por Gregory Elich [*]
Armadilha para tanques A diplomacia nunca teve uma oportunidade. Pouco depois de tomar posse o presidente Trump assinou uma diretiva estabelecendo uma política norte coreana baseada em medidas abertamente hostis. O Departamento do Tesouro foi instruído para implementar uma série de sanções contra a Coreia do Norte e aqueles que comerciassem com o país. Diplomatas estado-unidenses foram instruídos a instarem responsáveis estrangeiros em praticamente toda reunião a romper contatos com a Coreia do Norte. Este programa tem estado a acelerar-se nas últimas semanas, com consequências de extremo alcance.
Ao negociar a última série de sanções da ONU, a administração Trump pretendeu um embargo petrolífero total e outras medidas duras contra a República Democrática e Popular da Coreia (RDPC, o nome oficial da Coreia do Norte). Como não atingiu totalmente seus objetivos, o presidente Trump emitiu uma ordem executiva dez dias após a votação das sanções que pretendem impor um bloqueio comercial total contra a Coreia do Norte.
A ordem executiva de Trump apresa toda a propriedade possuída nos Estados Unidos por quem esteja envolvido no comércio de importação ou exportação com a Coreia do Norte, assim como qualquer “pessoa norte-coreana envolvida em atividade comercial que gere receita” para a RDPC.
Navios que atraquem em portos norte-coreanos são proibidos de visitar os Estados Unidos durante um período de seis meses, o que encorajará companhias de navegação a evitarem a Coreia do Norte. O secretário do Tesouro Steven Mnuchin indicou que o seu departamento planeia trabalhar em conexão “muito estreita com a Guarda Costeira e outros acerca disto” e que “podemos aplicar ações também contra portos”. Exatamente o que ele tem em mente não foi especificado, mas a sua declaração parece implicar que portos que permitam a navios infractores atracarem durante o período de interdição podem ser alvos de punição.
Dentre as demais disposições da ordem executiva, a primária centra-se sobre operações financeiras. Todos os fundos que passam através do sistema financeiro dos EUA que em qualquer ponto envolvam a RDPC ou um indivíduo norte-coreano devem ser congelados. O Departamento do Tesouro está autorizado a impor sanções a instituições financeiras estrangeiras que “conscientemente efetuem ou facilitem qualquer transação significativa em conexão com a Coreia do Norte” e a “bloquear toda propriedade” que a entidade possua nos Estados Unidos.
Como as transações financeiras internacionais têm de passar através do sistema estado-unidense, qualquer instituição envolvida no tratamento ou facilitação do comércio da Coreia do Norte arrisca a ruína. Qualquer firma que o Departamento do Tesouro sancione perderá o dinheiro que enviar através do sistema estado-unidense e será barrada de operações financeiras internacionais. Inevitavelmente, a entidade financeira também assistiria a uma corrida aos seus fundos por depositantes em pânico.
Seria suicida para qualquer negócio financeiro efetuar uma transação que envolvesse a Coreia do Norte. Consequentemente, para a maior parte, a Coreia do Norte está em vias de ser excluída do comércio internacional. A RDPC pode ser limitada unicamente a transações em pequena escala pagas com sacos de cash. Logo, a Coreia do Norte pode não ser mais capaz de importar petróleo e gás natural. Uma vez que a RDPC não tem fontes internas e esgotado o seu stock interno destas commodities, poderia enfrentar um encerramento quase total da sua economia.
Pensa-se que a RDPC tenha uma reserva de combustível de dimensão razoável, mas ela não perdurará para sempre. E uma vez esgotado o stock, fábricas e unidades manufatureiras não poderão operar. Camiões e autocarros deixarão de circular. Hospitais podem ficar sem energia para iluminação e equipamento médico. Por ter uma quantidade limitada de terra arável, a Coreia do Norte tipicamente deve confiar em importações para alimentar plenamente o seu povo. Com o acesso da RDPC ao sistema financeiro internacional agora bloqueado, mais cedo ou mais tarde a fome e talvez a inanição podem visitar aquela terra.
Segundo Juan Zarate, antigo responsável na administração George W. Bush, a ordem executiva constitui “um regime de sanções em plena carga e asfixiante” que “torna muito claro que instituições financeiras correm o risco de caírem presa de sanções estado-unidenses”. Tatman Savio, sócio de uma empresa comercial com sede em Hong Kong, reflete esta avaliação: “Estas sanções são vastas e apanham tudo. Não há ambiguidade acerca daquilo que o presidente Trump está a tentar consumar. Ela tem como objetivo isolar a Coreia do Norte através da utilização de medidas de sanções secundárias”.
O secretário do Tesouro Mnuchin adverte: “Instituições financeiras estrangeiras estão agora notificadas de que, indo em frente, elas podem optar entre fazer negócios com os Estados Unidos ou com a Coreia do Norte, mas não com ambos”. Dada a enorme disparidade económica entre os dois países, isto não é de todo uma opção. Trata-se de um ultimato e Mnuchin apela a “todos os países do mundo para se juntarem a nós cortando todos os laços comerciais e financeiros com a Coreia do Norte”.
