20.4 C
Brasília
quinta-feira, 28 março, 2024

México: corrupção e impunidade dominam todos os níveis do Estado

Enrique Peña Nieto é acusado de ter sido eleito presidente do país com forte campanha da Televisa.
Noticias Aliadas
Adital

Orsetta Bellani

O filme “La dictadura perfecta” [A ditadura perfeita], do diretor mexicano Luis Estrada, é a sátira de um país dominado pela corrupção. “Nessa historia, todos os nomes são fictícios. Os fatos suspeitosamente verdadeiros. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência”, anuncia Estrada no início do filme.

“La dictadura perfecta”, filmada em 2014, dá conta do México governado pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI), onde as organizações criminosas trabalham como pistoleiros dos políticos e quem se atreve a denunciá-los é assassinado. Quem manda é a televisão, capaz de manipular a opinião pública a ponto de impor e tirar presidentes. O título do filme é tomado de uma frase usada pelo escritor peruano Mario Vargas Llosa, para descrever os sucessivos governos do PRI, que se mantém no poder por mais de 60 anos.

Assim é o México, onde, de acordo com uma pesquisa do jornal britânico The Guardian, durante a campanha eleitoral de 2012, a emissora televisão Televisa — que cobre 70% da audiência no país, com uma das maiores concentrações midiáticas do mundo — converteu o pouco conhecido candidato priista Enrique Peña Nieto em presidente da República, após o pagamento de milhões de dólares. Uma equipe de jornalistas, encabeçada por Carmen Aristegui, que trabalhava para a emissora Noticias MVS, foi despedida intempestivamente, em março último, depois de revelar que a residência onde vive Peña Nieto com sua família é de propriedade do Grupo Higa, empresa de um amigo do mandatário, a qual favorece outorgando contratos para a construção de obras públicas.

A população mexicana está consciente do problema da corrupção que se vive no país. De acordo com o Índice de Percepção da Corrupção 2014, da Transparência Internacional, o México se encontra no posto 103 entre 175 países — com uma pontuação de 35, em uma escala de zero (elevada corrupção) a 100 (baixa corrupção) —, o mais baixo entre as nações da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), enquanto que o Brasil, seu principal competidor econômico na região, se encontra no lugar 69.

Segundo o Banco Mundial, a corrupção no México representa 9% do Produto Interno Bruto (PIB) e equivale a 80% dos impostos arrecadados em nível federal. E a corrupção caminha de mãos com a violação dos direitos humanos e a violência. Neste ano, mais de 15,000 pessoas foram assassinadas no México, sendo os estados de Zacatecas e Baja California os que registram incrementos maiores do que 100%. A taxa de impunidade chega a 98%.

Revelações sobre Ayotzinapa

Com o caso de Ayotzinapa, no qual desapareceram 43 estudantes, ficaram em evidência para a opinião pública internacional os altos níveis corrupção e impunidade existentes no México, e a falta de compromisso do governo em matéria de direitos humanos.

Em janeiro de 2015, a Procuradoria Geral da República (PGR) anunciou o que definiu como a “verdade histórica” sobre o caso: na noite de 26 setembro de 2014, a Polícia Municipal sequestrou os 43 estudantes de Ayotzinapa, no Estado de Guerrero, para logo entregá-los ao cartel criminoso Guerreros Unidos, que os teria levado ao lixão de Cocula para matá-los e incinerá-los. Contudo, no início de setembro, os integrantes do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (Giei), designado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a pedido do governo mexicano para investigar o caso e dar recomendações às autoridades, chegaram à conclusão, baseada em evidências científicas, que os estudantes não foram incinerados no lixão de Cocula. Mostraram também como a PGR omitiu alguns acontecimentos, acobertando, desta forma, o envolvimento no ataque da Polícia Federal e do Exército.

“Nós não fazemos uma avaliação da intenção [das autoridades], o que dissemos é que há uma omissão total de alguns fatos, apesar de que estavam nas declarações dos normalistas, e informamos à procuradoria. Há pessoas que têm responsabilidade sobre essas omissões, a nós não nos corresponde investigar, mas alguém terá que fazer isso”, explica às Notícias Aliadas, Carlos Beristain, integrante do Giei. “Nosso trabalho é uma oportunidade para o Estado mexicano e consideramos que é um aporte para a luta contra a impunidade no país. É uma ferramenta importante, não só por este caso concreto, mas tem também recomendações gerais para os outros casos de desaparecimento forçado no país, e esperamos que seja acolhido na prática”.

reproducao
O caso dos 43 estudantes desaparecidos de Ayotzinapa se tornou emblemático da violência com participação do governo que impera no México.

Comissão contra a impunidade

Quando, no último dia 24 de setembro, os pais das vítimas de Ayotzinapa se reuniram com Peña Nieto, exigiram a formação de uma comissão internacional contra a impunidade no México. A ideia foi tomada da experiência de Guatemala, onde a Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (CICIG), respaldada pelas Nações Unidas, destapou uma gigantesca rede de corrupção, conhecida como “La Línea” [A Linha], que se dedicava à fraude tributária, obrigando o presidente Otto Pérez Molina e a vice-presidenta Roxanna Baldetti a renunciarem. Ambos, juntamente com um séquito de altos funcionários governamentais, se encontram presos, à espera de serem julgados.

Em outubro, um grupo de organizações da sociedade civil mexicana apresentou ao Alto Comissionado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, a proposta para criação de uma comissão similar à guatemalteca no país. Não obstante, para que se torne realidade, deverá ter a aprovação do Estado mexicano.

“Cada vez está mais claro que o Estado mexicano não só é inepto e incapaz de fazer justiça, mas que foi capturado pelo crime organizado, em todos os níveis, desde a Presidência da República até as Polícias Municipais”, afirmou às Notícias Aliadas Federico Navarrete, professor da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam) e impulsionador da proposta.

“É necessária uma colaboração internacional para reconstruir a governabilidade do país. Sem uma ajuda do exterior vai ser muito difícil que o Estado mexicano se modifique, que, de repente, faça o que, na realidade, nunca fez. Creio que a única esperança seria uma mobilização social, que demandasse um exame profundo das instituições do país, e também uma pressão internacional dos países aliados do México, porque um sistema tão corrupto por si só não vai aceitar”, manifestou Navarrete.

Noticias Aliadas

Organização Não Governamental sem fins lucrativos que produz e difunde informação e análises sobre a realidade latino-americana e caribenha com enfoque de direitos

ÚLTIMAS NOTÍCIAS