Reprodução do Twitter de Luciano Hang |
Por João Filho, no site The Intercept-Brasil:
Mesmo estando moralmente nu após as revelações da Vaza Jato, o ex-juiz ainda é o político mais popular do país e conta com uma legião de políticos dispostos a defendê-lo incondicionalmente. A tropa de choque bolsonarista no Congresso tem se mostrado fiel. Não é pra menos. O herói anti-corrupção mal chegou no governo e já começou a passar pano para a lama bolsonarista. Perdoou o caixa 2 de Onyx Lorenzoni, fechou os olhos para o laranjal do PSL e não se incomodou com as estreitas relações da família Bolsonaro com as milícias. Pelo contrário, o ministro tem se mostrado bastante confortável em integrar o governo da extrema direita.
Nos depoimentos que Moro deu no Senado e na Câmara, os bolsonaristas o exaltaram com um fervor que nem Dallagnol no escurinho do Telegram seria capaz. Ninguém pretende largar o companheiro ferido na estrada. São muitos os parlamentares com coragem para defender publicamente um juiz que cometeu graves ilegalidades no exercício da profissão e influenciou intencionalmente o jogo político. A grande maioria dos defensores de Moro hoje no Congresso é de fundamentalistas religiosos, reacionários, investigados e condenados por corrupção.
Na Câmara, a sessão foi comandada pelo presidente da CCJ, Felipe Francischini, do PSL do Paraná, que deu uma definição perfeita sobre o que ocorria ali: “Parece a Escolinha do Professor Raimundo”. É verdade. E ele, atuando como o professor Raimundo, fez de tudo para poupar Sergio Moro da fúria da oposição. Apesar de elogiar o trabalho de Moro no combate à corrupção, Francischini tem seus esqueletos no armário. Há poucos meses, a justiça do Paraná determinou o bloqueio dos bens do deputado por suspeita de gastos irregulares com alimentação com verba da Assembleia Legislativa do Paraná. Foram mais de R$ 100 mil bloqueados na conta de Felipe Francischini.
“O senhor é um verdadeiro herói brasileiro”, disse Coronel Chrisóstomo, do PSL de Rondônia, cuja candidatura pode ser cassada após pedido da Procuradoria Regional Eleitoral, que identificou fraude no preenchimento de cota de gênero. O caso faz parte do laranjal do PSL, que é alvo de um inquérito da Polícia Federal que corre sob sigilo. Ou melhor, deveria correr sob sigilo. Acontece que Sergio Moro não é um homem que se preocupa em sempre respeitar as leis. Durante viagem ao Japão, o presidente falastrão deixou escapar que Moro lhe deu acesso privilegiado a dados do inquérito que envolvem o seu partido. Ou seja, o ministro cometeu uma gravíssima ilegalidade também no exercício do Ministério da Justiça. A isso chamamos de Estado policial.
O auge da bajulação ao ministro ganhou contornos surrealistas quando o deputado Boca Aberta, do PROS paranaense, entregou a Moro uma réplica da taça da Champions League enquanto berrava: “é uma honra estar na frente de V.Exa. hoje. Este homem que está aqui – atenção, Brasil! – é de conduta ilibada e inquestionável, intocável, irrepreensível. Devem todos aqui respeito ao Sergio Moro. Sergio Moro equivale ao troféu da Champions League, a Liga dos Campeões, troféu este que é cobiçado, Exmo. Sergio Moro, pelas maiores estrelas do futebol mundial – Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo.” Era a esquete que faltava para a Escolinha do Professor Raimundo.
Quando se olha para a ficha corrida de Boca Aberta, a coisa fica ainda mais divertida. O deputado responde a pelo menos 30 processos, a maioria deles por calúnia, injúria e difamação, mas também por fraude processual e falsificação de documento público. Boca Aberta já chegou a desfilar pela sua cidade, Londrina, com tornozeleira eletrônica por ordem judicial.
Moro fez questão de agradecer a todos esses parlamentares que o elogiaram. São apoios importantes que o ex-juiz certamente jamais irá querer melindrar. Afinal de contas, nem o escancaramento do esquema de corrupção judicial comandado pelo ministro foi capaz de rachar a base de apoio lavajatista no congresso.
Depois de mais de oito horas de sessão, Glauber Braga, do PSOL fluminense, fez uma analogia com futebol e chamou o ministro de “juiz ladrão”. O paraense Eder Mauro, do partido de Bolsonaro, que já defendeu intervenção militar e foi alvo de inquérito no STF por prática de tortura, foi para cima do psolista e por pouco o pau não comeu. A Escolinha do Professor Raimundo pegou fogo, e a sessão teve que ser encerrada. Moro deixou o recinto escoltado pela trupe bolsonarista, uma imagem simbólica da derrocada do herói.