Arquivo Agência Brasil
Pedro Pinho*
O poder na República Velha, contra o qual se insurgiu a Revolução de Trinta, ressurge triunfante com a “Redemocratização” dos anos 1980.
A divulgação dos “Cadernos Manuscritos” (1945-1949) do Presidente Vargas constitui importante e oportuna iniciativa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), depositária desta rica documentação da História do Brasil.
Pode-se, com os olhos do Estadista, verificar os caminhos das lutas para que tivéssemos a Era Vargas (1930-1980), e quantos e quais inimigos sempre nos impediram de ter o Estado Nacional cuja riqueza natural sempre nos permitiu e interesses alienígenas nos obstaram.
BRASIL DA ÚLTIMA DÉCADA DO SÉCULO XIX
Getúlio Dornelles Vargas nasceu em São Borja, no Rio Grande do Sul, em 19 de abril de 1882. Os importantes eventos da última década do século XIX pegaram um estudante atento e participativo, como se conhece de sua biografia. “Em 1900, matriculou-se na Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo, onde não permaneceu por dois anos. Em 1902 deixou a escola, solidarizando-se a alguns colegas que haviam sido expulsos por um incidente disciplinar”.
Getúlio provinha de família de estancieiros, da zona rural da fronteira com a Argentina. A maior parte de seus antepassados foram colonos portugueses, do arquipélago dos Açores, que emigraram para o Rio Grande do Sul em meados do século XVIII.
Em 1904, Getúlio matriculou-se na Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre, atual UFRGS. Em 1907, fundou o Bloco Acadêmico Castilhista com colegas de faculdade. Em 1909, elegeu-se deputado estadual pelo Partido Republicano Riograndense (PRR).
Pela trajetória vê-se que, antes dos trinta anos, Getúlio discernia a farsa da libertação dos escravos, que efetivamente tiravam o ônus dos proprietários de manter quem já não tinha condição de trabalhar, e da República que mantinha os viscondes, duques e barões na condução administrativa do Brasil.
Era necessária verdadeira revolução, não a acomodação das elites e eliminação das lideranças populares como a leitura e a observação críticas mostravam ser a História do Brasil.
O mundo também se transformava.
Surgia novo país, o Império Alemão, como resultado do processo de unificação (desde 1864) e da guerra franco-prussiana (1870-1871).
Em consequência, do desmembramento do Sacro Império Romano-Germânico surgia a liderança prussiana, levando à centralização do poder e à modernização do Estado alemão e à alteração do equilíbrio de poder na Europa. No campo psicossocial, o sentimento de identidade nacional entre os europeus de língua alemã.
E o Brasil enviava seus militares para estagiaram no exército alemão, entre 1906 e 1912. Foram denominados “jovens turcos”. E tinha prosseguimento a reorganização das forças armadas (marinha e exército), após o desempenho medíocre da Guerra do Paraguai, com a Missão Francesa iniciada em 1920.
Todo este fervilhar e a incipiente industrialização alteram a sociedade que exige novo poder após vinte anos de República, eclodindo na década de 1920 com os movimentos tenentistas.
Vargas acompanhava e participava politicamente, ao tempo que se aprofundava na literatura social, econômica, histórica e humanista, formadora de seu ideário político.
IDEÁRIO DA REVOLUÇÃO DE 1930

Muito se escreveu e se escreverá sobre este momento de transformação da sociedade brasileira. Até para ocultar seu ideário, combatido antes, durante e depois da Era Vargas.
Nos “Cadernos Manuscritos” temos o próprio mentor discorrendo. “Não sou contrário à democracia. Julgo que essa, que aí está, é profundamente reacionária e anárquica. É a velha democracia liberal. Da liberdade individual para os poderosos fazerem o que entenderem, oprimindo pobres e humildas, ou, ao menos, indiferentes ante a penúria e o sofrimento alheios”.
E prossegue Vargas. “Os mais poderosos, entre eles, são os proprietários dos grandes jornais, opulentos gozadores da vida, que impõem seus pontos de vista, exigindo a liberdade de pensamento. E usufruindo todos privilégios de um Estado Polícia para os garantir, inclusive para não pagar impostos”.
Este poder democrático “não precisa defender-se nem explicar sua conduta, proíbe opositores e os tacha de comunistas”.
O ideário da Revolução de 1930, de Getúlio Vargas e do que veio a ser do seu partido político, pode ser sintetizado no “nacionalismo”, na precedência da Questão Nacional sobre qualquer outra, e no “trabalhismo”, na proteção ao trabalho, base de toda riqueza e do desenvolvimento da Nação.
Ora, o que foi o Brasil, desde sua descoberta até 1930, senão colônia: de Portugal, da Grã-Bretanha, e nos últimos anos em parte da França e dos Estados Unidos da América (EUA)?
O sentimento nacionalista era, quando muito, manifestação literária, objeto de discursos, jamais o projeto político de um povo que desprezava os habitantes originários e trazia para o trabalho escravo etnias africanas.
