Recentemente, a histeria em relação às ações imprevisíveis da Coreia do Norte, particularmente os lançamentos de mísseis balísticos e ameaças duras de um ataque preventivo, parece ter aumentado em todo o mundo. A Sputnik explica o que levou a uma nova escalada de ostracismo contra Pyongyang e se ele é na verdade tão pavoroso como se apresenta.
Mistérios — eis uma coisa que sempre gerou medo no ser humano, e esta regra se pode aplicar em qualquer esfera da vida. Encarar o desconhecido é, em primeiro lugar, amedrontador por não sabermos o que esperar. Neste aspecto, a Coreia do Norte pode ser considerada como um modelo de país sem precedentes, do qual tão pouco se conhece, mas tanto se fala.
Realidade e histórias: a vida secreta dos norte-coreanos
Um fato é certo: sabemos extremamente pouco sobre a vida cotidiana nas cidades norte-coreanas, já que a maioria dos fenômenos cultivados pela mídia não passam senão de suposições e hipóteses. A entrada de turistas ao país é bastante limitada, sem falar de jornalistas estrangeiros: suas intenções e planos são escrupulosamente estudados de antemão e, mesmo caso a entrada seja permitida, sua presença no país se limita à visita de lugares e eventos definidos.
O país que não tem acesso nem à rede global de telecomunicações nem à Internet, o país encaixado em uma moldura bem arquitetada ao longo de décadas pela ideologia Juche (que domina todas as esferas de vida e pode ser traduzida para português como “posição de independência” e “espírito de autossuficiência”) tem sempre criado em redor de si mitos e teorias aterrorizantes e, em muitos casos, exagerados. Boatos sobre esfomeados comendo crianças e cadáveres, execuções públicas, ausência de energia elétrica e tecnologia, pessoas inanimadas e completamente alienadas pela omnipotência e grandeza dos seus líderes…
Mas será que tudo isso é acreditável se não tem como provar? Na comunidade de cientistas políticos há diversas opiniões quanto ao assunto: uns dizem que a Coreia do Norte é a ameaça número um para todo o mundo e representa um inferno na terra escondido da vista de todos, mas muitos outros asseguram que todas estas suposições em si têm uma grande parte de ficção e servem para justificar certas políticas ocidentais.
Sim, os norte-coreanos na verdade penduram os retratos dos seus “grandes líderes” em casa e usam pins com imagens de Kim Il-sung e Kim Jong-il na sua roupa, se limitam a uma alimentação bem simples, vivem em cidades onde quase não há automóveis, trabalham horas certas e seguem um determinado padrão de compostura.
Ou seja, são diferentes. Porém, segundo acreditam muitos analistas, estes fatos podem ser caracterizados como apenas traços da mentalidade nacional — primeiro, os povos asiáticos sempre foram muito mais calmos e disciplinados que os do Ocidente e, segundo, a Coreia do Norte tem uma experiência eterna de ser um protetorado estrangeiro, o que também forma a consciência das pessoas.
A ambígua ‘Nova Política’ de Kim Jong-un
Para muitos, a chegada ao poder do “líder nacional mais jovem no mundo” Kim Jong-un (sendo que sua data de nascimento continua sendo desconhecida) trouxe um novo fôlego ao país — o novo dirigente formulou logo sua prioridade em relação a reformas, muito diferentemente de seu pai e antecessor Kim Jong-il.
Alguns analistas denominam a linha escolhida pelo político como “reformas sem exposição” — ou seja, a hipótese de abrir o país ao mundo nem sequer estava sendo considerada por poder acarretar consequências catastróficas. Porém, o jovem líder norte-coreano reconheceu que o país precisa de uma ampla reanimação econômica (pelo menos para salvar o regime) e implementou toda uma série de inovações na esfera de agricultura e indústria.
