Britt Leckman/Official Federal Reserve Photo
César Fonseca
Está chegando ao fim o poder incontrastável dos bancos centrais do Ocidente sobre a economia mundial, a começar pelo principal deles, que comanda os demais, o BC americano; Trump está em luta aberta contra o presidente atual do BC(Federal Reserve), Jerome Powell, homem de Wall Street, e partiu para demitir a diretora, Lisa Cook, a primeira negra a ocupar o cargo, abrindo guerra judicial contra ela, que resiste em sair; o que o presidente americano está derrubando é a autonomia do BC de fazer o que quer, não em seu nome, mas em nome do mercado financeiro especulativo, no cenário da financeirização global; haverá reflexos diretos no BC Independente do Brasil; os BCs de todo o mundo se juntam no BIS – Banco de Compensações Internacional –, com sede na Basileia; é lá que são traçadas as políticas monetárias imperialistas que determinam o comando do capitalismo neoliberal, em franca decadência, a partir dos Estados Unidos; a recomendação ortodoxa do BIS, para todos os BCs, inclusive e principalmente, o BC brasileiro, é o tripé macroeconômico neoliberal, que impede crescimento sustentável da economia: 1 – câmbio flutuante; 2 – metas inflacionárias, e; 3 – superavit primário; são as armas para combater a inflação, cortando gastos sociais para garantir juros crescentemente positivos para os credores da dívida; o modelo de coordenação global capitalista pelos BCs se intensificou, principalmente, depois da grande crise monetária de 2008, mas a sua concepção começou na Era Reagan; naquele momento, quebrou um grande banco americano, o Lehman Brother, por ultrapassar o limite da especulação imobiliária; com ele, outros bancos iriam, também, para o espaço, especialmente, nos Estados Unidos e Europa; o FED, porém, liquidou o Lehman e salvou, precariamente, os demais; a fórmula adotada foi a de inundar o mercado de mais moeda, trocando dívidas velhas por dívidas novas; a taxa de juros ficou negativa e o tesouro americano assumiu o prejuízo; daí a dívida pública americana começou a claudicar em todo o planeta capitalista.
DECADÊNCIA DA TEORIA MONETÁRIA
Caiu por terra, com o colapso do Lehman, as velhas teorias econômicas monetaristas ortodoxas, segundo as quais a inflação decorre do excesso de moeda em circulação; mentira pura; com a superoferta monetária, patrocinada pelo FED, os juros foram a zero e a dívida pública estacionou e seguiu caminho de regressão; fortaleceu nova teoria monetária, segundo a qual o governo pode gastar indefinidamente emitindo, desde que não se endivide em moeda estrangeira, para não implodir balanços de pagamentos; vigorou, a partir de então, o que já existia: a experiência japonesa; no Japão, desde os anos 1980, a taxa de juro é negativa, de modo que não importa se a dívida pública cresça, desde que o seu custo seja praticamente zero, razão pela qual o déficit japonês ultrapassa 200% do PIB sem que haja estouro monetário e corrida bancária; o endividamento público, então, pode crescer indefinidamente; os japoneses copiaram Adam Smith, que, em “A riqueza das nações”, diz que dívida pública não se paga, renegocia-se; o economista inglês, John Maynards Keynes, autor de “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, diante do colapso do lassez faire(livre mercado, uma ficção), a partir do final dos anos de 1920, jogou na lata de lixo a teoria econômica clássica do equilibrismo orçamentário, sustentado pela teoria marginalista, vigente no século 19, sob domínio da libra inglesa imperialista, e colocou o Estado para emitir moeda puxando a demanda global.
