por Luis Nassif
Peça 1 – Kenneth Blanco e o destino manifesto
A apresentação de Kenneth Blanco, vice-procurador adjunto do Departamento de Justiçam em evento ocorrido em julho de 2017, foi surpreendente. Especialmente pela intimidade com que tratou um dos membros do evento, então Procurador Geral da República Rodrigo Janot.
Depois, deu uma aula completa sobre como se desenvolveu o relacionamento do Departamento de Justiça (DOJ) com o Ministério Público Federal brasileiro, que ele taxou de melhor relação da história. E confirmou o que o Jornal GGN já havia antecipado desde a visita de Rodrigo Janot ao DOJ em fevereiro de 2015.
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E também sobre a maneira como Sérgio Moro e os procuradores de Curitiba tiveram acesso a informações tão relevantes que permitiram a eles, no interior do país, assumir o controle de uma investigação cujos crimes foram cometidos no Rio de Janeiro com personagens de Brasília.
Segundo Blanco, o Departamento de Justiça ajudou na coleta de provas e na preparação do caso. Criou-se uma relação de confiança que permitiu que procuradores tivessem comunicação direta, íntima, sem depender de procedimento oficiais, que geralmente levam tempo.
Criou-se uma metodologia passando ao largo dos procedimentos legais.
No início da investigação o procurador brasileiro pode ligar para seu parceiro estrangeiro e pedir informações. Quando a denúncia estiver pronta, formaliza o pedido de envio de provas, aí através do Ministério da Justiça.
Segundo Blanco, a condenação de Lula colocou o Brasil como protagonista principal da luta contra a corrupção.
Finalmente, ele expôs de maneira detalhada as relações com outros Ministérios Públicos latino-americanos. Segundo ele, não foi coincidência ele e “Rodrigo” estarem juntos no evento ou na cidade. Também “meus amigos” Raul Cervantes, Procurador Geral do México, os procuradores equatorianos em reunião com a Sessão de Fraudes, ou procuradores panamenhos “enviados pela minha grande amiga, Procuradora Kenia Porcell, ou ainda encontros em Bogotá com o Procurador Geral colombiano.
Como afirmou Blanco: “Não apenas estamos falando. Estamos agindo”.
Encerrou a fala com a cantilena repetida por aqui pelos procuradores brasileiros: a corrupção é a principal responsável pela falta de estradas, de escolas, de segurança, de desenvolvimento. Um discurso fácil, que joga para segundo plano relações econômicas, projetos nacionais, cartéis e oligopólios, industrialização, os negócios do grande capital.
E aí, entrou em cena o destino manifesto, que ao longo do século 20 inspirou as várias formas de interferência norte-americana na vida dos países: “Há algo importante acontecendo no mundo e nós, do Departamento de Justiça continuaremos avançando contra a corrupção onde ela estiver. Não haverá refúgio ou descanso para os perversos”.
Peça 2 – a declaração do Atlantic Council
O quadro ao fundo da fala de Blanco, com a menção ao organizador do encontro, American Council, passou relativamente despercebido.
Mas o anfitrião tornou-se mais presente quando articulou uma declaração visando pressionar a VII Cúpula das Américas, que ocorrerá em abril no Peru.
Entre outros signatários nosso bravo Rodrigo Janot, já em seu terno de ex-Procurador Geral da República do Brasil, e totalmente esquecido de sua missão de servidor do Estado brasileiro.
- Em relação ao poder nacional, o grupo do Atlantic Council propõe inclusive participar dos critérios de seleção de juízes e procuradores:
- Melhorar a cooperação internacional do Ministério Público, incluindo a partilha de provas através da colaboração direta entre procuradores sem interferência do poder executivo e facilitação da negociação de argumentos em diversas jurisdições.
- Fortalecer a independência e a autonomia judicial de acordo com os padrões interamericanos e internacionais, inclusive através do suporte técnico para melhorar os processos de seleção para juízes e procuradores.
- Em relação aos fóruns regionais de direitos humanos, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), as propostas são impositivas:
- Criar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) uma nova proposta especial sobre direitos humanos e corrupção e obrigar a CIDH a comissionar um relatório especial sobre o nexo entre corrupção e direitos humanos.
Finalmente, se chega ao ponto: quem é essa tal de American Council?
Peça 3 – o guru do Atlantic Council e o governo mundial
Antes de detalhar mis a atuação do American Council, vamos conhecer um pouco melhor o pensamento do seu principal guru, Harlan Ulmann, autor do premiado livro “Anatomia do fracasso: porque a América perde todas as guerras que começa”, e consultor que influenciou o secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, na guerra do Iraque.