Bloqueios são considerados atos de guerra. Tecnicamente, os Estados Unidos não estão a impor um bloqueio pois não estou a impedir fisicamente o comércio com a Coreia do Norte. Mas o resultado é o mesmo. Através de ameaças, a administração Trump está a forçar nações a abandonarem relações comerciais com a Coreia do Norte.
Os EUA são livres para fazerem suas ameaças e não há nada de subtil na mensagem à China de Mnuchin: “Se a China não seguir estas sanções [da ONU], aplicaremos sanções adicionais sobre eles e os impediremos de terem acesso aos EUA e ao sistema internacional do dólar – e isso é bastante significativo”.
A China, na esperança de defender de possível retaliação estado-unidense, já ordenou a todas as empresas coreanas e joint ventures com base no seu território que encerrassem no princípio de 2018. Esta acção vai além do que ditam as sanções da ONU. Além disso, bancos chineses estão a notificar depositantes norte-coreanos a retirarem seus fundos. Está a tornar-se cada vez mais difícil para comerciantes tratar de transações financeiras e negócios transfronteiriços estão a ser triturados até uma paragem.
Em 26 de Setembro o Departamento do Tesouro sancionou 26 indivíduos e oito bancos norte-coreanos envolvidos em comércio internacional, incluindo o Banco de Desenvolvimento Agrícola e o Banco de Comércio Exterior. Este último é considerado como a principal instituição financeira da Coreia do Norte por negociar com câmbios estrangeiros. O Departamento do Tesouro declara que sua intenção é “promover a ruptura do acesso da Coreia do Norte ao sistema financeiro internacional”. Ele também impõe um boicote secundário a qualquer um que comercie com os bancos ou indivíduos sancionados.
A guerra econômica da administração Trump é global e inflexível. A atuar como secretária de Estado assistente, Susan Thornton diz que o secretário de Estado Rex Tillerson “fez da RDPC uma questão chave em todo encontro com líderes e ministros por todo o mundo” e sua mensagem “é agressivamente reforçada pelos nossos embaixadores em capitais por toda a parte e em reuniões a todo nível”. Em cada um destes encontros, responsáveis estado-unidenses coagem seus interlocutores estrangeiros a “cortar as fontes de apoio financeiro da RDPC”.
A subsecretária do Tesouro, Sigal Mandelker diz que os Estados Unidos têm “a capacidade única de mapear e alvejar as redes comerciais e financeiras da Coreia do Norte” e seu “objetivo é estrangular as fontes de receita da Coreia do Norte”. Thornton não é tímida na utilização de linguagem agressiva, exigindo que “todos os países devem deixar de comerciar com a Coreia do Norte”. Ela acrescenta: “Uma peça chave da nossa estratégia para sufocar financeiramente a Coreia do Norte é alvejar as indústrias mais lucrativas do regime”. As sanções das Nações Unidas, diz ela, “deveriam ser o piso, não o tecto”.
Toda esta conversa de sufocar e estrangular a economia da Coreia do Norte – e portanto o seu povo – dificilmente espanta. A política é amplamente aceite, mas deve ser declarado: a RDPC tem o direito de se ocupar no comércio normal internacional. Ela tem o direito de dirigir a sua economia sem embaraços e de alimentar o seu povo. A administração Trump tem estado a ameaçar a Coreia do Norte, tanto militarmente como economicamente, numa base quase diária. Washington quer que a Coreia do Norte desnuclearize unilateralmente, mas as suas ações só fortalecem a convicção da Coreia do Norte de que ela precisa de um dissuasor nuclear – uma conclusão não irrazoável do lado norte-coreano.
A implacável guerra económica que está a ser travada pela administração Trump pode não estar a ter manchetes da mesma maneira que a conversa da guerra. Mas isso não diminui o dano que está a ser feito. A pressão de Washington sobre outros países está a ter um efeito, pois um país após outro corta ligações diplomáticas e comerciais com a RDPC ou desfaz relações comerciais. A administração Trump rejeitou ofertas norte-coreanas de conversações, acreditando que pode conduzir a Coreia do Norte à submissão económica sem a necessidade do toma-lá-dá-cá em negociações. Num tuíte recente, Trump reiterou sua hostilidade ao conceito de diplomacia: “Eu disse ao Rex Tillerson, nosso admirável secretário de Estado, que ele está a desperdiçar tempo ao tentar negociar com o Homem do Foguetinho”.
Os Estados Unidos têm demasiado músculo econômico para que algum país seja capaz de dizer não. Mas quantos norte-coreanos terão em consequência de sofrer fome, perda de emprego e invernos gélidos? A cruel punição coletiva de um país inteiro nada pode produzir senão miséria e deveria ser classificada por aquilo que ela é: um ato de guerra.
[*] Membro do Comité de Solidariedade para a Democracia e a Paz na Coreia, colaborador de ZoominKorea , membro da Task Force to Stop THAAD in Korea and Militarism in Asia and the Pacific. Seu sítio web é gregoryelich.org
Do mesmo autor:
A guerra de Trump ao povo norte-coreano , 28/Set/17
O desenvolvimento acelerado dos mísseis da Coreia Norte , 03/Jul/17
As relações dos EUA com a Coreia do Norte em tempos de mudança , 26/Fev/17
Sanções da ONU impõem sofrimento ao povo norte-coreano ,
O original encontra-se em www.zoominkorea.org/…
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .