O Espetacular Show Suicida do Verão, atualmente a ser exibido por toda a Europa, prossegue a pleno vapor, para grande espanto de virtualmente todo o Sul Global: uma ordinária reencenação do Gotterdammerung (Crepúsculo dos deuses), com a grandeza wagneriana substituída por contorções frenéticas.
Os decadentes imperadores romanos pelo menos exibiam algum grau de emoção. Aqui somos confrontados apenas com uma mistura tóxica de arrogância, mediocridade abominável, ilusão, brutal pensamento ideológico de manada e irracionalidade absoluta a chafurdar no fardo racista e na lama supremacista do homem branco – tudo sintomas de uma profunda doença da alma.
Chamar a isto o ocidente de Biden-Leyen-Blink ou pouco mais seria demasiado reducionista: afinal de contas eles são políticos/funcionários insignificantes que meramente papagueiam ordens. Isto é um processo histórico: físico, psíquico e moral de degeneração cognitiva embutida no manifesto desespero do OTANstão a tentar conter a Eurásia, o que permite registos tragicómicos ocasionais tais como uma cimeira da OTAN a proclamar a Guerra Woke[NR] contra virtualmente todo o não-ocidente.
Assim, quando o Presidente Putin se dirige ao ocidente coletivo perante a Duma e dirigentes de partidos políticos, isso é sentido como um cometa a atingir um planeta inerte. Não é sequer um caso de “perdido na tradução”. “Eles” simplesmente não estão equipados para entendê-lo.
A parte “Você ainda não viu nada” pelo menos foi formulada para ser entendida até pelos simplórios:
“Hoje ouvimos que eles querem nos derrotar no campo de batalha. Bem, o que posso eu dizer, deixe-os tentar. Temos ouvido muitas vezes que o ocidente quer combater-nos até ao último ucraniano – isto é uma tragédia para o povo ucraniano. Mas parece que tudo está a chegar a isto. Mas toda a gente deveria saber que, de modo geral, nós realmente ainda não começámos nada”.
Fato. Na Operação Z, a Rússia está a utilizar uma fração do seu potencial militar, dos seus recursos e das armas no estado da arte.
Assim, chegamos ao mais provável caminho pela frente no teatro da guerra:
“Não recusamos negociações de paz, mas aqueles que as recusam deveriam saber que quanto mais isto se arrasta, mais difícil será para eles negociar conosco”.
Pois o indicador do sofrimento (pain dial) será apertado, de modo vagaroso mas seguro, em todas as frentes.
Mas o cerne do assunto foi apresentado anteriormente no discurso: “apertar a catraca do indicador de sofrimento” aplica-se de facto ao desmantelamento de todo o edifício das “regras internacionais baseadas em ordens”. O mundo geopolítico mudou. Para sempre.
Aqui está possivelmente a passagem chave:
“Eles deveriam ter entendido que já estavam perdidos desde o princípio da nossa operação militar especial, porque o seu começo significa o começo de um colapso radical da Ordem Mundial no modo Americano. Isto é o começo da transição do egocentrismo liberal-globalista americano para um mundo verdadeiramente multipolar – um mundo baseado não é regras egoístas inventadas por alguém para si próprio, por trás das quais não há nada exceto o desejo de hegemonia, não sobre duplos-padrões hipócritas, mas sobre o direito internacional, sobre a verdadeira soberania de povos e civilizações, sobre a sua vontade de viver o seu destino histórico, seus valores e tradições e construir cooperação na base da democracia, justiça e igualdade. E devemos entender que este processo já não pode mais ser travado”.
Pode-se dizer que Putin e o Conselho de Segurança da Rússia estão a implementar uma tática trifecta que reduziu o ocidente coletivo a um bando amorfo de galinhas sem cabeça.
A trifecta mistura a promessa de negociações – mas só quando considera os firmes avanços da Rússia sobre o terreno na Novorússia; o facto de que o “isolamento” global da Rússia demonstrou-se na prática como absurdo; e o ajuste do indicador de sofrimento mais visível para todos eles: a dependência europeia da energia russa.
A principal razão para o fracasso estrondoso da cimeira do G20 de ministros de Negócios Estrangeiros em Bali é que o G7 – o OTANstão mais a colónia americana do Japão – não puderam forçar os BRICS mais os grandes atores do Sul Global a isolar, sancionar e/ou demonizar a Rússia.
