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quinta-feira, 28 março, 2024

Jasenovac, a Auschwitz croata

por Andrew Korybko [*]

O 75º aniversário do fim de Auschwitz marca uma profunda reflexão por toda a Europa acerca dos males do seu passado genocida. Trata-se portanto de um momento apropriado para recordar também outro campo de extermínio, o de Jasenovac, operado pela Croácia, de que poucos ouviram falar.

A Europa está a refletir sobre os males de seu passado genocida no momento em que o mundo assinala o 75º aniversário da libertação de Auschwitz, um evento sombrio que está gravado para sempre na memória colectiva do Ocidente. Os Aliados juraram que nunca deixariam ninguém esquecer os crimes contra a humanidade cometidos naquele campo de extermínio nazi. Por esta razão continuam a assinalar a sua libertação todos os anos, com visitas de alto nível, discursos e forte cobertura dos media. Portanto, toda a gente está ciente das políticas racistas dos nazistas e da campanha de assassinato que os acompanhou. Contudo, as forças hitlerianas não foram as únicas na Segunda Guerra Mundial a cometerem tais crimes. Poucos fora dos Balcãs ouviram falar de Jasenovac, o campo de extermínio operado pela Croácia, onde cerca de um milhão de pessoas – pelo menos 800 mil deles sérvios – foram brutalmente assassinadas pelo regime Ustashe do chamado “Estado Independente” da Croácia” (conhecido pela sua sigla como NDH). E menos pessoas ainda se atrevem a falar disso.

Todas as vidas são iguais e não deveria haver nenhuma hierarquia de vitimização, mas o sofrimento dos sérvios foi lamentavelmente esquecido por quase todos, excepto pelos próprios sérvios (e até alguns deles parecem não se importar muito). A campanha genocida dos nazis de conquista da Europa afectou todo o continente, ao passo que a igualmente genocida campanha croata foi “apenas” realizada em parte dos Balcãs. Por isso desperta menos interesse o que fizeram os croatas. Isso é lamentável, porque a compreensão de todos sobre a Segunda Guerra Mundial seria enriquecida ao se aprender sobre o que aconteceu então. Os croatas declararam “independência” logo após a invasão fascista na Iugoslávia, liderada pelos nazis, literalmente esfaqueando pelas costas seus irmãos eslavos do sul por solidariedade com seus aliados alemães. O NDH era tão raivosamente racista que estabeleceu Jasenovac a fim de contribuir para a chamada “Solução Final” de Hitler, não só contra judeus mas também contra os eslavos, um fato que hoje em dia também é frequentemente omitido da história.

Embora os croatas sejam eles próprios eslavos, o regime de Ustashe alegou que de alguma forma estavam ligados à auto-declarada “raça dos mestres”, ao contrário dos seus companheiros sérvios que eles insistiam serem inferiores e portanto “merecedores” apenas da morte mais dolorosa possível. Os nazis obviamente apoiaram as ações dos seus aliados regionais, mas não precisaram ajudá-los, pois esta organização fascista, separatista e terrorista estava mais do que disposta a matar sozinha. Isso torna Jasenovac diferente de Auschwitz, o qual foi construído e operado por um exército de ocupação estrangeiro, pois era um centro de matança totalmente de base que incorporava tudo o que os Ustashe representavam. Portanto, unicamente os croatas devem ser responsabilizados por todas as atrocidades que ocorreram em Jasenovac e quaisquer esforços para transferir a sua culpa colectiva para os nazis são desvios insinceros destinados a fugir à sua total responsabilidade. Jasenovac era um mal único, mesmo para os padrões da Segunda Guerra Mundial, mas é quase considerado tabu falar acerca disso fora dos Balcãs (e mesmo dentro, na maior parte).

De modo chocante, os Ustashe também foram aliados do Vaticano e hoje em dia a Croácia é um membro orgulhoso da UE e da NATO, depois de ter recebido previamente o seu apoio durante as Guerras Jugoslavas da década de 1990. A Croácia é considerada um “exemplo brilhante” de “integração euro-atlântica” e o modelo que o Ocidente deseja que a Sérvia siga. Criticar o país assemelha-se a criticar o projeto de “integração euro-atlântica” como um todo e a revelar um dos muitos esqueletos ainda escondidos nos armários do Vaticano. Hoje em dia também está na moda atribuir convenientemente a culpa de todos os horrores da Segunda Guerra Mundial apenas aos nazis, assim como nos últimos tempos está na moda fazer o mesmo aos sérvios por tudo o que aconteceu após a dissolução da Jugoslávia. Esta atitude é tacitamente revisionista, pois implica fortemente que os sérvios são genocidas quando na realidade eles foram vítimas de vários genocídios na sua história. Esta pode ser descrita colectivamente como um servocídio, sendo o mais recente tentado nos anos 90 e parcialmente executadas pelos croatas (mais uma vez). Estes são factos históricos, mas muitas vezes são caluniados como “teorias da conspiração” – ou, ainda pior, “mentiras que incitam ao genocídio” – sempre que são trazidos à tona.

Os europeus devem ao povo sérvio relembrar adequadamente o servocídio, tal como o fazem com o Holocausto. Contudo, ninguém deveria ter esperanças realistas de que isso venha a acontecer em breve pelas razões já explicadas. Assim, o melhor que os sérvios podem fazer é recordar a toda a gente sobre Jasenovac todo o ano em que o mundo se lembra da libertação de Auschwitz. Só recorrendo a campanhas nas redes sociais poderá aumentar a consciencialização acerca dos crimes contra a humanidade que os Ustashe croatas cometeram contra eles por sua própria vontade sem que os nazis tivessem de ordená-los a que o fizessem. Os males da Segunda Guerra Mundial são muitos, mas todas as suas vítimas são iguais. Assim, a justiça histórica não pode ser cumprida nos Balcãs até que toda a gente no mundo pense em Jasenovac sempre que ouvir as palavras Segunda Guerra Mundial, Auschwitz, campos de concentração e genocídio. Isto é reconhecidamente um objectivo ambicioso, mas que deveria sempre permanecer na mente dos sérvios e perseguido com a maior paixão porque todos podem literalmente fazer uma diferença positiva do seu próprio modo ao informar tantas pessoas quanto possível.

27/Janeiro/2020

Acerca de Auschwitz ver também:

[*] Analista político, americano.

O original encontra-se em oneworld.press/?module=articles&action=view&id=1279

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

 

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