Por Luiz Fernando Leal Padulla *
Diz a máxima que não se discute futebol nem religião. Mas será mesmo?
A recente declaração do técnico de futebol Lisca “Doido” – que de doido não teve nada! – implorando para que o futebol seja suspenso em função do genocídio que o país vive, é mais uma prova de que deve ser discutido sim. Contrapondo sua fala, o bolsonarista Renato Gaúcho defendeu a continuidade dos campeonatos, usando-se de um argumento desconectado com a realidade ao dizer que “os campeonatos regionais são seguros”. Não espanta que esse sujeito seja um reacionário, pois tal como demais fascistas, vive em um mundo de pós-verdades, negando os fatos – não apenas dos recordes diários de mortos no país, mas da própria realidade que insistem em não enxergar, insistindo na disputa do “nós x eles”.
Na mesma semana que fez essa declaração, será que não acompanhou a notícia de que 19 membros do time do Corinthians, sendo 9 jogadores, estão infectados com a covid19?
Na década de 1980, tivemos grandes nomes do futebol encabeçando a luta contra a ditadura militar e defendendo e exigindo um regime democrático. Sócrates talvez seja o maior exemplo dessa época. Hoje vivemos uma carência de lideranças dentro e fora dos gramados, seja por omissão, medo ou ignorância política. Precisamos de mais “doidos” como Lisca, que nos trazem a esperança de maior consciência e alerta entre a população.
Outro campo até então blindado por esse ditado é a religião. No entanto, é um mecanismo importante na luta democrática. Em tempos mais atuais, lembremos da Teologia da Libertação, cuja vertente defende justamente a atenção aos mais necessitados – o que incomodou e até hoje incomoda parte da igreja católica conservadora. Nomes como Padre Júlio Lancelotti e até mesmo o Papa Francisco, são exemplos da verdadeira humanidade e responsabilidade social da igreja.
Durante e após o golpe parlamentar de 2016, as igrejas tiveram papel fundamental na divulgação de mentiras e favorecimento da eleição e ascensão do neofascismo que hoje assola o país com seu negacionismo e necropolítica. Muitos religiosos até fizeram uma autocrítica (tardia, é verdade!) e mostraram arrependimento – em especial os católicos. Evangélicos neopentecostais, muitos amparados e financiados pelo atual governo, seguem abraçando a causa, e defendendo o “messias”.
Por sinal, é justamente essa imagem que esse falsos cristãos (estelionatários) propagam entre os fiéis (massa ignorante), que cegamente seguem negando a própria Ciência e acreditando nos “demônios” que querem derrubar o Messias – exatamente os 30% de apoio que as pesquisas sempre indicam, fruto da capacidade de diálogo que Bolsonaro e cia. têm de persuadir com pautas cristãs, moralistas e conservadoras.
Importante deixar claro aqui que, tal como estudiosos avaliam, as religiões pentecostais e neopentecostais surgem exatamente como um reflexo do capitalismo que promoveu a urbanização e industrialização desordenada e excludente. Foram formadas nas periferias, acolhendo trabalhadores e pessoas marginalizadas pelo sistema, e nesse nicho, surge o oportunismo neoliberal travestido de uma rede de solidariedade. Assim, a manipulação em si não é culpa da religião, mas uma clara e perfeita tática neoliberal que destruiu a organização social.
Felizmente, conforme já se observa, parte dessa massa de manobra parece despertar para os danos que as atitudes de Bolsonaro e seu desgoverno estão acarretando ao país e às suas vidas, seja pela morte que atinge seus parentes, ou até pela ausência de apoio do governo quando mais necessitam. Há uma possível esperança.
Porém, a questão ainda é: como dialogar com esses religiosos? Como diz a teóloga argentina Emilce Cuda, não adiante entrarmos em uma guerra dialética com eles. Talvez a alternativa seja relembrá-los do aspecto dos mesmos princípios que regem tais religiões: o verdadeiro Cristo surge como voz ativa perante uma sociedade desigual, pregando a solidariedade e humanismo; a luta por justiça social. No caso específico dos cristãos, lembrá-los que Cristo era pobre, imigrante e oprimido pela sociedade. E mostrá-los também que Bolsonaro representa exatamente seu oposto: o anticristo. Não no sentido místico, mas na definição de um ser abjeto que surge travestido de um “cristão”, mas que prega a discórdia e o ódio entre os próprios cristãos, usando-se uma ética violenta e negadora da fé. Em suma, pela teologia, Bolsonaro é uma besta e a besta.
Assim, discutir futebol e religião não só é possível, como deve ser feito. É uma necessidade que deve ser praticada e sempre presente. Precisamos criar pontes de diálogo. Afinal, se fazem parte de nossa sociedade, devem ser tratadas como integrantes de nossa vida. E nessa vida, quer você goste ou não, tudo é político.
Se Deus realmente é brasileiro, devemos aproveitar e lutarmos efetivamente pelo impeachment de Bolsonaro. Caso contrário, acredito que Ele mesmo tirará cidadania de outro país e abandonará esse barco que está furado e prestes a afundar em águas negacionistas e repleta de vidas que se foram por desrespeito à vida. Isso sim é o que importa. O resto é mimimi.
*Professor, Biólogo, Doutor em Etologia, Mestre em Ciências, Especialista em Bioecologia e Conservação
Especialista em Bioecologia e Conservação