíduo problemático. Pais e filhos no último Pasolini, 1966-1975, Mimesis), dedicado ao tema da relação entre pais e filhos nos escritos de Pasolini, entre 1966 e 1975, esta carta inscreve-se em um percurso complexa de repensamento da relação entre as gerações que Pasolini focaliza em várias obras da época de 1968, como Edipo ReAffabulazionePorcile e Teorema.

Quando Pasolini se dirige aos jovens contestadores de 1968 é realmente apenas para adverti-los, para lembrá-los de sua origem burguesa como um pecado irredimível, para convidá-los à resignação ou ao descomprometimento, ou, pior, à flagelação autocrítica? Em uma época já pós-edípica, onde os pais aparecem como figuras desprovidas de autoridade simbólica, figuras de fracasso e de confusão (Teorema), “recipientes vazios e apodrecidos” (Affabulazione), ele convida com lucidez os filhos a abandonar a contestação impotente, anti-institucional, anarquista, “puritana”, para retornar ao PCI, para incitá-los a recuperar vigorosamente suas instituições. E é essa voz retumbante de Pasolinipai, que talvez tenhamos esquecido e que, ao contrário, conviria justamente hoje recordar: “Vocês, meus filhos, ataquem as Federações! Invadam as Células! Ocupem os escritórios do Comitê Central! Vão, acampem na Via delle Botteghe Oscure!” (sede do PCI, ndt).

Qual é, então, o fundo temático do qual surge esse convite peremptório? É uma ideia longe de reacionária que Pasolini amadurece sobre a vida e a importância das instituições. Sua visão é demasiado lúcida quanto ao declínio simbólico da autoridade do pai diante do niilismo do discurso capitalista não para perceber o perigo de uma dominação cínica do mundo por parte do mito hiper-moderno do consumo. Prestem atenção, então ele diz aos seus filhos “adotivos”, para salvaguardar, para defender o amor pelas instituições! Porque só se houver cuidado pelas instituições será possível realmente tentar mudar o mundo. Coloquem de lado, portanto, sua roupagem de “belas almas” e enfrentem com coragem, sem recuar, a prova política das instituições. Não há nenhum “trasumanar” sem o compromisso militante do “organizar” para usar o título de uma famosa coleção de poemas, sempre publicados perto de 1968. Não é possível ser mais claros do que isso, “Belas almas de merda, por que mais morrerão os dois irmãos Kennedy se não por uma instituição? E por que mais, se não por uma instituição /morrerão tantos pequenos, sublimes Vietcongs? / Pois as instituições são comoventes: e os homens / fora delas não sabem se reconhecer./ São elas que os tornam humildemente irmãos./ Há algo de tão misterioso nas instituições / – única forma de vida e simples modelo para a humanidade – / que o mistério de um indivíduo, em comparação, nada é” (trad. livre).

As instituições são realmente “comoventes” e “misteriosas”, porque nelas a realidade humana se empenha em tornar possível uma vida em comunidade, uma comunidade fraterna. Não, portanto, a contestação sem esperança da utopia, mas a força de quem sabe entrar nas malhas de poder para usar o poder a fim de tornar a vida em comunidade mais justa e generativa. É a tensão dialética, nunca resolvida, que relaciona, de fato, o transumanar com o organizar, a fé do desejo pela vida militante da instituição, a paixão visceral pela história.

É uma tensão que atravessa todo o movimento de 1968, mas que corre o risco de ficar estéril: se a paixão revolucionária é em si anti-institucional, é preciso testemunhar, como faz nesse caso Pasolini, o caráter “comovente” e “misterioso” (não só, portanto repressivo, ideológico, disciplinar) da instituição. Nisso a sua voz ressoa ainda hoje como absolutamente profética. Pode-se morrer e viver para uma instituição; pode-se jogar a própria existência por uma instituição. As “belas almas de merda” são aqueles que não conseguem perceber o valor imprescindível das instituições e que, no nome abstrato de ideais universais, reivindicam seus direitos contra as podridões das instituições.

“Belas almas” as chama com clarividência Pasolini.

De forma distinta sua exortação impele os jovens a entrar nas instituições, a entrar no antigo PCI, a amar as instituições. De Pasolini sempre é lembrada sua pars destruens, mas nunca a pars costruens. Recorda-se a crítica aos jovens filhos da burguesia do movimento de 1968, mas não se recorda o apelo aos jovens para entrar e transformar as instituições. A sua não é uma simples crítica puritana do poder, mas a indicação política das necessidades de ter o poder para mudar as instituições do poder. Se o Nome do pai já não está mais encarnado nos pais “que ainda permaneceram filhos”, ele habita na vida (“comovente” e “misteriosa”) das instituições.

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