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sexta-feira, 29 março, 2024

Sentenciam à prisão jornalista que desmascarou a maior corrupção da história de Honduras

Dick y Mirian Emanuelsson
Adital

Anncol

O jornalista David Romero se declara preso político, após ter sido sentenciado a prisão por mais de oito anos. É um caso único, não somente em Honduras, mas também em todo o continente americano.

– Essa decisão me fortalece. Essa decisão não nos amedronta. Nos fortalece na luta que travamos para denunciar a corrupção, e iremos continuar fazendo até o último momento, até onde o sistema nos permita, até onde a liberdade me permita. Não vão nos calar, disse Romero aos repórteres da Agência de Notícias Anncol.

Conversamos com Romero diante da Corte Suprema de Justiça, em Tegucigalpa, a somente alguns minutos após ter sido lida a sentença pelo juiz, que condena o corajoso jornalista. Sua declaração e sentença devem alertar os colegas da nação centro-americana, onde mais de 40 jornalistas foram assassinados desde o golpe de Estado militar, em 28 de junho de 2009. Romero foi um dos mais duros críticos contra a derrubada da frágil democracia em Honduras, neste ano. Hoje, Honduras é uma sociedade totalmente militarizada, supostamente, na luta contra o narcotráfico.

David Romero fala ao povo e à imprensa, após a sentença. Foto: Miriam Emanuelsson.

– Eu creio que os jornalistas que calam diante do amedrontamento do poder nunca nasceram para serem jornalistas. Eu creio que a mensagem é o contrário – fortalecer a luta dos jornalistas para que prevaleça a liberdade de expressão, neste país.

O jornalista que há dois anos começou a ligar os fatos por meio de diferentes fontes e informações, que trouxeram à tona o maior escândalo de corrupção da história de Honduras, foi declarado culpado por seis de 15 supostos delitos de injúrias e calúnias. Foi o Tribunal de Sentença, em Tegucigalpa, que condenou o jornalista e diretor da Rádio e TV Globo, David Romero Ellner, a pagar, no mínimo, oitos anos e quatro meses de prisão. A pena não é comutável, revelou seu advogado, Darwin García.

A decisão definitiva será tomada em 06 de janeiro de 2016, quando o Tribunal fará uma audiência para a individualização da pena, e quando serão conhecidos os anos de prisão aos quais será condenado, confirmou seu advogado de defesa. Mas, tanto o advogado como Romero Ellner, dizem que vão recorrer em todas as instâncias, inclusive, em nível internacional, para revogar a decisão.

“Nem no cárcere vão me calar, nem morto vão me calar. Porque a minha voz não é minha, minha voz é do povo, que já não é permitida!”

DAVID ROMERO conseguiu, como nenhum outro jornalista, escavar a podridão da corrupção que reina em Honduras, desmascarando verdadeiros cartéis mafiosos que, segundo o jornalista, têm laços, principalmente, com o partido governante, o Partido Nacional.

O maior escândalo é o do Seguro Social. Este foi saqueado por pessoas ligadas ao partido governante e ao partido liberal, a um custo de US$ 350 milhões. Em vidas humanas, o roubo é contabilizado em 2.800 mortes, como consequência do desfalque e da falta de tudo nos hospitais do Seguro. Graças ao jornalista Romero Ellner, descobriu-se o saque.

Segundo o jornalista, os cheques mostrados em seu programa, “Interpretando a Notícia”, confirmavam que líderes nacionalistas, por meio de empresas laranjas financiaram suas campanhas eleitorais com dinheiro do Seguro Social. Isto causou no país, bem como na Guatemala, indignação no segundo país mais pobre do continente americano. O próprio presidente eleito, Juan Orlando Hernández (JOH), confessou, em uma entrevista ao jornalista Fernando Del Rincón, da CNN em Espanhol, que sim, US$ 250 mil haviam saído do Seguro Social para sua campanha eleitoral. Ele prometeu devolver o dinheiro, que, no entanto, não foi reembolsado.

Indignados apoiam David Romero em todo o país.