Entretanto, houve outras novidades, muito menos agradáveis. Apesar de vários sinais de abrandamento na esfera econômica e social, o controle político parece se ter ainda reforçado. Muitas mídias ocidentais até chamam o período de governança de Kim Jong-un de uma “época de terror”, principalmente no que se trata de “limpezas” na elite governamental, o que pode ser motivado pela vontade do político em mostrar sua força e resolução a despeito da sua idade e pouca experiência.
Mas estes não passam de ser apenas acontecimentos à escala nacional — que, de fato, não vão além dos assuntos internos da Coreia do Norte. Já outro fator na política de Kim Jong-un, tendo um contexto mais largo e internacional, se tornou o ativador de um verdadeiro caos nas relações bilaterais norte-coreanas com outros países — as armas nucleares.
Dedo no gatilho: Pyongyang aspira à independência em tudo
Na época em que a Coreia do Norte ainda estava sob proteção e patrocínio da URSS, o país não se preocupava muito com a necessidade de desenvolver seu arsenal nuclear. Porém, com o colapso do Estado soviético e a mudança drástica da ordem mundial encabeçada pela única superpotência possuidora de enorme potencial de armas nucleares, Pyongyang teve que encontrar novos caminhos para sobreviver — tanto no sentido econômico como militar.
Os primeiros testes começaram se realizando ainda na primeira década do século XXI, sob governança de Kim Jong-il, porém, seu filho não só apoiou o desenvolvimento ulterior do programa nuclear, mas o indicou como a nova aposta do exército norte-coreano em vez das armas convencionais, gerando uma reação indignada e expressamente crítica por todo o
Como se estivessem apoderadas por uma febre contaminante, as mídias ocidentais não param de anunciar novos lançamentos de mísseis balísticos planejados por Pyongyang, enquanto o novo presidente dos EUA Donald Trump que escolheu o país como um dos principais “vilões” do mundo e diz que Kim Jong-un “não se porta bem”.
No entanto, vale ressaltar que o próprio Kim Jong-un tem várias vezes frisado que seu país não planeja fazer rebentar uma guerra nuclear, ele “vai usar os armamentos nucleares só em caso de sua soberania ser violada por uma força beligerante e agressiva que também possui tais armamentos”. Grande parte dos especialistas afirma: as autoridades norte-coreanas até podem exagerar seus avanços nesta esfera, já que isto é parte da estratégia de detenção e prevenção destinada aos países considerados por Pyongyang como “usurpadores”.
E finalmente, haverá uma guerra?
Ao mesmo tempo, as tensões entre o Ocidente e o país asiático já parecem ter chegado ao rubro — com declarações duras de ambas as partes e especulações que a inteligência americana, junto com seus colegas da Coreia do Sul, estaria arquitetando uma operação especial para liquidar o líder norte-coreano.
Este grau de incerteza e confrontação gera preocupação entre os políticos e medo na população — basta abrir o Google e ver quantas pessoas pesquisaram a possibilidade de Kim Jong-un finalmente se atrever a desferir um golpe preventivo e fazer desaparecer da face da terra metade da população.
Todavia, dá a impressão que a principal razão para isso não é o próprio fato da Coreia do Norte possuir ogivas nucleares, mas a falta absoluta de diálogo e entendimento entre todos os atores internacionais envolvidos. Enquanto os EUA apelam a Pyongyang para que cesse seus testes nucleares, este exige que Washington pare de conduzir exercícios conjuntos com os militares sul-coreanos e desista dos planos para instalar o sistema antimíssil THAAD no território vizinho.
Parece que as atividades da Coreia do Norte são, em certo sentido, uma tentativa ousada de se defender e preservar um sentimento de autoproteção até que sua opinião e sua diferença dos outros sejam aceitas pela comunidade internacional. E seria preferível que a “nova estratégia” elaborada hoje pelo governo Trump em relação a Pyongyang inclua também uma capacidade de manobra para concessões e conversações, já que, em caso contrário, a ameaça de guerra pode surgir no céu pacífico de muitos outros países do mundo.
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