Jair Bolsonaro, Fabrício Queiroz e Frederick Wassef (Foto: Reuters | Reprodução)
Jerferson Miola*
Desde a prisão de Fabrício Queiroz, em 18/6, Bolsonaro vive o período mais ameaçador para sua continuidade na Presidência. E não é para menos. Por isso está tão acuado.
Afinal, Queiroz é o parceiro de pescarias e churrascadas; o amigo íntimo; comparsa e, ao mesmo tempo, tesoureiro e capataz dos negócios ilícitos da FaMilícia no Rio das Pedras e em outros territórios dominados pela milícia. Queiroz, enfim, conhece segredos inconfessáveis do clã.
Consciente dos enormes riscos que corre, Bolsonaro tenta obedecer à orientação de transparecer menos truculento, menos podre e menos asqueroso que, de fato, é. Como um tigre não consegue se “destigrar”, apesar, contudo, do esforço em mostrar-se diferente, ele não consegue simular que “não é um tigre”, como ficou notório na live em que um sanfoneiro interpreta a Ave Maria de Schubert para “os que se foram”.
Um arguto jornalista português destacou que não ficou claro se Bolsonaro se referia aos “que se foram” como sendo gatos, ratos, insetos ou, quem sabe, os mais de 56 mil seres humanos mortos devido à negligência e incompetência do governo militar no enfrentamento da epidemia.
As provas colhidas no inquérito que levou à prisão de Queiroz tornaram inevitável tanto a cassação de Flávio Bolsonaro pelo Senado, como a autorização do início do impeachment de Jair Bolsonaro pela Câmara.
Se o Congresso de maioria oligárquica tivesse o mínimo de honradez, decência e dignidade, teria tomado estas 2 providências profiláticas para a democracia – a cassação de Flávio e o impeachment de Jair – logo no dia seguinte à prisão do tesoureiro e capataz do clã Bolsonaro.
O Congresso, ao invés disso, aproveitou a debilidade do Bolsonaro para chantageá-lo e acelerar a agenda anti-soberania, anti-povo e anti-nação. A elite representada pelo DEM, PSDB, MDB, PTB, PSD, PP, PTB e todas agremiações de direita e extrema-direita do espectro político, se alinharam com os militares na ordem unida do “fica Bolsonaro”.
FHC, o canalha que orquestrou o golpe para derrubar Dilma e é o principal porta-voz dos interesses oligárquicos, chegou a dizer que é preciso ter “tolerância com Bolsonaro” [sic].
O “Direitos Já”, movimento enganoso criado pela direita como corruptela da memorável campanha das “Diretas Já!”, de 1984, não faz uma única menção ao afastamento do Bolsonaro, ao fascismo e, menos ainda, à restituição dos direitos políticos ilegalmente subtraídos do ex-presidente Lula pela Lava Jato de Moro e Dallagnol.
A oligarquia deixou claro que sua prioridade não é o impeachment do Bolsonaro. E também deixou claro que tampouco prioriza ou tem urgência em interromper o ciclo de barbárie que extermina vidas humanas.
As dezenas de pessoas cínicas e hipócritas que a cada dia se dizem arrependidas de ter votado em Bolsonaro em 2018 apesar de saberem quem ele era [apologista da tortura e admirador de torturador], não hesitariam em repetir a dose em 2022, se Haddad e Bolsonaro se enfrentassem outra vez.
Esta oligarquia calhorda agora aproveita a pandemia para acelerar os ataques brutais ao mundo do trabalho e aprofundar o saqueio e a pilhagem do país.
Em plena pandemia a oligarquia covardemente aprovou a MP 936, que opera uma verdadeira reestruturação produtiva do capitalismo com demissões em larga escala e redução do valor real do salário dos trabalhadores para oportunizar o aumento da taxa de lucro dos capitalistas.
Em paralelo, a maioria oligárquica do Congresso ainda aprovou o socorro trilionário a banqueiros especuladores que acumularam bilhões de lucros especulando com títulos tóxicos e agora entregam títulos podres em troca de dinheiro bom do Banco Central.
E, finalmente, no último dia 24/6, na contramão de mais de 40 países do mundo que re-municipalizaram e re-estatizaram o setor de água e saneamento que havia sido equivocadamente privatizado na farra neoliberal dos anos 1990, a oligarquia aprovou a privatização do setor de abastecimento de água e saneamento no Senado.
Essa medida viabiliza um negócio lucrativo não inferior a 700 bilhões de reais a grupos financeiros nacionais e, principalmente, estrangeiros. No médio prazo, o resultado será escassez de água, aumento de tarifas, aumento de doenças infecto-contagiosas e de mortes por causas medievais que retornarão com a privatização da água e saneamento.
Como fica evidente, o Brasil está submerso numa guerra de ocupação que viabiliza a pilhagem e o saqueio inaudito das riquezas e do patrimônio nacional.
E, para agravar, o exército brasileiro é o “garante” da ocupação e da usurpação promovida por forças externas.
A preservação formal do Bolsonaro na Presidência, neste sentido, é uma hipótese realista. Mesmo que ele continue como um zumbi. E mesmo que com consequências pensáveis e impensáveis como, por exemplo, a hipótese de soltura do Queiroz, que ficaria desestimulado a delatar os comparsas.
*Jerferson Miola, Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial