Pedro Augusto Pinho*
O filósofo e educador Mário Sergio Cortella, em recente palestra, divulgou a origem da palavra “idiota” que, na Grécia Antiga, era atribuída à pessoa que “preenchendo as prerrogativas para participar da vida pública, abdicava de fazê-lo”. Recordamos que esta prerrogativa de cidadania, conforme Aristóteles, era exclusiva do sexo masculino, de origem familiar conhecida, adquirisse suas armas e tivesse recursos – propriedades, escravos, mulher – para se manter.
Em artigo (“A farsa da taxa de juro SELIC no Brasil”) divulgado pela internet, o professor Ricardo Bergamini, liberal convicto, seguidor de Roberto Campos, escreveu: “o Brasil já está operando em “Grau de Especulação” desde 2016 (operação motel, alta rotatividade), assim sendo para esse tipo de investidores de alto risco, pouco importa o risco político. O único indicador que interessa é a alta remuneração”.
A política econômica deste século XXI, embora elaborada desde a II Guerra Mundial, tem especificidade única. Ela difere dos padrões de análise usualmente adotados, em especial da polaridade capitalismo versus comunismo, tão comum no século 20.
A grande disputa deste início de século é a globalização financeira versus o nacionalismo cidadão. Mas, repito mais uma vez, é uma simplificação. Há diversidades em ambas vertentes, algumas relevantes, nas quais não me deterei em proveito da ideia geral, totalizadora.
Não cabe, nem seria a pessoa adequada, rever a história. Uma expressão, no entanto, esteve muito em voga nos anos 1990, “o fim da história”. Foi tirada do livro “Fim da História e o Último Homem”, de Francis Fukuyama, editado em 1992.
O que significava? Que a história humana, de conflitos, de divergências, de multiplicidade de ideias tinha morrido com o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Doravante viveríamos um longuíssimo período com estados nacionais reduzidíssimos em seu poder – até mesmo inexistentes (Líbia, Iraque, Afeganistão) – e com capitalismo de livre circulação de capitais – a globalização – que assegurariam a democracia universal.
Parecia saído de um livro de religião. Fukuyama, estadunidense de Chicago, garantia que o liberalismo econômico, ápice da evolução econômica da sociedade, viria acompanhado da democracia e da igualdade de oportunidade. Todos seriam livres e capazes de conquistar os seus objetivos.
O mais cruel desta fantasia mística é que se infiltrou, de modo planejado, com recursos e influência, nas questões transversais, na academia e mesmo em ideologias políticas sedentas de paz.
Vamos analisar do começo. Sabemos todos que o capitalismo financeiro – dominando o mundo pela ação da Inglaterra no século XIX – foi derrotado pelo capitalismo industrial e que logo passou a combatê-lo até em sua matriz, os Estados Unidos da América (EUA).
Mas os séculos de dominação e aprendizado – afinal o capitalismo inglês é anterior à Companhia Britânica das Índias Orientais (1600) – ensinaram estratégias e métodos de luta ideológica utilizados pelas finanças para tomar de volta, para os bancos e financeiras, o poder das indústrias.
Com a velha estratégia do mágico, colocou o capitalismo industrial para combater o socialismo industrial e, ao fim, derrotou ambos.
Como se deu esta vitória?
Primeiro pela propaganda, pela informação dirigida. E a executou aproveitando o imenso e notável sistema de comunicação de massa construído pelo capitalismo industrial: televisão, cinema hollywoodiano, revistas ao invés de livros e muita, muitíssima informação que embaralhasse as mais privilegiadas mentes.
Segundo pela dívida e pelas crises econômicas. Foi um momento marcante desta luta, quando os EUA tiveram que romper a paridade do dólar estadunidense com o ouro (15/08/1971). Surge daí o câmbio flutuante ou a especulação com moedas. Merece registro a ação do bilionário George Soros, em 1992, contra a libra inglesa, que lhe proporcionou, assim se divulgou, um bilhão de dólares nas compras e vendas daquela moeda em um único dia.
E veja a articulação do sistema financeiro (doravante chamarei “banca”) no caso seguinte.
Já não é surpresa que os EUA acertaram, em 1971, com a Arábia Saudita (na época detentora da maior reserva de petróleo), influente na Península Arábica e no Golfo Pérsico, de onde era exportado quase todo o petróleo que movia o mundo ocidental e o Japão, a fixação em dólar e a exclusividade desta moeda para os negócios do petróleo, antes de romper com o Acordo de Bretton Woods. Assim os EUA garantiram um referencial mais flexível, menos impositivo do que o ouro para sua moeda.
E onde a banca foi detonar suas crises? No petróleo.
Por algum tempo se pensou que as crises que elevaram o preço do petróleo nos anos 1960/1980 correspondiam ao interesse das grandes empresas – as majors – que haviam descoberto petróleo, mais caro para produzir, no Mar do Norte.
Observando o preço do barril, desde início do século até 1973, temos, em moeda constante, uma linha quase reta, da ordem de US$ 1/barril. Em moeda atualizada para julho de 2018, em março de 1974 o barril passou de 14 para 58 dólares.
Como é evidente, esta mudança criou enorme endividamento para todos países importadores, que constitui a imensa maioria dos usuários de petróleo. Os EUA tiverem que aumentar sua taxa de juro, adicionando mais dívida pelo mundo.
No Brasil, o projeto de desenvolvimento, com produção de tecnologia de ponta (aeroespacial, nuclear, tecnologias da informação e energias renováveis), sofreu uma importante e não recuperável estagnação a qual se seguiram as exterminadoras privatizações, principalmente a partir dos anos 1990.