Verifica-se efetiva revolução que Getúlio promoveu ao assumir a presidência do Governo Provisório.
Quando, nos “Cadernos Manuscritos”, denuncia o general Pedro Aurélio de Góes Monteiro, participante da Revolução e dos primeiros Ministros da Guerra (1934-1935) e que apoiaria Eurico Gaspar Dutra, também apontado como traidor, como Ministro deste de 1945 a 1946, Getúlio apenas denunciou os mais ativos e ocupando cargos relevantes. Na verdade, fosse José Fernandes Leite de Castro ou Augusto Inácio do Espírito Santo Cardoso ou João Gomes Ribeiro Filho ou seus Ministros da Guerra no período 1951-1954 (Newton Estillac Leal, Ciro do Espírito Santo Cardoso e Euclides Zenóbio da Costa) apenas de Estillac Leal não se esperaria insurgir pelo viés nacionalista. Todos demais optariam pela sujeição ao interesse estrangeiro. E, veja caro leitor, estou tratando das lideranças militares da força armada terrestre brasileira.
Os civis, por seu turno, se orgulhavam da pronúncia em inglês ou francês, idiomas dos romances que suas mulheres liam, e buscavam imitar o que surgia de novidade artística na Europa – nada diferente foi a Semana de Arte Moderna paulistana, de 13 e 17 de fevereiro de 1922, do que transposição do que surgia em Paris – e adotar o modelo político federativo, apenas imitação descontextualizada da Constituição Plutocrática e Excludente Estadunidense de 1787.
Infelizmente foi e é nossa realidade nas elites e na classe média. Um pequeno núcleo de nacionalista sem poder, diante da avalanche entreguista. E para manutenção dessa situação muito contribuem o sistema educacional privado e a mídia em poucas mãos, denunciada por Getúlio.
O ideário de 1930 já sofria oposição antes mesmo de ser explicitado nos discursos e propostas de Getúlio Vargas.
O êxito desenvolvimentista e popular de Getúlio teve meio século de vida, sobrevivendo a todo tipo de golpes e de oposições dos poderes constituídos e mesmo do povo, sempre mantido na ignorância. O melhor exemplo desta última afirmativa é a vitória de Wellington Moreira Franco, político medíocre, diante do gênio mundialmente reconhecido, brilhante administrador, idealizador dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs). “O Rio de Janeiro perdeu oportunidade histórica ao derrotar Darcy Ribeiro e eleger o neoliberal Moreira Franco” (Instituto Conhecimento Liberta).
O RETROCESSO NEOLIBERAL FINANCEIRO
Repetimos nosso Estadista: não somos contra democracia, apenas não consideramos democrática a política brasileira. Ela mais se inclina para plutocracia e para ignorância, tirando do povo o poder.
No período dos governos militares (1964-1985), o Brasil conheceu quatro diferentes orientações e práticas políticas.

No primeiro momento, com Humberto de Alencar Castelo Branco (15/04/1964-15/03/1967), o Brasil serviu aos interesses estadunidenses e à parcela fascista da sociedade, mais concentrada nas forças policiais e militares. Provavelmente a história o identificará como o mais entreguista, repressivo e torturador das quatro orientações.
A segunda época compreende três períodos de governança:
(1) de Artur da Costa e Silva (15/03/1967-31/08/1969), que manteve a tortura e a repressão, mas redirecionou a economia e ações governamentais para o interesse nacional. Em seu governo foram criados a Empresa Brasileira de Aeronaves (Embraer), Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO), o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), o Projeto Rondon e reorganizada a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Em seu período entrou em vigência a Constituição de 1967 e foi editado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), em 13/12/1968;
(2) a súbita morte de Costa e Silva levou ao poder os ministros militares, que constituíram a Junta Militar (31/08/1969-30/10/1969), que elegeu o novo dirigente nacional: Emílio Garrastazu Médici;
(3) o cavalariano, filho de pais uruguaios, Emílio Garrastazu Médici (30/10/1969-15/03/1974), deu prosseguimento à governança de Costa e Silva, para qual colaborou como chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), promovendo de modo discreto a profissionalização deste órgão de inteligência. Em seu mandato, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu, em média, 11,9% ao ano, a maior taxa de crescimento da era republicana. Período conhecido como “Milagre Brasileiro” teve crescimento econômico recorde, inflação baixa e projetos desenvolvimentistas como o Plano de Integração Nacional (PIN), que permitiu a construção das rodovias Santarém-Cuiabá, Perimetral Norte, Transamazônica e Ponte Rio-Niterói, além de grandes incentivos fiscais à indústria e à agricultura, que foram a tônica do período. Nessa época, também foram construídas casas populares com recursos do Banco Nacional de Habitação (BNH). No seu governo, concluiu-se o acordo com o Paraguai para a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional, à época a hidrelétrica de maior potência instalada do mundo e até hoje recordista em produtividade.
