A extrema cautela do JN deixa entrever mais que cuidados com a qualidade da informação. Pode ser manifestação de receio de que fatos até aqui ocultos ganhem a luz do dia.
Assisti uma parte do JN agora à noite (segunda, 10). O tom foi de tentar desqualificar as denúncias do Intercept.
A coalizão governista – que inclui a direção da Globo – está diante de um problema sério: a desastrada nota lançada pelo MPF – no calor da hora – admitiu serem verdadeiros os diálogos vazados. A dada altura o documento afirma:
“Dentre as informações ilegalmente copiadas, possivelmente estão documentos e dados sobre estratégias e investigações em andamento e sobre rotinas pessoais e de segurança dos integrantes da força-tarefa e de suas famílias”.
OU SEJA, PASSARAM RECIBO sobre o que já foi divulgado e pelo que ainda há a divulgar. Possivelmente o clima de barata-voa e a sensação de terem sido pegos com a boca na botija bagunçou a redação.
Sem ter como negar o material que está em todas as redes, o principal informativo da Globo buscou dar aparência de normalidade ao caso. Os argumentos foram de três ordens:
1. A CONVERSA NÃO REVELA NADA DEMAIS. Juízes dialogam com advogados, procuradores e policiais, para melhor realizarem seus trabalhos. Essa foi a linha da declaração de Moro, em Manaus, de Mourão, em Brasília, e da nota da Associação dos Juízes Federais (Ajufe). Além disso, o JN colocou no ar um vídeo de Deltan Dallagnol, postado no twitter. O procurador ressalta a imparcialidade da LavaJato (mais de 50 condenados e 400 investigados de 26 partidos) e seu objetivo determinado de combater a corrupção;
2. AS CONVERSAS E ZAPs revelados pelo Intercept são antigos (Moro) e nem é mais possível dizer se são autênticos ou não, pois ninguém mais guardou esses registros;
3. AS MENSAGENS FORAM hackeadas de forma criminosa e ilegal – repetido duas vezes por Bonner e Renata, além de constar na nota da Ajufe – e são liminarmente nulas como provas.
Foi lido um trecho da nota da defesa de Lula, mas ninguém do Intercept foi ouvido.
O JN AGE COMO JOGADOR DE POQUER. Mostrou algumas cartas, mas espera a movimentação do adversário para decidir nova tática. Há um certo tom defensivo, pois o alerta de Glenn Greenwald, Betsy Reed e Leandro Demori é claro:
“Esse é apenas o começo do que pretendemos tornar uma investigação jornalística contínua das ações de Moro, do procurador Deltan Dallagnol e da força-tarefa da Lava Jato – além da conduta de inúmeros indivíduos que ainda detêm um enorme poder político e econômico dentro e fora do Brasil”.
MORO E SUA TRUPE não sabem o que vem pela frente. Leandro Demori, editor do site, afirmou ter divulgado apenas 1% do material recolhido. A afirmação joga uma bomba no colo dos possíveis parceiros articulados com a república de Curitiba, entre os quais podem estar a própria Globo, sites de direita, como o Antagonista, e setores do aparelho de Estado, entre eles, membros do STF.
Trata-se literalmente de uma guerrilha informativa de movimentos rápidos, sem que um dos lados – Moro, Dallagnol & Associados – conheça, mesmo que de forma imprecisa, o poder de fogo do outro.
A extrema cautela do JN deixa entrever mais que cuidados com a qualidade da informação. Pode ser manifestação de receio de que fatos até aqui ocultos ganhem a luz do dia.
O PONTO CEGO DESTA ANÁLISE
Há um ponto falho – e importante! – sobre o possível acobertamento que a Globo estaria dando a Sérgio Moro. Esse tópico me escapou de início.
Trata-se do pé de um dos blocos do telejornal, com exatos 20 segundos de duração. Foi pronunciado por William Bonner:
“O secretário de Comunicação da Presidência da República, Fábio Waingarten, disse há pouco que o presidente Jair Bolsonaro afirmou o seguinte, abre aspas: ‘Nós confiamos irrestritamente no ministro Moro’, fecha aspas”.
Por que motivo Bolsonaro se arriscaria a fazer uma afirmação temerária dessas? Das duas uma: ele sabe que nada de importante virá nas novas denúncias, ou recebeu algum tipo de pressão ou chantagem.
Toda a edição do JN sobre o caso foi meio estranha. Não houve nenhuma entrevista de viva voz, a não ser declarações públicas de Moro, Mourão e o vídeo pessoal de Dallagnol. Tudo o mais foi ilustrado com leitura de notas escritas. E mais, todas essas notas têm origem no mundo jurídico.
Nenhum parlamentar – do governo ou da oposição – foi ouvido. Nenhum empresário, nenhum analista. A Globo fez uma edição com régua e compasso, buscando esvaziar o conteúdo e o contexto político das trocas de mensagens da república de Curitiba.
Pode ter criado uma realidade virtual para abafar o caso. Talvez siga nessa toada nos próximos dias, quando o Intercept vazar mais coisas. Pode ter feito uma aposta alta. No poquer, pode ter trucado.
Bolsonaro teria feito o mesmo em jogo combinado com a rede já chamada por ele de “inimiga”? Teria algo a ver com o andamento da pauta essencial, que liga todos os blocos das classes dominantes, a reforma da Previdência? Com a greve de sexta (14), que promete ser avassaladora?
As próximas horas e dias serão de altíssima octanagem…