CAPITALISMO DE GUERRA
Para Keynes, a única variável econômica verdadeiramente independente no capitalismo é a quantidade da oferta de moeda na circulação; quando o governo emite, provoca quatro efeitos simultâneos: 1 – reduz salários; 2 – eleva preços; 3 – diminui juros e 4 – perdoa dívida dos capitalistas contratada a prazo; dessa forma, eleva a eficiência marginal do capital(lucro), levando os empresários aos investimentos, quando, naturalmente, quase não mais precisam enfiar a mão no bolso para investir; o contrapolo da solução keynesiana é a expansão da dívida pública sob comando do capital financeiro, poder sobre coisas e pessoas, como dizia Marx, como faz, no Brasil, a Faria Lima; antes de o autor de “O Capital”, o imperador Luís 14, com o seu mago da economia, Colbert, no auge do mercantilismo, proclamava: “O Estado sou eu”; portanto, o que o BC americano faz, depois de 2008, é colocar em prática os mandamentos de Colbert, para quem “a dívida pública é o nervo vital da guerra”. Desde 1936 e mais intensamente no pós-segunda guerra mundial, o governo americano segue o conselho de Keynes: “Penso ser incompatível com o capitalismo que o governo eleve seus gastos na escala necessária capaz de fazer valer a minha tese – a do pleno emprego –, exceto em condições de guerra; se os Estados Unidos se INSENSIBILIZAREM para a preparação das armas, aprenderão a conhecer a sua força.”(Lauro Campos em “A crise da ideologia keynesiana”, editora Boitempo); Keynes, portanto, é o ideólogo maior da construção do Estado Industrial Militar Norte-americano, assim denominado por Eisenhower, erguendo o poder imperial depois do Acordo de Bretton Woods, em 1944.
IMPASSE E CONTRADIÇÃO
O impasse, porém, é que a dívida pública americana, na casa dos 34 trilhões de dólares, demandando pagamento de juros de perto de 1,5 trilhão de dólares/ano, passou a assustar o mercado, quanto mais avança o processo de financeirização econômica, na base da especulação incontrolável; de solução, a dívida virou problema, como explica Lauro Campos; por essa razão, o imperador Trump quer eliminar a autonomia do BC independente americano, para alcançar seus propósitos: ampliar e fortalecer a indústria americana, na corrida com a China, para a qual perde hegemonia; os chineses, ao contrário das economias subordinadas aos Estados Unidos, não seguiu o tripé neoliberal, depois de 2008, razão pela qual virou nova potência mundial; Trump, com o BC americano independente, sob dependência, apenas, do mercado financeiro, não consegue reerguer a indústria, porque os especuladores, no processo de financeirização econômica, impõe o déficit comercial crescente, que eleva a dívida e sustenta a riqueza financeira dos especuladores; tal processo, no entanto, está encontrando seus limites, porque não está sendo mais possível aos Estados Unidos continuar cobrindo o déficit com superavit financeiro, visto que o dólar deixa de ser a moeda hegemônica, como foi do pós-segunda guerra mundial em diante; fica cada vez mais complicado ao governo americano rodar a guitarra para sustentar as importações acima das exportações, afundando, desse modo, a indústria americana vis a vis à China, que trabalha com bancos públicos, na linha japonesa dos juros negativos; eis porque Trump, nesse instante, promove cruzada contra o BC independente, no qual identifica a razão máxima da desindustrialização.
CALCANHAR DE AQUILES
O problema é que o capitalismo americano não sobrevive sem os gastos com a guerra, para puxar a demanda global do Estado Nacional Militar Norte-Americano; a queda de braço entre Trump e o BC, aliado do mercado financeiro, é, portanto, o nó górdio do capitalismo americano, que impede Trump de cumprir sua promessa de campanha eleitoral, de acabar com as guerras; ainda, agora, para confirmar que sua promessa eleitoral está indo para o ralo, ele promove guerra contra a Venezuela, prometendo, com isso, incendiar a América do Sul; o trumpismo protecionista, que pressiona a inflação em nome da recuperação da indústria nos Estados Unidos, está, portanto, prisioneiro das contradições mais fundamentais que impulsionam o imperialismo americano; para o Brasil e toda a periferia capitalista, a implosão do BC americano é, ao contrário, caminho da libertação econômica, pois entra em crise o modelo neoliberal ancorado no tripé imposto pelo império.