Seu enfoque não é mais no conflito entre nações, mas contra os agentes não estatais que ameacem a nova ordem mundial.
Procurando pelo Google, o único registro brasileiro foi no GGN, em 2014 no artigo “A revolução da informação e a nova ordem mundial”, de 15 de agosto de 2013.
Consegui encontrar o artigo original, justamente no Blog de Ullman no Atlantic Council. Sob o título “Guerra contra o terror não é a única ameaça”, diz ele:
Em termos simples, a Al-Qaida é sintomática de mudanças muito maiores na estrutura do sistema internacional. O principal inimigo e adversário já não são estados inclinados a interromper ou dominar o sistema, apesar daqueles que veem a China como um futuro inimigo.
Em vez disso, o perigo mais imediato reside no empoderamento dramático de indivíduos e grupos, para o bem e tristemente mal, muitas vezes agrupados como “atores não estatais”.
Edward Snowden, Bradley Manning, inúmeros “hackers” e pessoas anônimas que enviam cartas preenchidas com antraz, cujas ações realmente constituíram ameaças reais e interrupções sistêmicas”.
Em suma, se o Tratado de Westphalia, em 1648, marcou o inicio da nova ordem internacional, centrada no Estado, o 11 de Setembro marcou o início da nova era. A nova guerra consiste na “contenção, redução e eliminação dos perigos colocados por atores não estatais recém-habilitados”.
No artigo republicado pelo GGN, o autor Paul Joseph Watson encontrou semelhança entre a retórica de Ullman e a de Zbigniew Brzezinski, que “em 2010, durante uma reunião do Council on Foreign Relations, alertou que um “despertar político global”, em combinação com a luta interna entre a elite, estava ameaçando descarrilar a transição para um governo mundial”.
Peça 4 – o pensamento do Atlantic Council
Um levantamento dos artigos publicados em seu portal permite saber mais sobre o pensamento do Atlantic Council:
Sobre direito internacional
Um número crescente de políticos e analistas europeus vê a lei como uma forma de resolver problemas internacionais não apenas entre os estados, mas também dentro deles, como o fracasso do estado de direito em algumas sociedades. Mas os Estados Unidos – que certamente não rejeitaram o direito internacional – são cautelosos sobre como um tribunal internacional permanente pode afetar seus interesses como uma superpotência com responsabilidades e interesses globais.
Sobre fakenews
À frente das eleições no Brasil, na Colômbia e no México, as falsas narrativas espalhadas nas notícias e nas mídias sociais agora são construídas para dois propósitos: 1) disseminar mentiras e 2) criar uma incerteza ou suspeita profunda. Como foi observado na construção das eleições europeias, essas narrativas são projetadas por atores malignos para influenciar o resultado de uma eleição de maneira tal que costuma discordar e prejudica a fé na democracia.
Sobre as eleições no Brasil
No Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece estar pronto para um retorno nas eleições de outubro (…)Uma vitória de Lula ou Bolsonaro pode ser disruptiva, potencialmente descarrilando a frágil recuperação econômica do Brasil.
Sobre o Judiciário brasileiro
A decisão de hoje (condenação de Lula) (…) mostra a força e a resiliência do judiciário brasileiro após anos de investigações de corrupção. Mesmo um ex-presidente popular não está acima do estado de direito.
As decisões dos três juízes para defender a convicção de Lula – e aumentar a sentença de nove anos e seis meses para doze anos e um mês – é histórica para os brasileiros que desejam justiça.
Sobre a política econômica
O NAFTA permitiu que a integração norte-americana alcance níveis que não poderíamos ter sonhado há vinte anos. Quer se trate de compartilhamento de informações com nossos homólogos mexicanos e canadenses, ou operações conjuntas que atendam aos propósitos de segurança dos Estados Unidos, ou trabalhando em conjunto em questões ambientais, existe uma ampla cooperação que se aprofundou entre os nossos parceiros norte-americanos por causa do NAFTA.
Peça 5 – os think tanks e os lobbies
Finalmente, entra-se na verdadeira natureza do Atlantic Council: ser um local de lobby entre grandes grupos econômicos, países e autoridades e parlamentares norte-americanos.
Ele surgiu em 1961, estimulado pelos ex-secretários de Estado Dean Acheson e Christian Herter, como forma de apoio à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Foram montados Atlantic Council em vários países.