Pelo contrário: múltiplas interações fora do G20 explicitam ainda mais a integração por toda a Eurásia. Aqui estão alguns exemplos:
O primeiro transporte de produtos russos para a Índia através do International North-South Transportation Corridor (INSTC) agora de fato cruza a Eurásia desde Bombaim até o Báltico, via portos iranianos (Chabahar ou Bandar Abbas), o Mar Cáspio e o sul e centro da Rússia. A questão crucial é que a rota é mais curta e mais barata do que através do Canal de Suez.
Em paralelo, o governador do Banco Central Iraniano, Ali Salehabadi, confirmou que foi assinado um memorando de cooperação interbancária entre Teerã e Moscou.
Isso significa uma alternativa viável ao SWIFT e uma consequência direta da solicitação do Irão de ser tornar membro pleno do BRICS, anunciada na cimeira recente em Pequim. O BRICS, desde 2014, quando foi fundado o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), tem estado ocupado a construir a sua própria infraestrutura financeira, incluindo no futuro próximo a criação de uma única divisa de reserva. Como parte do processo, a harmonização dos sistemas bancários russo e iraniano é inevitável.
O Irã também está prestes a tornar-se membro pleno da Organização de Cooperação de Shangai (SCO) na próxima cimeira de Setembro em Samarcanda.
Em paralelo, a Rússia e o Cazaquistão estão a consolidar sua parceria estratégica: o Cazaquistão é um membro chave da BRI (Belt and Road Initiative), da EAEU e da SCO.
A Índia aproxima-se cada vez mais da Rússia em todo o espectro do comércio – incluindo a energia.
E quinta-feira próxima Teerã será o cenário de uma crucial reunião frente a frente entre Putin e Erdogan.
Isolamento? Realmente?
Na frente energética, ainda é verão, mas a paranoia demencial já devasta todas a múltiplas latitudes da UE, especialmente a Alemanha. Um alívio cómico é providenciado pelo fato de que a Gazprom pode sempre destacar junto a Berlim que eventuais problemas de abastecimento no Nord Stream 1 – após a novela em capítulos do retorno daquela notória turbina reparada no Canadá – pode sempre ser resolvido pela implementação do Nord Stream 2.
Como todo o Espetacular Show Europeu de Verão do Suicídio Europeu nada mais é senão uma espalhafatosa tortura auto-infligida ordenada por His Master’s Voice, a única questão séria é qual nível no indicador de sofrimento forçará Berlim a realmente sentar-se e negociar em prol dos legítimos interesses industriais e sociais alemães.
Luta de foice será a norma. O ministro dos Estrangeiros Lavrov resumiu tudo isto ao comentar o Declínio do Ocidente Coletivo, quando os seus ministros se comportam como pirralhos em Bali para evitar serem vistos com ele: aquele era “o seu entendimento dos protocolos e da polidez”.
Isso é conversa diplomática para “bandos de imbecis”. Ou pior: bárbaros culturais, pois eles foram incapazes de respeitar os hiper polidos hospedeiros indonésios, os quais abominam a confrontação.
Lavrov prefere exaltar o trabalho “estratégico e construtivo conjunto russo-chinês quando confrontado com um ocidente muito agressivo. E isso nos traz para a primeira obra-prima do teatro de sombras em Bali – completo com várias camadas de nevoeiro geopolítico.
A mídia chinesa, sempre a flirtarem com o opaco, tentaram apresentar a sua cara mais corajosa de sempre ao retratarem como “construtiva” a reunião de mais de 5 horas entre o ministro dos Estrangeiros Wang Yi e o secretário Blinken.
O fascinante aqui é que os chineses acabaram por deixar escapar algo crucial no texto do seu relatório final – obviamente aprovado pelos poderes em vigor.
Lu Xiang, da Academia Chinesa de Ciências Sociais, passou por leituras anteriores – especialmente do “Yoda” Yang Jiechi que habitualmente transforma Jake Sullivan em pato assado – e enfatizou que desta vez as “advertências” de Wang aos americanos foram “as de formulação mais severa”.
Isso é o código diplomático para “é melhor você ter cuidado”: Wang a dizer ao pequeno Blinkie, “basta ver o que os russos fizeram quando perderam a paciência com as suas travessuras”.
A expressão “beco sem saída” era recorrente durante a reunião Wang-Blinken. Assim, o Global Times acabou por contar o que realmente se passa: “Os dois lados estão perto de um confronto”.