No campo social, foi criado o Plano de Integração Social (PIS) e o Programa de Assistência Rural (PRORURAL), que previa benefícios de aposentadoria e o aumento dos serviços de saúde aos trabalhadores rurais. Foi feita grande campanha de alfabetização de adultos através do MOBRAL e para a melhoria das condições de vida na Amazônia, com a participação de jovens universitários, o chamado Projeto Rondon. Em 1970, criou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e aprovou o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste – PROTERRA (1971), Programa Especial para o Vale do São Francisco – PROVALE (1972), Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia – POLAMAZÔNIA (1974) e o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste – POLONORDESTE (1974). Foi no seu governo que ocorreram os sequestros de diplomatas estrangeiros, pelas guerrilhas urbanas: setembro/1969: embaixador dos EUA; março/1970: cônsul do Japão; junho/1970: embaixador da República Federal da Alemanha; e dezembro/1970: embaixador da Suíça. A repressão foi grande e a censura também.

O terceiro período, embora seja muito associado na mídia ao Governo Médici, dele diferiu bastante. Foi com Ernesto Geisel que o Brasil teve afirmada sua soberania, o que não ocorria desde o Governo Vargas no Estado Novo, quando se deram grandes passos para consolidar a estrutura governamental e para a industrialização nacional. Geisel, talvez sem esta intenção, repetiu Vargas, a quem serviu em diversos momentos, inclusive na tensa contrarrevolução de 1932.
Ernesto Geisel foi dos três presidentes militares gaúchos, o Brasil também teve três civis nascidos no Rio Grande do Sul. Governou de 15/03/1974 a 15/03/1979, e se considera o fim de sua gestão também o fim dos 50 anos da Era Vargas.
Em seu quinquênio, Geisel consolidou o Brasil nas diversas dimensões para enfrentar o futuro, o que incomodou vivamente o poder financeiro.

Na estrutura do país, com a fusão do Estado da Guanabara com do Rio de Janeiro, e a divisão do Mato Grosso com a criação do Mato Grosso do Sul. Nas relações internacionais, com o reatamento de relações diplomáticas com a República Popular da China, e o reconhecimento da independência de Angola, com o Governo de Agostinho Neto, líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Na área tecnológica e da energia, com os acordos nucleares com a Alemanha Ocidental, a constituição da Empresa Nuclear Brasileira S/A (Nuclebrás), adiantamento da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, a criação do Pró-Álcool e o desenvolvimento da Petrobrás para exploração de petróleo em águas oceânicas e sua ida para procura de petróleo em bacias estrangeiras.
Devem-se, também a Geisel, a FUNARTE, DATAPREV, CODEVASF, BB Tecnologia e Serviços, NUCLEP, INAMPS (atual SUS) e o Crédito Educativo (atual FIES).
Na dimensão política foi Geisel quem preparou o Brasil para fim dos governos militares, revogando o AI-5, afastando notórios fascistas e direitistas de postos de comando militar, preparando a anistia, ampla e geral, e o Estado de Direito de modo gradual e seguro.
Contra ele se insurgiram as forças do atraso, da repressão, e da entrega do País aos interesses estrangeiros, motivadoras do golpe de 1964.
Os EUA colocaram seus órgãos para golpes e corrupção no exterior (Central Intelligence Agency “CIA”, National Security Agency “NSA”, Federal Bureau of Investigation “FBI” entre outros) para caluniar e difamar Ernesto Geisel, contando com a falta de patriotismo, o servilismo e a corrupção das mídias brasileiras.
PREPARANDO A COLÔNIA FINANCEIRA DO SÉCULO XXI
A sucessão do Presidente Geisel foi o golpe desfechado pelas finanças para garantir sua condução no processo de “abertura política”.
O “Milagre Brasileiro” se fez com empréstimos, à época muito convenientes, pois pertenciam ao período dos “30 anos gloriosos” (Jean Fourastié) que se seguiram ao fim da II Grande Guerra. Também foi ajudado pelo preço do petróleo, o acerto entre as sete irmãs, em 1928, na Escócia (Achnacarry), congelou até 1968 o preço do barril de petróleo. O primeiro aumento, em 1973 (1º Choque do Petróleo), ainda não o corrigia nem monetariamente.
A redemocratização não poderia ficar em mão nacional trabalhista, foi o trabalho que Golbery passou para João Figueiredo: impedir Brizola.
O primeiro passo foi ameaçar Geisel com a dívida externa que crescia com o aumento dos juros nos EUA. Se não atendesse, o Brasil seria um pária, país onde ninguém colocaria um centavo pois não honrava os compromissos, impensável então a “moratória do Sarney”. E assim surgiu o filho do militar derrotado por Geisel em 1932 (Euclides Figueiredo): João Baptista de Oliveira Figueiredo (15/03/1979-15/03/1985).
Para as finanças deu tudo certo. Dos comunistas, inimigos de Vargas, ao neossindicalismo antivarguista do Partido dos Trabalhadores (PT), da extrema direita buscando uma brecha, um espaço para se manter no poder, aos corruptos de sempre, em qualquer governo, que no Brasil se aliam no “centrão”, todos juntos contra Brizola: o nacionalista trabalhista.
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