O que estou prestes a dizer certamente é conhecido e está a ser analisado pelas agências de inteligência americanas. Está a ser usado pelo Pentágono para mudar discretamente a sua postura quanto à força nuclear na Europa. No entanto, não ouvimos uma única palavra acerca disso nos meios de comunicação social, nem no mainstream, nem nas notícias alternativas.
Sustento que é muito importante que seja ouvido e refletido pelo público em geral nos Estados Unidos e na Europa, por muito desagradável que seja no início de uma nova semana. Assim, aqui vai…
Na sexta-feira passada, quando publiquei o meu relato seletivo da sessão de perguntas e respostas com o Presidente Vladimir Putin no ponto culminante do Fórum Económico Internacional de São Petersburgo, omiti uma questão importante: a forma como a Rússia irá responder ao envio de F-16 “ucranianos” de uma qualquer base aérea num país da NATO para a zona de guerra na Ucrânia. Estava a pensar em remediar essa omissão no sábado de manhã, quando um comentário de uma leitora me obrigou a fazê-lo. Escreveu que o jornal diário italiano La Repubblica citava Putin como tendo dito na sexta-feira que a Rússia destruiria essa base em resposta. Respondi no sábado, na secção de comentários, que o Presidente russo fora, de fato, evasivo no seu comentário, dizendo apenas que a Rússia poderia destruir essa base e que estava agora a analisar a questão.
No entanto, a edição de ontem à noite do talk show de Vladimir Solovyov indica que o repórter da Republicca estava mais perto da verdade do que eu. Um paciente e conhecedor coronel russo na reforma que é convidado frequente do talk show explicou que o Kremlin está agora a considerar exatamente com que meios destruir essa base aérea da OTAN, e não se o fará. E o meio provável será a utilização de armas nucleares táticas em Ramstein ou em qualquer outra base da OTAN envolvida. Podemos dizer que a Alemanha está a colocar-se na mira de qualquer escalada na guerra da Ucrânia se prosseguir com o programa dos F-16 para a Ucrânia.
Porquê todo este alarido em torno dos F-16, pode perguntar-se. Afinal de contas, Putin disse alto e bom som que a Rússia vai destruir os F-16 no ar, tal como tem destruído os tanques Leopard e os veículos blindados de transporte de pessoal Bradley da América, enquanto faz recuar a contra-ofensiva ucraniana em curso. Para compreender melhor, temos de agradecer mais uma vez ao bom coronel. Ele alertou-nos para um pormenor importante que não encontrará mencionado em The New York Times: os primeiros F-16 que serão fornecidos à Força Aérea ucraniana vêm da Bélgica e da Dinamarca e todos eles têm capacidade nuclear, o que não é uma caraterística inerente a estes aviões. Uma vez que os russos não podem determinar que tipo de munições os F-16 “ucranianos” irão efetivamente transportar para a zona de guerra, devem partir do princípio de que transportam bombas nucleares táticas destinadas a serem lançadas sobre as concentrações de tropas do exército russo. O efeito de um tal ataque poderia ser devastador, daí a ameaça russa às bases aéreas de onde esses aviões são lançados.
A próxima revelação importante feita durante o programa de Solovyov diz respeito à primeira entrega de armas nucleares táticas a Minsk, que foi marcada por uma visita à Bielorrússia e uma entrevista com Lukashenko pela co-apresentadora do programa noticioso e de discussão Sixty Minutes, Olga Skabeyeva. Em resposta à sua pergunta sobre onde estão armazenadas as ogivas nucleares, Lukashenko disse “em todo o lado”. O significado desta afirmação foi gentilmente decifrado para nós, leigos, pelo coronel reformado do programa Solovyov: isto significa uma mudança fundamental no tratamento russo das armas nucleares táticas, que se afasta da sua tradicional separação das ogivas, mantidas num armazém central longe dos transportadores, para o método utilizado pelos militares dos EUA relativamente às suas armas nucleares táticas na Europa. Os americanos, disse ele, armazenavam as armas nucleares mesmo por baixo dos jatos que seriam utilizados para as transportar. Agora, na Bielorrússia, as ogivas também estarão mesmo ao lado dos aviões e dos mísseis Iskander que as transportarão. Isto significa que o tempo para o lançamento dependerá apenas do tempo de aprovação do chefe. E, a este respeito, Lukashenko disse a Skabeyeva que bastava fazer um telefonema a Vladimir Vladimirovich e a aprovação seria instantânea.
Porquê este mecanismo “pronto a disparar” (hair-trigger ) a fim de libertar armas nucleares para defender a Bielorrússia? Para responder a esta questão, consulte o artigo de hoje do Financial Times sobre a forma como a Polónia está agora a preparar centenas de combatentes bielorrussos para atravessarem a fronteira e derrubarem Lukashenko. Ao que só posso dizer: Varsóvia, cuidado! Lukashenko é um defensor corajoso e decidido do seu país, como o demonstra o facto de ter saído à rua com uma Kalashnikov nas mãos quando houve manifestações de rua financiadas e promovidas pelo Ocidente em Minsk com o objetivo de o derrubar.
Outro ponto do programa de Solovyov que exige a nossa atenção diz respeito àquilo a que o bom coronel chama a resposta americana ao envio de armas nucleares para a Bielorrússia: a América planeia agora instalar armas nucleares táticas na Roménia e na Polónia. Porquê, podemos perguntar, nesses dois países? Para isso, basta considerar o que o Kremlin tem dito há mais de uma década sobre as bases americanas instaladas em ambos os países, supostamente para abrigar sistemas de mísseis antibalísticos destinados a abater mísseis iranianos disparados contra a Europa. Os russos sempre contestaram com o fato de estas instalações terem uma dupla finalidade e servirem de cobertura para a colocação de mísseis de cruzeiro com armas nucleares dirigidos contra eles próprios. Agora, se os EUA colocarem de facto esses mísseis nos dois países, as afirmações russas terão sido justificadas e Washington mostra-se, mais uma vez, como um mentiroso descarado na cena mundial.
Por último, o coronel deu-nos uma visão inestimável das mudanças no pensamento russo sobre armas nucleares táticas que, de outro modo, nos escapariam. Estou a pensar na resposta de Putin no Fórum à questão de saber se a Rússia utilizaria armas nucleares táticas no teatro de operações da Ucrânia. O “não” alto e claro de Putin foi, evidentemente, uma resposta às propostas de Sergei Karaganov de ataques nucleares preventivos e instrutivos no seu ensaio recentemente publicado na revista Russia in Global Affairs. Como noticiei, Putin continuou a dizer que a Rússia não tem necessidade de mostrar força através de um ataque preventivo porque toda a gente sabe que tem muito mais armas táticas do que o Ocidente. E, embora os Estados Unidos tenham apelado a conversações sobre a redução dos stocks dessas armas, a Rússia não entrará nessas conversações e diz ao Ocidente: “fuck you”, se é que posso traduzir a sua rude observação em russo para o correspondente inglês de quatro letras.
Esta última observação provocou sorrisos nos rostos de muitos russos na plateia. Mas não se tratou apenas de teatro, diz o bom coronel: de facto, a Rússia estivera a falar com os americanos acerca da possibilidade de reduzir as reservas, mas agora, no contexto da guerra por procuração da OTAN, não tem intenção de retomar essas conversações.
Com isto termino a análise de hoje sobre a nossa triste progressão a caminho do Armagedon.
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