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quarta-feira, 17 abril, 2024

Tudo pela soberania imperial:  EUA fazem guerra contra China tecnológica 

QIAO COLLECTIVE, China (traduzido)

Com o TikTok, Donald Trump está acrescentando a coerção, pelo Departamento de Estado, ao seu kit de ferramentas relacionadas à “arte do acordo”. Depois de meses fingindo preocupação de que o aplicativo viral TikTok operaria como “cavalo de Troia”, pelo qual o Partido Comunista da China acessaria dados dos consumidores norte-americanos, o governo Trump emitiu um ultimato: a empresa chinesa teria de vender o aplicativo a comprador norte-americano, ou seria fechada.

Microsoft apresentou-se como potencial compradora de TikTok, clone do aplicativo de vídeo chinês Douyin, feito sob medida para o público ocidental. O aplicativo possui cerca de 100 milhões de usuários nos Estados Unidos e a empresa controladora, ByteDance, foi avaliada em US$100 bilhões.

Os avanços da Microsoft, combinados à ‘ordem’ de Trump de que, para facilitar a transação, TikTok pague “uma quantidade substancial de dinheiro” ao Tesouro dos Estados Unidos, deixam claro que não se trata de proteger dados de consumidor algum.

Certamente, nem as preocupações do Vale do Silício nem as de Washington são preocupações legítimas sobre questões de segurança, dadas a bem documentada colaboração de longa data entre os gigantes da tecnologia Facebook, Amazon, Microsoft e outros, e a NSACIAFBI e ICE [Immigration Customs Enforcement (Agência para Imigração e Aduana). Mas a proteção ao consumidor não é senão disfarce conveniente para o que realmente se passa: a venda forçada da TikTok, sob coação política, é simples movimento de bandoleiro de estrada, em que o assaltante é Vale do Silício/Departamento de Estado.

A saga TikTok é parte de uma estratégia geopolítica maior, para obstruir, isolar e fazer descarrilhar a florescente indústria de tecnologia da China.

A China demarcou a inovação tecnológica, mediante sua iniciativa inovadora Made in China 2025 (MIC 25), como pedra angular de seus esforços mais amplos para escalar a cadeia de valor da manufatura, deixar para trás o papel que teve, de “fábrica do mundo”, para entrar no domínio da inovação e da fabricação de alta-tecnologia. Esse ‘ponto de chegada’ superior da cadeia de valor tem sido, historicamente, domínio exclusivo dos EUA, Europa e aliados estratégicos, dentre os quais Japão e Coréia do Sul.

Está agora mais claro do que nunca, que os EUA não cederão sem luta essa sua supremacia tecnológica. Da venda forçada do TikTok, às sanções contra a gigante chinesa das telecomunicações Huawei, os EUA estão deixando ver uma nova doutrina de contenção digital, projetada para manter a China no seu velho lugar histórico, como polo manufatureiro semiperiférico.

A modernização industrial é a chave para a construção socialista da China, desde a era Mao. Durante décadas, o PCC identificou como principais contradições da sociedade chinesa a “produção social atrasada” e as crescentes necessidades materiais do povo.

Desde as aspirações de Mao, de fazer crescer a indústria e reduzir a dependência externa, transformando a China em exportador líquido de aço, tem-se definido, como objetivo de alta importância para construir o socialismo chinês, tornar a China tecnologicamente competitiva no cenário mundial.

Planos ambiciosos como o “Made in China” (MIC 2025) mostram o quanto a China avançou desde a época de Mao e seus fornos de aço de quintal.

A iniciativa econômica, apresentada pela primeira vez pelo Conselho de Estado em 2015, visa a transformar a China em líder global em Inteligência Artificial, robótica, telecomunicações e tecnologia da informação, por meio de subsídios, indústria estatal e transferência de tecnologia.

As autoridades chinesas conceberam a iniciativa como forma de sair da manufatura de baixo valor e contornar a chamada “armadilha da renda média”. Essa visão de soberania econômica com alta tecnologia está em oposição ao papel econômico predeterminado pelas potências ocidentais, que mediaram a entrada da China no mercado capitalista global nas últimas quatro décadas.

