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quinta-feira, 3 outubro, 2024

Temer assume agenda das multinacionais do petróleo e desgraça o Brasil

Felipe Coutinho* 

Desde que Temer ascendeu ao poder, o governo assumiu a agenda das multinacionais do petróleo e de seus controladores. Trata-se da agenda do sistema financeiro internacional e dos países estrangeiros que controlam as multinacionais, privadas e estatais.

Mas o que exatamente desejam as multinacionais e seus controladores? Querem a propriedade do petróleo brasileiro, ao menor custo possível, com total liberdade para exportá-lo. Querem acesso privilegiado ao mercado brasileiro. Querem comprar os ativos da Petrobras a preço de banana. Querem garantir a segurança energética dos seus países, no caso das estatais. Querem maximizar o lucro no curto prazo, no caso das privadas.

Então vamos a agenda. A prioridade dos entreguistas e dos agentes estrangeiros é proporcional aos benefícios da consecução de cada objetivo. A cronologia das metas é importante porque tem influência no resultado agregado cobiçado.

1- Fim da liderança da Petrobras como operadora única no pré-sal

O senador José Serra (PSDB-SP) apresentou o projeto de lei PLS 131-2015 para alterar a Lei 12.351 de 2010, conhecida como a lei da partilha do pré-sal, que estabelecia a participação mínima de 30% da Petrobras no consórcio de exploração do pré-sal e a obrigatoriedade de que ela fosse responsável pela “condução e execução, direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção”.

O projeto recebeu emenda do Senador Romero Jucá (PMDB-RO) e foi aprovado assim que o governo Temer assumiu o executivo.

Assim as multinacionais ganharam acesso a maiores frações da renda petroleira. Através do controle sobre a velocidade da produção, e da possível extração predatória, do petróleo do pré-sal. Com a possibilidade de fraudar a medição da vazão do petróleo produzido e reduzir a fração partilhada com a União. Com gestão do empreendimento, da operação e dos respectivos custos para redução da fração de “petróleo lucro” partilhada com a União. Além de definir a origem das tecnologias e dos fornecedores de bens e serviços. (AEPET, 2015)

2- Privatização dos ativos e desintegração da Petrobras

A atual direção da Petrobras transformou lucros em prejuízos com a desvalorização de seus ativos, preparando o caminho para as privatizações e desintegração da companhia; interrompeu uma série histórica de 22 anos de reposição de reservas (aumento de reservas superior à produção); entregou o mercado de combustíveis aos concorrentes, por meio da política de preços, ao possibilitar o aumento das importações em 41% em um ano, onerando as contas do país e operando nossas refinarias a 77% da capacidade, contra 98% em 2013. (AEPET, 2017)

As multinacionais se beneficiam pelo acesso ao petróleo brasileiro, sem os riscos que já foram assumidos pela Petrobras. Também se apropriam da infraestrutura levantada pela estatal e do mercado brasileiro que além de grande tem potencial de crescimento.

Para viabilizar os interessas privados e estrangeiros foi construído o “mito da Petrobras quebrada”. Quem pensa que a Petrobras está falida, que a produção do pré-sal é lenta, que o pré-sal é um mico e não tem valor ou que a exportação de petróleo por multinacionais pode desenvolver o Brasil, está sendo enganado. É vítima da ignorância promovida pelos empresários da comunicação, políticos e executivos à serviço das multinacionais do petróleo e dos bancos. (Coutinho, A construção da ignorancia sobre a Petrobrás, 2017) (Oliveira & Coutinho, 2017)

3- Renovação dos subsídios à importação do REPETRO

Por meio do Decreto nº 9.128, de 17 de agosto de 2017, foi prorrogado o prazo de suspensão dos tributos até 31 de dezembro de 2040 prevista no inciso I do art. 376, nos casos dos bens destinados às atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural, cuja permanência no País seja de natureza temporária e que estejam na relação elaborada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB). Cabe destacar que a extensão do prazo também se aplica no caso dos bens destinados às atividades de transporte, movimentação, transferência, armazenamento ou regaseificação de gás natural liquefeito relacionados pela SRFB. (Oliveira J. , 2017)

 

4- Redução das metas do conteúdo nacional

A política de conteúdo local, praticada pela Petrobrás para desenvolver a indústria nacional, foi duramente atingida pelo corte substancial dos índices nas atividades de exploração e produção de petróleo e, pior, dando a entender que isto é bom para o Brasil. Na prática, esta decisão sinaliza o fim do conteúdo local.

