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quinta-feira, 28 março, 2024

O estranho caso da Esquerda Corporatista

Dois motivos provocaram este artigo: o nojento modelo socio-econômico corporatista que conseguiu impor-se pela porta de trás e a posição da suposta Esquerda perante a Federação Russa, especialmente no que diz respeito ao caso Skripal. Tempo de reflexão e de senso comum.

Comecemos com o caso Skripal e com os reflexos patelares e pavlovianos do Reino Unido, seguido pela União Europeia. O reflex patelar é o do joelho quando se aplica uma pancada. É involuntário, imediato, sem ser pensado, exatamente como a reação do governo de Theresa May quando duas pessoas (Skripal pai e filha) foram atingidas na cidade de Salisbury há aproximadamente um mês.

“São os russos!” “É o Putin!” berrou a Primeira Ministra britânica e muitos membros do seu governo. Estranho que conseguiram identificar o culpado após alguns minutos apenas, quando os peritos internacionais vão precisar de semanas. Depois, e cá vem o argumento, “É muito provável que seja a Rússia porque não existe qualquer explicação alternativa”.

Esse é um argumento absurdo, do tipo do menino de três anos apanhado a destruir as plantas de casa com um dinosauro plástico na mão, defendendo-se com a justificação “Não fui eu! Foi o dinosauro!”, ou do tipo: uma pessoa é atropelada por um Citroen, então a França é culpada.

Por lamentavel que seja o caso, e por inaceitavel que seja um ataque com esses materiais num espaço público, por chocante que seja o grau de sofrimento dos/das vítimas (os Skripal e um policial), há que investigar, há que pensar, há que usar senso comum.

Qual seria o motivo do Presidente Putin encomendar um ultraje destes na véspera das eleições presidenciais e antes da FIFA, quando se sabe claramente que certos países estão à procura de qualquer desculpa para retirar o Mundial à Rússia (e dar a organização do evento ao Reino Unido)?

O quê ganharia a Rússia com a morte do Skripal quando ele deixou a Rússia há uma década?

Por quê é que ninguém fala do ex-agente de MI6 que recrutou o Skripal, que, segundo as alegações, vivia vizinho ao Skripal e foi visto no bar onde Skripal bebeu antes de ir almoçar naquele dia trágico? Este trabalha com um segundo ex-agente do MI6, na mesma firma de segurança, esse segundo sendo aquele que escreveu o dossiê “Rússia” para Washington? Por quê não apontar o dedo a estes?

Ou ao governo britânico, usando um evento de bandeira falsa para incriminar a Rússia e “roubar” a FIFA 2018? Note que não estou mencionando nomes, nem apontando o dedo, pois não tenho provas. Há que investigar, há que levar o caso à justiça, há que seguir um devido processo legal, há que respeitar a norma que o acusado é inocente até ser provado ao contrário, há que respeitar o direito ao recurso, e depois, só depois, bradar aos Céus.

A reação da Rússia demonstra claramente que é muito improvavel que a responsabilidade pelo atentado em Salisbury seja de Moscou, visto que existem multiplas tentativas de obfuscar os factos que levariam a uma explicação alternativa.

Em qualquer tribunal, a acusação falharia e a sessão nem duraria cinco minutos. Mas o que aconteceu a seguir foi o mais incrivel. Londres apontou o dedo e disse “Foi o Estado Russo!”. E com a mesma falta de provas, umas dezenas de países seguiram cegamente, expulsando diplomatas russos (Portugal não sendo um deles, diga-se de passagem, pois tem uma política externa muito mais madura). Eis a reação pavloviana, uma reação condicionada.

Então, a diplomacia, as relações internacionais hoje em dia baseam-se em fofoquice, do tipo que se ouve no cabeleireiro? Resume-se a uma caça à bruxa? O que terá Theresa May dito em aquela reunião em Bruxelas com seus homólogos? “Olhem, se vocês não nos seguirem contra os russos, eu…eu…..eu…..faço striptease!”

Imaginem! Nunca na história da diplomacia teria havido tanto pânico entre tantos Ministros em tão pouco espaço de tempo! “Oh Là! Là! Non, Madame, S’il vous plait! Notre Dâme! Faremos tudo que a senhora diz, mas isso non!” “Achtung! Gott in Himmel! Nein! Bitte! Dizem à mulher Englander que pare!!” “Mamma mia! Senhora May-a! Não-a… por favore!” E lá ela tinha-os na mão, gritanto estridente: “Então votem contra a Rússia senão baixo as calças e mostro-lhes o rabo!”

E assinaram. Logo! Não surpreende muito porque a União Europeia é uma experiência corporatista neo-liberal, e quase todos têm os cordéis comandados pelos Lobbies ABCDEF que de facto elaboram as políticas (Armas, Banca, Comida, Drogas, Energia, Finanças). Os queridos representantes democraticamente eleitos dizem Sim Senhor quando seus mestres ladram uma órdem e perguntam Quão Alto? quando lhes dizem para saltar. Eita! Bonito Rapaz! Tome lá duas bolachas!

E esse monstro corporatista excluiu a Rússia desde o ínício, quando o Ocidente interveio no lado dos Brancos na Guerra Civil Russa; esqueceram-se mui rapidamente das vinte-e-seis milhões de almas que a União Soviética perdeu ao derrotar a Besta Nazista e desde então passaram décadas a sabotear, provocar, assassinar, apoiar ditaduras fascistas, depois reclamaram quando a segurança interna foi aumentada em resposta. E cá vamos outra vez, com uma série de mentiras contra a Rússia, repetindo a mentira ad nauseam até que o povo acredite que seja a verdade, formula do Sr. Goebbels.

