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quinta-feira, 28 março, 2024

Os cobiçados metais raros: A peça que falta no puzzle coreano

por Pepe Escobar [*]

O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, sabe a importância das terras raras e a Coreia do Norte confirmadamente descobriu um dos maiores depósitos do mundo a 150 km de Pyongyang. Será isto um fator por trás do recente degelo com os EUA?

Afinal de contas o degelo pode não ser por causa de condomínios em praias norte-coreanas. Pode-se argumentar razoavelmente que o cerne do assunto na abraço da administração Trump a Kim Jong-un tem tudo a ver com um dos maiores depósitos de terras raras do mundo, localizado a apenas 150 km a nordeste de Pyongyang e cujo valor potencial ascende a milhares de milhões de dólares.

Todos os equipamentos que impulsionam a tecnologia de uso diário do século XXI dependem as propriedades físicas e químicas de 17 elementos preciosos da tabela periódica, os quais são conhecidos como terras raras.

Atualmente acredita-se que a China controle mais de 95% da produção global de metais extraídos de terras raras, com reservas estimadas da ordem das 55 milhões de toneladas. A Coreia do Norte, por sua vez, possui pelo menos 20 milhões de toneladas.

Os elementos de terras raras não são apenas minerais e metais altamente estratégicos neste jogo de poder. Os mesmos depósitos são fontes de tungsténio, zircónio, titânio, hafnio (Hf), rénio (Re) e molibdênio (Mo). Todos eles são absolutamente críticos não só para uma miríade de aplicações militares como também para a energia nuclear.

Acontece que a metalurgia das terras raras também é essencial para os sistemas de armas estado-unidenses, russos e chineses. O sistema THAAD precisa de elementos das terras raras, assim como os sistemas de defesa anti-míssil S-400 e S-500 da Rússia.

Não é forçado considerar “A arte da negociação” aplicada às terras raras. Se os EUA não tentarem fazer um jogo sério com a República Democrática e Popular da Coreia (RDPC) acerca dos seus vastos recursos em terras raras, o vencedor, mais uma vez, pode ser Beijing. A Moscovo também – considerando a parceira estratégica russo-chinesa, agora explicitamente reconhecida de modo público.

Todo o puzzle pode rodar em torno de quem oferece o melhor retorno sobre o investimento, não sobre o imobiliário mas sobre estes metais cobiçados, com a liderança de Pyongyang podendo potencialmente arrecadar uma imensa fortuna.

Será que Beijing será capaz de se contrapor a um possível acordo americano? Isto pode ter sido um tópico chave da discussão durante a terceira reunião há poucas semanas entre Kim Jong-un e o presidente Xi Jinping, exactamente quando todo o xadrez geopolítico estava indeciso.

Metais cobiçados

O investigador Marc Sills, num documento intitulado “Strategic Materials Crises and Great Power Conflicts”, afirma: “O conflito sobre minerais estratégicos é inevitável. Os dramas provavelmente desdobrar-se-ão nas minas ou próximo delas, ou ao longo das linhas de transporte que os materiais devem viajar e, especialmente, nos pontos de estrangulamento estratégicos que actualmente os militares dos EUA geralmente tratam de controlar. Mais uma vez, a equação do poder está escrito para incluir tanto o controle da posse como a negação da posse a outros”.

Isto se aplica, por exemplo, ao puzzle na Ucrânia. A Rússia precisa muito do titânio, zircónio e háfnio da Ucrânia para o seu complexo industrial-militar.

No começo deste ano investigadores japoneses descobriram um depósito de 16 milhões de toneladas de elementos com terras raras (menos do que as reservas norte-coreanas) debaixo do leito marítimo no Pacífico Ocidental. Mas é improvável que isto mude a proeminência da China – e potencialmente da RDPC. A chave em todo o processo das terras raras é conceber uma cadeia de produção lucrativa, como fez a China. E isso leva um longo tempo.

Documentos pormenorizado como “China’s Rare Earth Elements Industry”, de Cindy Hurst (2010), publicados pelo Institute for the Analysis of Global Security (IAGS) ou “Rare Earth in Selected US Defense Applications’, by James Hedrick, apresentados em 2004 no 40º Fórum sobre Geologia de Minerais Industriais, mapeiam de modo convincente todas as conexões. Sills enfatiza como minerais e metais, contudo, parece atrair a atenção apenas de publicações de comércio mineral: “E isso pareceria explicar em parte porque a disputa pelas terras raras na Coreia não recebeu atenção. O metais não parecem suficientemente atractivos. Mas as armas são”.

Os metais são certamente atraentes para o secretário de Estado Mike Pompeo. É bastante revelador recordar como Pompeo, então director da CIA, disse a um Comité do Senado , em Maio de 2017, como o controle estrangeiro de terras raras era “uma preocupação muito real”.

Avançando rapidamente, um ano mais tarde, quando Pompeo assumiu o comando do Departamento de Estado, enfatizou uma nova “pretensão” na política externa dos EUA.

E avançando outra vez para apenas poucas semanas atrás, temos a pretensão de Pompeo aplicada às reuniões com Kim Jong-un.

Além de uma reviravolta estilo Netflix, uma narrativa bastante possível é Pompeo a impressionar Kim com a beleza de um doce negócio de elementos de terras raras patrocinado pelos EUA. Mas a China e a Rússia devem ficar de fora. Se não… Não é difícil visualizar Xi a entender as implicações.

A RDPC pode estar a ponto de ser integrada numa vasta cadeia de abastecimento através de uma Estrada da Seda Ferroviária, com a parceria estratégica Rússia-China a investir simultaneamente em linhas ferroviárias, pipelines e portos em paralelo com zonas económicas especiais coreanas norte-sul, estilo chinês, a tornar-se realidade.

Um CEO da Gazprom, Vitaly Markelov, revelou: “O lado sul coreano pediu à Gazprom” para recomeçar um projecto chave – um gasoduto através da Coreia do Norte, um cordão umbilical entre a Coreia do Sul e o território euro-asiático.

Desde as discussões chave de Setembro de 2017 na Cimeira do Extremo Oriente, em Vladivostok, o roteiro está estabelecido para a Coreia do Sul, a China e a Rússia anexarem a RDPC à integração euro-asiática, desenvolvendo sua agricultura, energia hidroeléctrica e – crucialmente – a riqueza mineral.

Por mais que a administração Trump esteja atrasada no jogo, seria impensável que Washington abandonasse uma parte desta acção (o metal).

20/Junho/2018

[*] Jornalista

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