Segundo o presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino, “Estão querendo trocar um modelo bem-sucedido, inspirado pela Noruega, por um desastre econômico e social, cujo símbolo entre estudiosos é a Nigéria… Embora este país esteja entre os maiores produtores de petróleo do mundo, 70% da sua população vive abaixo da linha de pobreza e a taxa de desemprego é superior a 20%. Este país é um barril de pólvora. É o que acontecerá conosco, se a Petrobrás deixar de cumprir o seu papel histórico, o de âncora do nosso desenvolvimento industrial.” (AEPET, 2017)

5- Aceleração dos leilões de privatização do petróleo

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou a realização de 10 Rodadas de Licitações de áreas para petróleo e gás natural no período de 2017 a 2019: Foi aprovado o calendário plurianual, até então inédito no Brasil, de rodadas de licitações de blocos exploratórios, concessão e partilha, e de campos terrestres maduros. Entre elas:

A 2ª Rodada de Partilha com áreas unitizáveis do pré-sal e a 3ª Rodada de Partilha, realizadas em 27/10/17.

4ª Rodada de Partilha, prevista para maio de 2018. Deverão ser avaliados os prospectos de Saturno, Três Marias e Uirapuru, na Bacia de Santos, e os blocos exploratórios C-M-537, C-M-655, C-M-657 e C-M-709, situados na Bacia de Campos;

5ª Rodada de Partilha, prevista para o segundo semestre de 2019. Deverão ser avaliados os prospectos de Aram, Sudeste de Lula, Sul e Sudoeste de Júpiter e Bumerangue, todos na Bacia de Santos;

Além dos leilões na modalidade da concessão em águas profundas e terrestres.

São medidas de caráter neocolonial que colocam o Brasil em novo ciclo primário exportador por meio das multinacionais estrangeiras do petróleo (privadas e estatais). (Coutinho, A energia e o desenvolvimento soberano em 10 lições, 2017)

6- Apropriação do petróleo excedente da Cessão Onerosa

A Cessão Onerosa é um contrato celebrado entre a Petrobrás e a União, conforme estabelecido na Lei Nº 12.276/2010, através do qual a empresa adquiriu o direito de produzir um volume total de 5 bilhões de barris de petróleo equivalente a partir de seis áreas onde a estatal já havia conduzido estudos exploratórios.

A Lei da Partilha (Lei Nº 12.351/2010) também previa em 2014 a possibilidade de contratação direta da Petrobrás nos casos de interesse estratégico nacional. Utilizando-se deste recurso, na 28a Reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), presidida pela ex-presidente Dilma Roussef em 24 de junho de 2014, aprovou-se a contratação direta da Petrobrás para a produção em regime de partilha do volume de petróleo equivalente recuperável, excedente ao volume contratado sob o regime de Cessão Onerosa.

O caráter estratégico da contratação da Petrobras para a produção do excedente da Cessão Onerosa (9,8 a 15,2 bilhões de barris) em regime de partilha com a União foi comentado pela então presidente da estatal, Maria das Graças Silva Foster em apresentação para analistas divulgada em 27 de junho de 2014. Ela destacou a importância da produção do excedente para a Petrobras para: repor a produção acumulada de seis anos no período de 2020-2030 (reposição de 1,6 a 1,8 bilhão de boe/ano); assegurar de forma antecipada um volume potencial com baixo risco exploratório; permitir maior seletividade nas futuras licitações de áreas exploratórias; economizar em custos de descoberta (deixar de gastar para descobrir e delimitar volumes equivalentes). (Laier & Marinho, 2017)

As multinacionais pretendem que o governo Temer anule a decisão do CNPE pela contratação direta da Petrobras para operação e produção do excedente da Cessão Onerosa pelo regime de partilha. Cobiçam se apropriar desse petróleo, sem riscos, por meio dos leilões de privatização.

7- Redução dos impostos sobre a renda petroleira

A Medida Provisória 795/2017 determina a redução de tributos de empresas envolvidas nas atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural.

Somente para 2018, a previsão de renúncia de receita, decorrente desses incentivos fiscais, é de cerca de R$ 16,4 bilhões, conforme relatório elaborado pela assessoria legislativa da Câmara dos Deputados. (Rede Brasil Atual, 2017)

A Nota Técnica do Consultor Legislativo, Paulo César Lima, informa:

“… a base de cálculo da CSLL e para determinação do IRPJ será reduzida de US$ 23,2 para US$ 1,2 por barril. Assim, esses tributos gerarão uma receita de apenas US$ 0,408, em vez de US$ 7,888 por barril, o que representa uma perda de arrecadação de US$ 7,48 por barril. ”

“A renda do Estado na produção de cada barril de petróleo a US$ 60 é reduzida de US$ 22,69 para US$ 15,208 por barril, o que representa uma participação governamental total de apenas 40%”.