O julgamento contra David Romero foi rodeado de escândalos, dentro do próprio Poder Judiciário. Um juiz declarou, em confissão para um sacerdote, que não sabia o que fazer diante das pressões de que estava sendo vítima, no caso de David Romero. O sacerdote recomendou ao juiz contatar o conhecido jornalista Renato Álvarez para fazer a denúncia, em seu programa “Frente a Frente”. Álvarez, por sua vez, reconheceu e confirmou publicamente aos seus telespectadores a versão do juiz.

O juiz honesto decidiu colocar as cartas na mesa publicamente e foi entrevistado por outro canal antigolpista, o Canal 36 e seu proprietário Edras López Amador. Diante do jornalista, o juiz declarou que havia sido pressionado pelo presidente da Comissão do Judiciário para condenar David Romero e sentenciá-lo à prisão.

“O Homem”, como dizia o superior do juiz, referindo-se ao presidente Hernández, era o autor intelectual, segundo o juiz, da operação judicial contra o jornalista Romero, que, no dia 13 de novembro, foi declarado culpado por seis delitos de injúria e calúnia contra a advogada Sonia Gálvez. De acordo com a sentença, Romero Ellner havia se expressado de forma grosseira e, várias vezes, vulgar, em seu programa, sobre a advogada. O que, em países europeus, é punido com uma indenização financeira e uma retratação pública, em Honduras, é condenado a vários anos de cárcere e, seguramente, será proibido de exercer o jornalismo, quando for estabelecida a decisão final, em 06 de janeiro de 2016.

A advogada Sonia Galvez acusou David Romero por injúrias e calúnias.

Sonia Gálvez, por sua vez, é casada com o promotor geral adjunto, Rigoberto Cuellar. Segundo Romero Ellner, Cuella está envolvido em um caso de corrupção e é acusado de ter recebido US$ 250.000 em subornos. O Movimento dos Indignados, que movimentou centenas de milhares de hondurenhos nas manifestações contra a corrupção no país, exige que toda a cúpula da Promotoria seja substituída, para poder depurar o Poder Judiciário.

Qual é a mensagem de Romero Ellner aos jornalistas do mundo diante dessa decisão judicial e dramática, na qual se envia um colega e companheiro à prisão por quase uma década?, perguntamos a David.

– Vocês (os repórteres da Anncol) são testemunhas de um precedente jamais visto na história deste país, onde um jornalista é mandado ao cárcere por denunciar a corrupção. É algo insólito, mas estamos em Honduras.

Dois dias antes, foi realizada uma manifestação em apoio à lutadora popular Gladys Lanza, coordenadora da organização feminista Visitação Padilla. Esta organização havia assumido o caso de uma senhora que trabalhou por anos em uma entidade do Estado, denunciou seu chefe por assédio sexual e moral. Por essa denúncia foi despedida, mas a senhora foi à Promotoria da Mulher, onde abriram uma ocorrência, que foi rapidamente encerrada.

Mas a Visitação Padilla e Gladys Lanza assumiram a defesa da senhora, saíram com um banner e fizeram um plantão em frente à sede do Instituto. Chegou a polícia e Gladys Lanza foi processada e condenada a 18 meses de prisão. Isto ocorreu ao mesmo tempo em que mais de 600 mulheres hondurenhas são assassinadas, anualmente. Esses casos ficam impunes em mais de 98%.

“Mas estamos em Honduras”, como disse David Romero.

“Desde o golpe de Estado cinco funcionários da Rádio Globo foram assassinados”

 

“A Corte Suprema de Justiça está viciada e não se coloca em favor do povo”

“O povo de Honduras está sangrando, de luto, faminto, os pobres não têm direito a um medicamento. As mães já não aguentam os lutos. Nós vimos sofrendo desde o golpe de Estado”. “Se não vier a CICI (Comissão Internacional contra a Impunidade, da ONU), o povo de Honduras vai pegar as armas, os paus, o que for, e esse senhor tem que ser expulso de onde está”!

Dick y Mirian Emanuelsson

Jornalistas

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