Nos últimos anos, ao lado de outros think tanks como The Brookings Institution, o mais respeitado deles, tornou-se um foco de lobby escancarado. Sua receita saltou de US$ 2 milhões para US$ 20 milhões.
O The New York Times dedicou uma extensa reportagem denunciando a apropriação desses centros por lobbies econômicos e de países.
São denunciados vários estudos viciados, com as conclusões induzidas pelos patrocinadores. Foi o caso da Lennar Corporation, uma das maiores construtoras dos Estados Unidos, que financiou um estudo da Brookings sobre a revitalização de uma faixa de São Francisco.
Segundo a reportagem, “os think tanks, que se posicionam como “universidades sem estudantes”, têm poder nos debates sobre políticas governamentais porque são vistos como pesquisadores independentes de interesses financeiros. Mas na busca de fundos, os think tanks estão empurrando agendas importantes para os doadores corporativos, às vezes desmascarando a linha entre pesquisadores e lobistas. E eles estão fazendo isso enquanto colhem os benefícios de seu status isento de impostos, às vezes sem divulgar suas conexões com interesses corporativos”.
O Atlantic Council montou esquema semelhante com a Fedex – empresa de transporte de cargas leves – visando um acordo de livre comércio que beneficiaria a empresa.
Segundo o NYT, “seis meses antes do lançamento do relatório, a FedEx e o think tank trabalhavam em planos para usar o relatório como uma ferramenta de lobby”.
O trabalho de lobby foi criticado por especialistas consultados pelo NYT, como Joseph Sandler, advogado especializado. “Um escritório de advocacia ou empresa de lobby, você espera que eles sejam advogados”, acrescentou Sandler. “Já os think tanks possuem esta pátina de neutralidade acadêmica e objetividade, e isso está sendo comprometido”.
A reportagem tratou mais dos acordos envolvendo essas instituições e governos estrangeiros. Segundo a senadora democrata Elizabeth Warren, “são corporações gigantes que descobriram que gastando, ei, algumas dezenas de milhões de dólares, se eles podem influenciar os resultados aqui em Washington, eles podem fazer bilhões de dólares”.
Peça 6 – atropelando o interesse nacional
Nosso colunista André Araújo, autor de vários artigos denunciando a extravagância do acordo firmado pela PGR com o Departamento de Justiça, resumiu a parceria:
“Não é de meu conhecimento nenhum outro Pais colaborar com o DofJ para investigar empresas e pessoas seus nacionais, lembrando que quando se pede ao DofJ para investigar uma empresa brasileira se está expondo essa empresa para ser processada por quem está investigando, o que ocorreu com a Petrobras e Embraer e mais um bom numero de empreiteiras brasileiras.
Em todo esse processo em nenhum momento se viu o Ministério da Justiça ou o Ministério das Relações Exteriores defender o Estado brasileiro nem no Brasil e nem em Washington, por não ter coragem de colocar o interesse do Estado acima do interesse da justiça interpretada pelo PGR a seu modo.
O conceito de soberania foi inteiramente ignorado a favor de uma causa, a da justiça individual, o que algo raro na história dos paises.
O normal é sempre prevalecer o interesse do Estado acima da justiça individual, a qual está abaixo do interesse do Estado, mais amplo do que o da justiça. É a lei da logica na geopolítica internacional.
A Procuradoria Geral da República perdeu essa noção de soberania entre países , pensou pequeno por intenção ou ignorância do que seja geopolítica ou pior ainda, por vaidade de ser admirado por procuradores americanos como participantes de uma causa que não é neutra do ponto de vista de interesse de Estados”.
Essa colaboração foi a gazua que permitiu, mais adiante:
- a completa abertura do pré-sal,
- o desmantelamento da Petrobras, com a venda de partes relevantes, como oleodutos, gasodutos, subsidiários no exterior;
- a venda da Embraer para a Áfirca;
- a saída completa das empreiteiras brasileiras da África e da América Latina;
- a queima da MARCA Brasil no mundo, provocando desgaste diplomático e desprestigio do Pais, agora apontado como o mais corrupto entre os grandes países, o que é falso.
É inegável que todos os que se submeteram aos afagos do Atlantic Council, de Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato a Rodrigo Janot, definiram claramente suas lealdades: não mais com o Brasil, mas com a nova ordem global.
E custaram mais barato que as miçangas com que os colonizadores portugueses desarmaram as defesa indígenas: bastou o afago ao ego.