Como a ‘fábrica do mundo’, a China fabrica mais de 90% dos smartphones do mundo, mas até recentemente as marcas chinesas representavam parcela insignificante das vendas. O papel da China como centro de manufatura de baixo valor – fonte de mão de obra barata para as Apples e IBMs e algumas outras – foi extremamente lucrativo para os capitalistas ocidentais. E, claro, também permitiu que a China capturasse uma fração desses lucros, postos a serviço da construção da capacidade produtiva da nação, a serviço da construção do socialismo e do investimento para promover indústrias domésticas competitivas.

A “curva sorriso” ilustra os processos de alto valor agregado da indústria. Historicamente, a China ocupava a região de manufatura de baixo valor da curva, tendência que o projeto MIC 2025 busca remediar.

A China saltar para o domínio dos eletrônicos de consumo de griffe é movimento que perturba o sistema econômico mundial predeterminado dos projetos do Ocidente.

Portanto, não é surpresa que à revelação ao mundo dos projetos de MIC 2025 tenha correspondido o aumento do antagonismo econômico do Ocidente, contra a República Popular da China.

Invocando a linguagem imperialista do livre comércio, os conselheiros econômicos da UE e dos EUA protestaram contra o, como disseram, plano para “minar as regras do comércio internacional” e “fazer pender o campo de jogo, em favor dos jogadores chineses”.

No falar hipócrita de ‘livre comércio’ e ‘mercados abertos’, que definiu a hierarquia econômica neocolonial da era “pós-colonial”, a indústria estatal da China, os subsídios e a priorização do que a China conhece como “inovação indígena” equivaleriam ao que o Ocidente habituou-se a demonizar como “discriminação” contra empresas estrangeiras. (Ninguém lembra que muitas dessas mesmas políticas econômicas definiram a abordagem dos chamados “tigres asiáticos”, muitos dos quais foram elogiados por sua fidelidade à agenda geopolítica dos Estados Unidos.)

Nessa visão de mundo, a China não passaria de fábrica enorme e estúpida, país de imitadores e ladrões de loja na melhor das hipóteses, incapaz do tipo de inovação e criatividade necessário para ser líder mundial em tecnologia de consumo.

O sucesso de Huawei, TikTok e outros inovadores chineses prova que a visão de mundo ocidental racista está errada.

Embutido nessas alegações, está um sentimento paternalista de que a China deveria ‘saber o seu lugar’. Relatório sobre o MIC 2025 para a Câmara de Comércio da União Europeia advertia: “A China foi a fábrica do mundo; e agora quer mais.” A descrição das aspirações de desenvolvimento da China como “arrogantes”, até mesmo agressivas, revela a mentalidade chauvinista ocidental quanto ao lugar ‘adequado’ da China na cadeia de abastecimento global.

Apesar do aparente foco da guerra comercial nas compras e tarifas agrícolas, muitos identificaram o MIC 2025 como o antagonista silencioso por trás das ansiedades dos EUA em relação à agenda econômica da China. Por exemplo, Lorand Laskai do Conselho de Relações Exteriores descreveu o projeto MIC 2025 como “o vilão central, a verdadeira ameaça existencial à liderança tecnológica dos EUA”.

Na verdade, as tarifas impostas pelos EUA identificaram explicitamente o próprio alvo prioritário: o envolvimento do Estado e o protecionismo.

Em depoimento ao Senado em 2019, Bonnie Glaser, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, observou que as autoridades chinesas “abandonaram as referências ao MIC 2025 em documentos oficiais e na mídia oficial” em resposta ao escrutínio e pressão dos EUA.

O uso agressivo de tarifas e ameaças contra a virada tecnológica na construção da China socialista deixou claro que a chamada “guerra comercial” era parte de uma agenda imperialista mais ampla, para impedir a ascensão da China na cadeia de valor global.

Mas a cenoura e o porrete nas negociações da guerra comercial – canto do cisne da era do envolvimento sino-americano que Mike Pompeo declarou recentemente um “fracasso” – deu lugar à postura ‘linha-dura’.

Numa atualização digital da doutrina de contenção, da Guerra Fria, os Estados Unidos estão tentando bloquear a indústria de tecnologia da China, para impedi-la de alcançar mercados e cadeias de abastecimento importantes.

A ameaça de proibição do TikTok pelos EUA – já proibido na Índia e sob escrutínio na Austrália, UE e Japão – é apenas a mais recente tentativa para fechar uma cortina de ferro digital em torno das principais marcas de tecnologia da China.

Durante anos, os EUA construíram o caso de que a Huawei (que acaba de eclipsar a Apple, como a marca de smartphones mais popular entre os consumidores chineses) seria substituto das supostas ambições globais do Partido Comunista da China.

O Departamento de Estado tem-se esforçado para pressionar aliados e estados clientes a proibir a Huawei de construir infraestrutura 5G crítica, ameaçando cortar aliados da inteligência dos EUA caso sejam “comprometidos” pela infraestrutura da Huawei. No momento, Huawei 5G está efetivamente banido dos Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Coréia do Sul e Taiwan. Enquanto isso, sob pressão do governo dos Estados Unidos, o Google removeu dos dispositivos Huawei a funcionalidade da Google Play Store, bloqueando efetivamente os usuários da Huawei de aplicativos onipresentes como Gmail, YouTube e Google Play.

Ainda mais, em maio os EUA tomaram medidas para cortar o acesso da Huawei a chips semicondutores construídos com tecnologia americana – componente crítico da fabricação de smartphones, em cuja capacidade doméstica de produção a China ainda está atrasada. Incapazes de vencer a Huawei na corrida para o 5G, os EUA recorreram à força da diplomacia ‘bruta’, para excluir a marca chinesa de áreas inteiras do mercado global.

Os EUA classificaram a ascensão tecnológica da China em termos fortemente racializados e politizados. Huawei, TikTok e outras corporações chinesas foram definidos como “tentáculos do Partido Comunista Chinês”, nas palavras de Mike Pompeo. Convocando para um “despertar” do chamado mundo livre, contra para a ameaça iminente da China, Pompeo advertiu que “fazer negócios com uma empresa apoiada pelo PCC não é o mesmo que fazer negócios com, digamos, uma empresa canadense”.

Peter Navarro colocou a ameaça de invasão chinesa em termos ainda mais carnais: disse que “as mães da América têm de se preocupar, se o Partido Comunista Chinês descobre onde estão seus filhos”.

Sob a Nova Guerra Fria contra a China, empresas chinesas, produtos e até estudantes estrangeiros seriam todos ‘agentes autorizados’ potenciais para que o Partido Comunista infiltre-se na “segurança nacional” e no própria seio da família americana.

São muito visíveis os pontos em que estão apostados os esforços liderados pelos EUA para frustrar a autossuficiência tecnológica chinesa.

Além dos próprios programas de desenvolvimento econômico da China, o avanço tecnológico chinês tem historicamente proporcionado benefícios reais a outros aliados do Sul Global, igualmente rejeitados e sancionados pelo regime dos EUA.

A própria Huawei ficou sob fogo imperial por ajudar a construir a infraestrutura sem fio da República Popular Democrática da Coreia, que anteriormente lutava para encontrar patrocinadores internacionais. A Huawei também teve papel semelhante na atualização da infraestrutura de telecomunicações de Cuba. Simultaneamente, as inovações chinesas em criptomoeda podem ter significado histórico na quebra da hegemonia da diplomacia do dólar americano. E nações sancionadas, graças à ajuda que receberam, puderam e poderão deixar de usar o dólar norte-americano em transações internacionais.

O fato frequentemente esquecido, de que a prisão da CFO da Huawei Meng Wanzhou no Canadá foi motivada por supostas violações das sanções dos EUA ao Irã, é mais um exemplo de como a ascensão tecnológica chinesa é vista como ameaça contra a estabilidade da hegemonia imperial dos EUA.

Apesar da imagem popular de cintilantes arranha-céus chineses e de passos sem precedentes para erradicar a pobreza, a China continua, sob muitos aspectos, país em desenvolvimento, com PIB per capita mais próximo de México e Tailândia do que de EUA ou Alemanha. A inovação tecnológica desempenha papel crucial nas ambições da China, de crescer e tornar-se nação de alta renda, de resolver a desigualdade urbano-rural e de bem atender às crescentes necessidades materiais de seu povo.

A era dos fornos de aço deu lugar à era dos semicondutores, mas o avanço dos meios de produção industrial da China continua a ser a pedra angular do avanço econômico e social sob o CPC.

A venda do TikTok forçada pela administração Trump é apenas o mais recente movimento numa longa agenda para impedir a modernização da China.

Seguindo sua doutrina da contenção digital, os EUA, supostos paladinos mundiais do livre comércio e da concorrência leal, acabaram por se deixar ver como cão de guarda beligerante na defesa do Estado capitalista, que se dedica a tentar impedir, em todos os casos e sempre, que a China tenha acesso ao mercado… livre (?!)*******

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