“Estima-se que apenas o campo de Libra tenha volumes recuperáveis de petróleo equivalente acima de 10 bilhões de barris. Aprovada a MPV nº 795/2017, estendidos seus efeitos e admitida uma perda de arrecadação de IRPJ e de CSLL de US$ 7,48 por barril, a redução de receita tributária seria de US$ 74,8 bilhões apenas no campo de Libra. ”

“Nos vários campos do Pré-Sal, a redução de receita tributária de IRPJ e CSLL poderia ser superior a R$ 1 trilhão. ” (Lima, 2017)

 

8- Privatização do petróleo da Cessão Onerosa

A Cessão Onerosa é um contrato celebrado entre a Petrobrás e a União, conforme estabelecido na Lei Nº 12.276/2010, através do qual a empresa adquiriu o direito de produzir um volume total de 5 bilhões de barris de petróleo equivalente a partir de seis áreas onde a estatal já havia conduzido estudos exploratórios: Florim (Itapu*), Franco (Búzios*), Sul de Guará (Sul de Sapinhoá*), Entorno de Iara (Norte e Sul de Berbigão-Norte e Sul de Sururu-Atapu*), Sul de Lula (Sul de Tupi*), e Nordeste de Tupi (Sépia*). Dentre estes, destaca-se o campo de Búzios, maior super gigante do Pré-Sal, contendo um volume de óleo in place (VOIP) de 29,8 bilhões de barris e um volume de gás associado de 641,1 bilhões de m3 (Ref.: BAR 2015 in Sumário Exploratório ANP de Búzios). Por este direito, a Petrobras pagou à União o montante total de R$ 75 bilhões (US$ 42 bilhões). Através da Cessão Onerosa, a União aumentou sua participação acionária na estatal. (Laier & Marinho, 2017)

O deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) apresentou o Projeto de Lei 8939/2017 que autoriza a Petrobras a vender até 70% dos 5 bilhões de barris de petróleo adquiridos no regime de Cessão Onerosa em 2010. (Aleluia, 2017)

A imprensa repercute que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pretende dar prioridade para o projeto do deputado José Carlos Aleluia. (Jornal Valor, 2017)

9- Abertura do mercado de trabalho para estrangeiros

Segundo a nota de repúdio da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fiseng):

“O governo federal anunciou o envio de um projeto de lei, ao Congresso Nacional, com o objetivo de flexibilizar a regulamentação profissional de engenheiros estrangeiros. Isso significa que, mesmo diante de um trágico cenário de desemprego na engenharia brasileira, o governo irá privilegiar profissionais de outros países. Esta é uma medida entreguista que aprofunda a desnacionalização da economia e o desmonte da engenharia e da soberania”. (Jornal GGN, 2017)

10- Desvio da obrigação contratual do investimento em Pesquisa e Desenvolvimento e Inovação (PD&I) no Brasil

A obrigação de investimentos em PD&I das empresas petrolíferas faz parte de cláusula específica dos contratos para exploração, desenvolvimento e produção.

A cláusula de PD&I estabelece a aplicação de percentual da receita bruta da produção, segundo condições específicas de cada modalidade de contrato.

Para contratos de concessão, essa obrigação de PD&I é constituída nos casos em que há o recolhimento de Participação Especial, ou seja, para campos de elevada produtividade ou rentabilidade, e equivale a 1% da receita bruta da produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos. Para os contratos de partilha de produção e cessão onerosa, a obrigação de PD&I é constituída a partir de qualquer volume de produção, sendo equivalente a 1% da receita bruta anual no caso da partilha e 0,5% no caso da cessão onerosa.

Os valores gerados podem ser investidos em projetos executados pela própria empresa petrolífera, por empresas fornecedoras brasileiras e por instituições credenciadas de todo o país.

No período de 1998 até o início de 2017, o valor total acumulado para investimentos em PD&I foi de mais de R$ 12 bilhões. Desse montante, a Petrobras foi responsável por R$ 11,5 bilhões e as demais empresas petrolíferas por R$ 775 milhões. (ANP, 2017)

Com o aumento da produção das multinacionais, elas, provavelmente, irão buscar artifícios para reduzir o compromisso de investir em PD&I no Brasil. Uma das alternativas é destinar os recursos para a contratação de serviços técnicos necessários às suas atividades e classifica-los como investimentos dedutíveis como PD&I.