Temos então os passos da guerra a qual, com os governos Thatcher (Reino Unido) e Reagan (EUA), sagrou a vitória do capital financeiro.
Tratemos, agora, das ações da banca, já vitoriosa.
Duas são suas metas: promover a financeirização de todas as atividades econômicas e a permanente concentração de renda.
Se os prezados leitores consultarem – e há sites na internet que fornecem estas informações – quem são os principais acionistas de todas as grandes empresas, seja de petróleo, seja química, petroquímica ou farmacêutica, seja de alimentos, água, bebidas, seja de fabricação de automóveis ou de qualquer outro produto comercializado em todo mundo, e, também dos bancos, encontrará sempre fundos de investimentos financeiros.
São os verdadeiros donos do mundo; estes fundos são a mais viva e real expressão da banca.
Então façamos a primeira pergunta: há competitividade entre empresas de um mesmo dono? Claro que não. Há farsa e fraude.
Quando a Presidente Dilma concedeu vantagens fiscais, para a indústria automobilística investir, o que fizeram a Fiat, a Volkswagen, a General Motors, a Ford, a Renault? aproveitaram para melhorar seus produtos ou sua rede de concessionárias ou de manutenção?
Óbvio que não. Foram colocar este dinheiro extra no mercado financeiro. Nas mãos de seus donos: os fundos de investimentos. Esclareço que a Renault, embora estatal francesa, tem participação dos fundos que aponto a seguir.
Com participações variáveis, os grandes fundos – Blackrock, Vanguard Group, State Street Global Advisors (SsgA), Fidelity Investments – todos com trilhões de dólares em carteira, estão nestas automobilísticas e em empresas de alimentos, petróleo, comunicação, remédios, entretenimento, água etc etc etc.
Estes Fundos, cujos capitais tem, em expressiva percentagem, residência em paraísos fiscais, se desdobram em centenas, milhares de instrumentos de captação. Formam verdadeira rede de pescar ingênuos, desinformados e coxinhas.
Vejamos como funciona a economia real, neste mundo globalizado, de paz e democracia universal. Tomo o maior dos Fundos, o Blackrock, com três PIBs brasileiros de capital.
Ele se desdobra por critérios regionais e por aplicações e aplicadores.
Assim um senhor David Koch, financiador de instituições para promover golpes pelo mundo, com seus US$ 31 bilhões, jamais terá seu dinheiro colocado no mesmo fundo que você, meu honesto e laborioso leitor.
O Fundo que você pode escolher é destes que irão desaparecer numa crise, quer de pagamento no Brasil, quer de inflação provocada pela disputa política, quer por um tsunami, como de 2008, nos EUA. E você só poderá lamentar o azar.
Mas o senhor Koch conhecerá um rendimento extra, pelos azarados do mundo inteiro que contribuem/contribuíram para um fundo exclusivo de investimento mínimo de centenas de milhões de dólares, ao qual você não tem acesso.
Assim, as duas metas da banca se concretizam: todos os negócios foram transformados em negócios financeiros, pela propriedade das empresas, e as financeiras, com suas gestões diferenciadas, vão concentrando cada vez mais o capital disponível em todo mundo.
Entretanto a banca é insaciável.
Temos, neste momento, um rastilho para nova crise. A lira turca pode ser o sinal, bem como a guerra comercial com a China.
Há um excesso de liquidez, oriundo dos afrouxamentos monetários (Quantitative Easing), adotados pelo Banco Central dos EUA (Federal Reserve – FED), após a crise do “subprime”, em 2008.
Isto provocou aplicações/dívidas de toda ordem: em investimentos produtivos – que poderão sustentar os pagamentos –, em especulações – que tem, estatisticamente, um resultado neutro entre ganhos e perdas, mas arriscaria ser mais favorável aos ganhos, considerando os resultados das bolsas nesta década – e a não desprezável soma em gastos supérfluos e ilícitos (corrupções para golpes).
Assim temos a expectativa de uma nova e avassaladora crise, o instrumento de crescimento da banca. Como pode o Brasil reagir a ela? Que instrumentos usará a banca para abocanhar mais recursos e concentrar ainda mais a renda?
Um governo nacionalista é o mínimo que podemos desejar e lutar, para que consiga salvar o País.
Com a janela aberta, o caro leitor pode optar por ser um idiota, olhar para seu umbigo, fechar-se dentro de si mesmo, não querer saber de política, que, no grego, é o antônimo de “idiotas”, ou seja, do político, aquele que participa da vida comunitária, que tem por lema um por todos, todos por um.
Estamos no momento de grande crise no Brasil.
O golpe de 2016 apenas deu mais visibilidade, melhor percepção do conflito que se travava entre nós. Do nacionalismo, do reerguimento do Estado Nacional contra o globalismo, a entrega de nossas riquezas e da administração do Brasil aos capitais estrangeiros.
E também da luta entre a cidadania, a integração, de um lado, e, de outro, a exclusão e a rejeição dos brasileiros pobres, pretos, vítimas de verdadeiro genocídio.
A mortalidade infantil, assassinatos pelas drogas, pelas organizações criminosas das milícias ou traficantes e pela polícia é uma política de extermínio de nacionais.
Esta eleição é uma oportunidade de agir como brasileiro, com consciência cidadã, ou sucumbir a um território apátrida, governado pela especulação e pelos interesses estrangeiros.
*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado