Renato Santana (Foto cedida pelo CIMI)
Wagner França
O povo Xukuru, autodenominado Xukuru do Ororubá, habita a Serra do Ororubá, no Agreste de Pernambuco, com cerca de 8–10 mil pessoas distribuídas em mais de 20 aldeias, conforme levantamentos recentes . Sua história se entrelaça com conflitos desde o século XVI, quando colonizadores portugueses iniciaram um extenso processo de expropriação de terras. A antiga Vila de Cimbres, atualmente aldeia Xukuru, testemunhou confrontos intensos, marcando um ciclo de resistências frente às invasões.
A perda de terras continuou ao longo dos séculos XIX e XX. A promulgação da Lei de Terras e o fim dos aldeamentos levaram muitos Xukuru a residirem em terras de fazendeiros, sendo forçados ao arrendamento ou trabalho como colonos. A dispersão de famílias e a fome resultante ilustram um contexto de violência estrutural . Em 1990, uma liderança emergente, o cacique Xicão, liderou a reocupação da área sagrada Pedra d’Água, desencadeando um processo que desembocou na homologação da Terra Indígena em 2001.
Nas décadas de 1990 e início dos anos 2000, a mobilização dos Xukuru intensificou-se frente à violência contra lideranças. Em 1998, o assassinato do cacique Xicão e de outros militantes visava calar os protestos por terra. Ainda assim, com apoio de movimentos indígenas e sociedade civil, os Xukuru exigiram justiça, resultando na homologação do território em maio de 2001.
Para os Xukuru, a relação com a Terra é inseparável do sagrado. Suas práticas agrícolas incorporam a “Agricultura do Sagrado”, que envolve agroflorestas e rituais ligados à floresta, pedras e águas. Iran Xukuru explica que “os cabelos da terra” (as matas), “o sangue da terra” (as águas) e “os ossos da terra” (as pedras) são moradas dos encantados e ancestrais — elementos fundamentais de sua cosmologia.
As práticas religiosas são híbridas, combinando elementos católicos — como o culto à Nossa Senhora das Montanhas, a “Mãe Tamain” — com crenças ancestrais, como Tupã e encantados. O Toré, dança sagrada ritualística, é momento de contato com entidades espirituais, e sua execução é central para a identidade Xukuru.
A assembleia anual, desde 1998, homenageia Xicão e reafirma a luta pelos direitos do povo Xukuru. Realizada entre 17 e 20 de maio, essa atividade envolve a passagem pelo centro de Pesqueira até o local do assassinato, reforçando simbolicamente a contínua presença e resistência da comunidade . Essas assembleias, inclusive agora transmitidas via tecnologia (Ororubá Filmes, OrorubáCast), reforçam o protagonismo cultural e político das gerações jovens.
A recuperação do território viabilizou a economia sustentável e agroecológica. O cultivo de feijão, mandioca, milho, frutas, hortaliças e criação de gado tem abastecido feiras semanais em Pesqueira e Arcoverde, fortalecendo a integração com cidades vizinhas e contribuindo para reduzir tensões locais.
Finalmente, a importância histórica dos Xukuru reside na resistência contínua diante da colonização, nas reocupações simbólicas e territoriais, no fortalecimento de práticas religiosas e agroecológicas autênticas, e na construção de uma identidade cultural dinâmica que combina ancestralidade e tecnologia. A saga dos Xukuru é uma lição de luta, espiritualidade e reconstrução coletiva, cuja reverberação ultrapassa fronteiras, assumindo valor universal no reconhecimento de povos originários como atores centrais de sua própria história.