“Confronto” é o que o fanático de End of Days e o aspirante a [gangster] Tony Soprano Mike Pompeo prega fervorosamente do seu púlpito de ódio, enquanto o pequeno grupo por trás do senil “líder do mundo livre” que literalmente lê teleprompters, trabalha ativamente para o esmagamento da UE – de mais de uma maneira.
O pequeno grupo no poder em Washington realmente “apoia” a unificação da Grã-Bretanha, Polónia, Ucrânia e Os Três Anões Bálticos como uma aliança separada da OTAN/UE – tendo em vista o “fortalecimento do potencial de defesa”. Essa é a posição oficial do embaixador dos EUA junto a OTAN, Julian Smith.
De modo que o objetivo imperial real é dividir a já estilhaçada UE em peça de mini-união, todas elas bastante frágeis e evidentemente mais “manejáveis”, enquanto os eurocratas de Bruxelas, cegos pela mediocridade ilimitada, obviamente não vêm o que está para vir.
O que o Sul Global está a comprar
Putin sempre deixou muito claro que a decisão de lançar a Operação Z – como uma espécie de “operação combinada de arma e polícia” antecipativa, como definido por Andrei Martyanov, foi cuidadosamente calculada, considerando um conjunto de vetores materiais e sócio-psicológicos.
A estratégia anglo-americana, por sua vez, concentra-se numa única obsessão: condenar qualquer possível reestruturação da atual “ordem internacional baseada em regras”. Nenhum obstáculo é proibido para assegurar a perpetuidade desta ordem. Isto é de fato Totalen Krieg – caracterizada por várias camadas híbridas e bastante preocupante, apenas a uns poucos segundos da meia-noite.
E aí está o problema. O Corredor da Desolação está rapidamente a tornar-se o Corredor do Desespero, quando toda a matriz russofóbica se mostra nua, destituída de qualquer poder de fogo ideológico – e mesmo financeiro – para “vencer”, além de despachar uma coleção de HIMARS para um buraco negro.
Geopoliticamente e geoeconomicamente, a Rússia e a China estão em vias de comer o OTANstão vivo – de mais de um modo. Aqui, por exemplo, está um roteiro sintético de como Pequim tratará a próxima etapa do desenvolvimento de alta qualidade através do aperfeiçoamento industrial orientado pelo capital, concentrando-se na otimização de cadeias de abastecimento, substituição de importações de tecnologias hard e em “campeões invisíveis” da indústria.
Se o ocidente coletivo está cegado pela russofobia, o êxito governante do Partido Comunista Chinês – o qual numas poucas décadas melhorou as vidas de mais pessoas do que em qualquer outro tempo da História – deixa-o completamente louco.
Não há muito, em 2013, junto à torre de vigia Rússia-China, Xi Jinping lançava a BRI. Após o Maidan em 2014, Putin lançou a União Económica da Eurásia (EAEU) em 2015. Crucialmente, em maio de 2015, uma declaração conjunta Rússia-China selava a cooperação entre a BRI e a EAEU, com o papel significativo assinalado à SCO.
A integração mais estreita avançou com o fórum de S. Petersburgo em 2016 e o fórum da BRI em 2017. O objetivo geral: criar uma nova ordem na Ásia e por toda a Eurásia, de acordo com o direito internacional e mantendo as estratégias individuais de desenvolvimento de cada país e respeitando sua soberania nacional.
Isto, em essência, é o que a maior parte do Sul Global está a comprar. É como se houvesse um entendimento instintivo transfronteiriço de que a Rússia-China, contra sérios obstáculos e enfrentando graves desafios, a atuarem por ensaio e erro, estão na vanguarda do Choque do Novo, ao passo que o ocidente coletivo, nu, atordoado e confuso, com as suas massas completamente zumbificadas, é sugado para dentro do turbilhão da desintegração psicológica, moral e material.
Não há dúvida de que o indicador de sofrimento será agravado, de mais de uma maneira.
13/julho/2022
[NR] Woke: Ideologia patrocinada pelo Partido Democrata dos EUA destinada a enganar melhor os trabalhadores. Trata-se de manifestar preocupações identitárias com toda espécie de minorias (afros, índios, gays, lésbicas, aleijados, etc) ou com falsos problemas (ex.: aquecimento global) mas evitando cuidadosamente toda e qualquer referência à classe operária, à exploração dos trabalhadores, ao saqueio das riquezas do Sul Global, ou às guerras de agressão imperialistas. Esta ideologia também é exportada e por vezes adotada pela “esquerda” liberal de outros países.
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