No mesmo dia, num seminário em Brasília, o ministro da Economia, Paulo Guedes, expõe descaradamente o preconceito de classe do governo ao criticar o dólar baixo dos tempos do PT, que permitia “até empregada doméstica” viajar para o exterior.
“Todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada. Pera aí. Pera aí, pera aí. Vai passear ali em Foz do Iguaçu, vai passear ali no Nordeste, está cheio de praia bonita. Vai para Cachoeiro do Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu”, disse o ministro, que passou as últimas férias em Miami. Guedes acabou sendo comparado ao personagem Caco Antibes, do programa Sai de Baixo, aquele que tinha horror a pobre.
Como se não bastasse o sincericídio de Guedes, um dia após o STJ (Superior Tribunal de Justiça) liberar o governo para colocar na presidência da Fundação Palmares um negro que nega o racismo, Bolsonaro reafirmou sua intenção de empossá-lo no cargo. Sergio Camargo já disse ser contra o dia da Consciência Negra, criado para homenagear Zumbi, líder do quilombo dá nome à fundação, e que a escravidão foi “benéfica” para os descendentes dos escravos porque, segundo ele, “os negros do Brasil vivem melhor que os negros da África”.
Não é de se espantar a escolha, partindo de um presidente que chegou a ser condenado por racismo (e logo absolvido) após insultar quilombolas, a quem equiparou a animais, pesados em “arrobas” e que “só servem para procriar”, num evento no Clube Hebraica do Rio de Janeiro. Homofobia, então, é o que há de mais comum em Bolsonaro e seu entorno, a ponto de o próprio tuitar em inglês para o jornalista Glenn Greenwald que ele “queima a rosca”.
Sem racismo, machismo, homofobia e preconceito de classe o bolsonarismo não existiria. É sobre estes valores –e não Deus, Brasil e Família, como o presidente costuma escrever na mão– que este movimento se sustenta. A fábrica de memes do “gabinete do ódio” deixa isso claro quando quer atingir um adversário: se ele for gay ou lésbica, recorrerão à homofobia; se for negro, a racismo; se for mulher, a machismo; se for pobre, ao preconceito de classe. Não falha.
O próprio Hans River, o mais novo aliado dos bolsonaristas, se tornou alvo do preconceito atávico dessa gente, sendo chamado de “negão do zap” em montagens sexistas com a repórter e piadas em torno do clichê racista do negro de pênis avantajado.
É por isso que nós, de esquerda, também afetados por estes preconceitos estruturais na sociedade, devemos sempre tomar o dobro de cuidado quando nos manifestamos nas redes. Devemos saber dominar a raiva para não nos igualarmos a eles. Cada vez que combatemos nossos adversários lançando mão desses golpes baixos, damos margem à comparação feita reiteradas vezes pela mídia comercial de que somos duas faces da mesma moeda. Não somos.
Não podemos usar de machismo para atingir mulher alguma, nem as que estão num governo machista. Não podemos usar de racismo para atingir negro algum, nem os que estão num governo racista. Não podemos usar de homofobia para atingir homossexual algum, nem os que estão num governo homofóbico. Não podemos usar de classismo para atingir os pobres, nem para criticar um governo que os odeia.
Isso significa que temos que ser “bonzinhos” com membros de um governo fascista? Nada disso. É possível fazer críticas contundentes sem cair nesta armadilha. Devemos devolver as caneladas? Sempre, desde que isso não signifique que tenhamos de abrir mão de nossos princípios para desferi-las. Precisamos usar mais a inteligência e menos o ódio em nossas críticas. Ou nos tornaremos tão minions quanto os bolsominions.