Não foi a Rússia que atacou selvaticamente a Sérvia para defender um bando de narco-terroristas, Ustria Çlirimtare ë Kosovës, ou UÇK em albanês, KLA em inglês (Kosovo Liberation Army), que depois admitiram terem assassinado agentes de polícia sérvios. No meu código legal, quem apoia um terrorista é criminoso. Não foi a Rússia que quebrou todas as normas e leis internacionais invadindo o Iraque, cometendo crimes de Guerra, roubando peças de interesse arqueológico, distribuindo contratos de reconstrução sem concurso, atacando estruturas civis com maquinharia de guerra, bombardeando campos de cereais para que a população morresse de fome. No meu código legal, quem perpetra tais actos é terrorista.

Não foi a Rússia que invadiu a Geórgia, foi a Rússia que respondeu de forma medida depois da Geórgia ter chacinado russos na Ossétia Sul e ter planejado uma invasão da Abkházia. Não foi a Rússia que invadiu a Líbia, destruindo o país com o Indice de Desenvolvimento Humano mais elevado da África, relegando-o a um estado falhado cheio de terroristas, depois da OTAN ter colaborado com grupos proscritos nas suas próprias listas de terroristas (por exemplo LIFG).

E não foi a Rússia que “invadiu” a Crimeia. Quando o presidente democraticamente eleito da Ucrânia, Yanukovich, foi removido ilegalmente da sua posição num Putch Fascista em Kiev, onde agentes abriram fogo contra a multidão na Praça da Independência dos quintos e sextos andares do Hotel Ucraina, para criar uma revolta popular, na Crimeia a instituição com poderes legais em vigor foi e é a Assembleia Legislativa. Foi esta que organizou o Referendo sobre a questão de nacionalidade e o povo, numa eleição livre, votou a favor de se reintegrar na Rússia. Hoje em dia a grande maioria está muito feliz com a decisão, pois seus rendimentos aumentaram em flecha e centenas de firmas estrangeiras fazem negocios chorudos na Crimeia.

E em Donbass, não é o estado russo mas sim os ucranianos russófonos que se defendem depois de Kiev ter perpetrado massacres de civis na região.

Esses são os factos, mas quantos vai ler nos meios de comunicação “oficiais”? Vai ler mentiras sem qualquer fundamento para criar a noção de “eles” que justifica a noção de “nós” e quanto mais poderoso e assustador for o “eles”, mais forte a noção de “nós”. As corporações fazem o resto. Onde está o talho, na sua rua? Para onde foram os vendedores de peixe? E a padaria, já fechou? E o mercado, ‘tá lá um supermercado, hein? E aquela senhora velhota que vendia frangos lá fora, por quê é que estão a vender frangos no supermercado se ela já lá estava? E por quê só podem concorrer para concursos grandes firmas milionárias? Bem-vindos ao mundo corporatista. Que se f*** a velhota.

Naturalmente, os que defendem este modelo de terrorismo social vão defender pessoas como a Theresa May e vão seguir seus argumentos cegamente sem qualquer grão de verdade, porque no mundo corporatista, a verdade vale nada. Nem é necessário. Basta uma ordem.

Agora viro-me para os elementos da esquerda que sentem a necessidade de fazer ruidos “agradáveis”, semelhantes aos corporatistas, que defendem de viva voz mais sanções contra a Rússia, que defendem a chamada de diplomatas, que bradam slogans contra “invasões” quando não aconteceram nenhumas e por aí fora. Fingem ser ultrajados com factos que nem sequer existem, e nem sequer investigaram. Porquê? Porque acham que estando ao lado da Direita (que naturalmente favorece o Corporatismo e obedece quando recebe uma ordem) vão angariar meia dúzia de votos?

Quem esteja contra esse mundo corporatista é da Esquerda, quer que saiba, ou não, seja a palavra “esquerda” sexy ou não. Estar dissatisfeito é estar contra. Estar contra e criar alguma alternativa é outra coisa. A palavra-chave é informação, que implica estudar, contemplar e calar a boca se não souber o que diz, não disseminar falsidades como um fala-barato, um pangaio.

Falta-nos mais meios de comunicação que disseminem a verdade baseado em factos com poder de comunicação. O povo não é estúpido, é mal informado. Se elementos que se definem sendo da Esquerda se juntam aos corporatistas, estamos em maus lençóis.

A Esquerda não é corporatista nem deve seguir os argumentos deste tipo de terrorismo social.

Timothy Bancroft-Hinchey

Pravda.Ru

Twitter: @TimothyBHinchey

timothy.hinchey@gmail.com

*Timothy Bancroft-Hinchey é jornalista, professor, consultor, tradutor. É director e chefe de redação da versão portuguesa da Pravda.Ru desde o seu lançamento em Setembro de 2002, editor da versão inglesa; colaborador da Pátria Latina, escreve para as publicações oficiais do Ministério das Relações Exteriores da República da Cuba contribuiu para uma publicação official do MNE da Federação Russa. É ativista para a comunidade LGBTQI, estabelecendo redes de contato entre comunidades em risco, é ativista para os direitos dos animais e é Media Partner da UN Women, lutando contra a homofobia, contra o sexismo, contra a violência de gênero e a favor da igualdade de género. No seu tempo livre trabalha em projetos humanitários, documentando línguas, tradições, danças, gastronomia e costumes em vias de extinção. Trabalha na mídia eletrônica e impressa desde 1976, tendo trabalhado como correspondente, editor, director, sócio, gerente e dono de revistas e jornais diários, semanais, mensais e anuais em todos os países membros da CPLP; foi director administrativo de várias publicações russas em Portugal e Espanha.

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