Conclusão

Os controladores das multinacionais estrangeiras defendem seus interesses, sejam eles agentes do sistema financeiro em busca do lucro, ou os executivos das estatais para garantir a segurança energética e bons empregos nos seus países. Isso é compreensível, não podemos condena-los por isso.

No entanto, devemos denunciar que são hipócritas aqueles que defendem seus interesses, enquanto dizem que seus propósitos beneficiam a maioria dos brasileiros.

Temos a obrigação de execrar um governo que assume o poder sem votos, com uma agenda política rejeitada nas urnas e antinacional.

Precisamos ainda condenar os executivos que ocupam cargos na administração pública para viabilizar interesses privados, aqueles que vêm e depois voltam, por meio de verdadeiras portas giratórias, entre a administração pública e as corporações privadas. (AEPET, 2017)

Todas as medidas da agenda entreguista precisam ser revogadas, o patrimônio público recuperado e os responsáveis condenados.

* Felipe Coutinho é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)

http://www.aepet.org.br/

https://felipecoutinho21.wordpress.com/

Referências

AEPET. (2015). As 14 principais razões porque a Petrobrás deve ser a operadora única no Pré-Sal. Fonte: https://felipecoutinho21.files.wordpress.com/2015/05/as-principais-razc3b5es-pb-operadora-c3banica-_reva.pdf

AEPET. (2017). Carta aberta à Sociedade Brasileira sobre a desintegração da Petrobrás. Fonte: http://www.aepet.org.br/uploads/paginas/uploads/File/Carta%20%20Aberta_rev0.pdf

AEPET. (2017). Editorial: Portas giratórias. Fonte: http://www.aepet.org.br/w3/index.php/artigos/noticias-em-destaque/item/948-editorial-portas-giratorias

Aleluia, J. C. (2017). PL 8939/2017. Fonte: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2158425

ANP. (2017). Boletim PD&I – Número 41. Fonte: http://www.anp.gov.br/wwwanp/images/publicacoes/boletins-anp/boletim_petroleo_p-e-d/Boletim_PD-e-I_Ed41_1trimestre2017.pdf

Coutinho, F. (2017). A construção da ignorancia sobre a Petrobrás. Fonte: https://felipecoutinho21.files.wordpress.com/2017/02/a-construcao-da-ignorancia-sobre-a-petrobras_por-felipe-fev17.pdf

Coutinho, F. (2017). A energia e o desenvolvimento soberano em 10 lições. Fonte: http://www.aepet.org.br/w3/index.php/artigos/noticias-em-destaque/item/641-a-energia-e-o-desenvolvimento-soberano-em-10-licoes

Jornal GGN. (2017). Engenheiros alertam para perigo de liberar estrangeiros no setor. Fonte: https://jornalggn.com.br/noticia/engenheiros-alertam-para-perigo-de-liberar-estrangeiros-no-setor

Jornal Valor. (2017). Maia diz que deverá pautar volta de outorgas na exploração de petróleo. Fonte: http://www.valor.com.br/politica/5170044/maia-diz-que-devera-pautar-volta-de-outorgas-na-exploracao-de-petroleo

Laier, P., & Marinho, C. (2017). De Olho no Excedente da Cessão Onerosa. Fonte: http://www.aepet.org.br/w3/index.php/artigos/noticias-em-destaque/item/882-de-olho-no-excedente-da-cessao-onerosa

Lima, P. C. (2017). Análise da medida provisória No 795, de 2017. Fonte: https://jornalggn.com.br/sites/default/files/documentos/nota_tecnica_mp_795.pdf

Oliveira, C., & Coutinho, F. (2017). O Mito da “Petrobras quebrada”. Fonte: Blog Ocupar a Petrobras: https://felipecoutinho21.files.wordpress.com/2017/05/o-mito-da-petrobras-quebrada_revfinal.pdf

Oliveira, J. (2017). Novo Repetro – Alterações trazidas pelo Decreto nº 9.128/2017. Fonte: https://josyannye.jusbrasil.com.br/noticias/492134893/novo-repetro

Rede Brasil Atual. (2017). MP de Temer propõe renúncia de R$ 1 tri para favorecer petrolíferas estrangeiras. Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2017/10/manobra-do-governo-aprova-relatorio-de-mp-que-favorece-mercado-petrolifero-internacional

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