Milo Milfort
Elsie Florestan integra a organização camponesa Tèk Kole Ti Peyizan (Cabeças Unidas Pequenos Camponeses), na comunidade de Machabyèl, em Lembé, na região norte do Haiti, e que faz parte dos arredores de 4.000 km2 — que equivalem a 15% do território haitiano —, que se encontram concessionados a empresas estrangeiras para a exploração e extração mineradora. Os especialistas asseguram que as reservas de ouro, prata e cobre tÊm um valor de US$ 20 milhões.
Florestan é pobre, tem 11 filhos e vive em uma casa com grandes carências em Machabyèl, mas está convencida de que a mineração de ouro e cobre não será vantajosa para esse país, de 10 milhões de habitantes. “Se as empresas mineradoras entrarem, organizaremos um bloqueio para evitar que acessem a jazida”, diz.
Nessa região, muitas pessoas e diversas organizações se opõem à atividade extravista. Isto deu lugar a que exista há alguns anos um forte movimento de resistência, para enfrentar as empresas mineradoras.
Com a ajuda do Banco Mundial (BM), o tema da mineração está de volta na atualidade do Haiti, através de um projeto de lei cujo objetivo é tornar atrativa esta atividade de investimentos, e que cumpra o lema “Haiti aberto aos negócios”, impulsionado pelo presidente Michel Martelly, com vistas à expansão massiva do setor minerador.
A iniciativa legislativa, que poderá ser aprovada pelo novo Parlamento eleito no dia 25 de outubro e que assumirá no início de 2016, tem mais de 280 artigos, que flexibilizam a outorga de autorizações e controles, o que poderá abrir caminho para o ingresso de empresas estrangeiras interessadas na exploração mineradora.
Além de incluir a criação de uma nova organização, a Autoridade Mineradora Nacional, o projeto de lei inclui os requisitos para a exploração dos recursos minerais, as condições gerais de elegibilidade dos recursos, as licenças de exploração e de extração, as autorizações de funcionamento, zonas de mineração artesanal de ouro, mecanismos de supervisão administrativa de transformação e comercialização de produtos minerais, a renovação e ampliação de títulos mineradores.
Falta de transparência
No entanto, numerosas organizações nacionais e internacionais têm anunciado que esse projeto de lei foi elaborado sem a participação da população e sem transparência. Segundo elas, a iniciativa constitui uma ameaça para o meio ambiente e para a institucionalidade do Estado.
De acordo com Phanès Thélusma, ativista do Kolektif Jistis Min (Coletivo Justiça Mineradora), organização que capacita e informa sobre os recursos mineradores as populações que vivem nos arredores das zonas mineradoras e compreende mais de 20 organizações da sociedade civil haitiana, que se opõem ao projeto de lei, “as pessoas estão prontas para lutarem contra a exploração mineradora. Diferentes documentários mostram o grande impacto negativo dessa atividade em outros países, e isso lhes permite ver que a mineração constitui um grande perigo para elas”.
Inspiradas em experiências de vários países da América Latina e da África, essas organizações resistem em admitirem o discurso de que a mineração no Haiti vai gerar crescimento e emprego. Essas organizações de base comunitárias têm se mobilizado e organizado redes de resistência contra a mineração.
O Kolektif Jistis Min, juntamente com outras organizações locais e internacionais, apresentou, no último mês de janeiro, denúncias ante o BM e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) contra o projeto de lei.
A denúncia, que recebeu o apoio da Clínica de Justiça Global, da Universidade de Nova York [Estados Unidos], foi rechaçada pelo BM. O documento solicitava ao Painel de Inspeção examinar se o apoio oferecido ao governo haitiano respeitava as diretrizes sobre transparência e segurança ambiental.
Fraca governabilidade
Instâncias nacionais e internacionais coincidem em afirmar que o Haiti não está pronto para a exploração mineradora aurífera. No ano de 2013, o Senado considerou que “o momento era inadequado para realizar transações que autorizem a exploração dos nossos recursos estratégicos”, levando em conta “a incapacidade atual do país para negociar com calma seus recursos minerais, em um contexto de desequilíbrio político, de debilidade do Estado, acentuado pela ocupação militar do território nacional por forças multinacionais”, e “dados os graves riscos ecológicos inerentes a esse tipo de atividade, e o nível já alarmante de degradação do nosso meio ambiente”.
Em agosto último, a organização humanitária britânica Oxfam apresentou o informe “Pronto para o ouro? Antecedentes do Haiti”, que avalia a governabilidade no Haiti e a capacidade regulatória do Estado para a mineração em grande escala.
“Apesar do Haiti ter recebido consideráveis somas de dinheiro, em ajuda para o desenvolvimento desde o início da década de 1990 — que se multiplicou após o terremoto de 2010 — o sistema de gestão fiscal pública (que inclui suas instituições, sua capacidade humana, técnica e financeira, e suas leis e políticas) continua sendo fraco, ineficaz e propenso à corrupção. Há poucos indicadores, se é que existem, [que demonstrem] que o sistema de gestão fiscal pública do Haiti tem capacidade para gerir, eficazmente, a bonança antecipada proveniente da extração e exploração de minerais do subsolo do Haiti”, assinala a Oxfam.
“Fica por fazer um importante trabalho para enfrentar desafios de governabilidade maiores, antes que os potencialmente grandes investimentos mineradores sejam injetados no sistema”, sustenta.
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