Ernesto Villegas, ministro de Comunicação e Informação / AVN
O Brasil de Fato conversou com o ministro de Comunicação venezuelano, Ernesto Villegas, para debater os rumos do país
Fania Rodrigues
Brasil de Fato | Caracas (Venezuela)
Por que um país de apenas 30 milhões de habitantes, localizado à beira do Caribe, provoca tanta ira na principal potência do mundo? É a pergunta que muitos fazem quando escutam o mandatário estadunidense, Donald Trump, dizer que os Estados Unidos “sofrem a opressão do socialismo do regime de Nicolás Maduro”, presidente do país sul-americano.
A declaração foi feita por Trump após a vitória do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), de Nicolás Maduro, nas eleições regionais no último dia 15 de outubro. Quando muitos achavam que o chavismo havia chegado ao seu limite histórico, eis que surge um novo triunfo eleitoral que surpreendeu a Venezuela e ao mundo.
Para debater a relação com os Estados Unidos e os desafios do chavismo – campo surgido a partir da Presidência e do pensamento de Hugo Chávez – frente ao atual cenário, o Brasil de Fato realizou uma entrevista exclusiva com o ministro do Poder Popular para a Comunicação e a Informação da Venezuela, Ernesto Villegas.
“Como alguém pode imaginar que o governo venezuelano ou o país inteiro pudesse, hoje, oprimir os Estados Unidos? Pelo amor de Deus, a Venezuela não tem disposição, nem a capacidade de oprimir os Estados Unidos, em nada. O que temos, sim, é a autoridade moral, o exemplo de dignidade”, afirmou o ministro.
Confira a entrevista.
Brasil de Fato: O governo de Maduro manteve algum tipo de diálogo com a oposição sobre a questão dos resultados eleitorais?
Ernesto Villegas: José Martí, um apóstolo da Revolução Cuba, tem uma frase que diz: “Na política, a única coisa verdadeira é aquilo que não se vê”. O jornalismo, claro, tem o trabalho de buscar e trazer à luz essas questões. O presidente Maduro tem afirmado publicamente que mantém contato com a oposição venezuelana. O diálogo é inevitável. A negativa ao diálogo também faz parte do diálogo, é uma postura que gera uma resposta e logo conduz a uma série de reações. É uma forma de expressar uma postura.
No dia da eleição foi surpreendente como países como Espanha mantiveram uma postura ainda mais radical que a da oposição venezuelana. No final da tarde, enquanto um porta-voz da opositora Mesa da Unidade Democrática, Jesus Chúo Torrealba, dava uma entrevista coletiva dizendo que a oposição estava satisfeita com o processo, o governo espanhol divulgava suas primeiras declarações com críticas às eleições.
Alguns países assumem a pose que está estabelecida no roteiro. É um roteiro destinado a criar as condições para a desestabilização e a derrubada da Revolução Bolivariana. Tem uma antiga série de televisão dos Estados Unidos que se chama Perdidos no Espaço. Nessa série, tinha um personagem que era um robô. Quando escutava alguma frase que não podia processar em sua memória começava a dizer: “não é computável, não é computável”. Bom, esses resultados eleitorais, democráticos estavam fora do roteiro dos países que querem por fim à Revolução, portanto não aceitam a realidade, “não é computável”.
A administração de Donald Trump surpreendeu o governo venezuelano? Por que em sua campanha política ele não mencionou à Venezuela e agora tem dado muitas declarações sobre o governo Maduro?
Penso que ele nos ignorou, porque ele estava fazendo uma campanha da “porta para dentro”. Inclusive questionou ao [ex-presidente Barack] Obama por ocupar-se de conflitos fora de suas fronteiras. Dizer que nos surpreendeu seria passarmos por ingênuos. Havia duas possibilidades, uma delas é que Trump se dedicara a governar da “porta para dentro” e a outra que pudesse impulsionar uma política intervencionista nos cinco continentes, que é o que estamos vendo.
Trump é praticamente um prisioneiro de um discurso e de uma história de ingerência. Trump nem conhece direito a Venezuela. Tem alguém o instruindo sobre as coisas que ele anda falando publicamente. Como alguém pode imaginar que o governo venezuelano ou o país inteiro pudesse, hoje, oprimir os Estados Unidos? Pelo amor de Deus, a Venezuela não tem disposição, nem a capacidade de oprimir os Estados Unidos, em nada. O que temos, sim, é a autoridade moral, o exemplo de dignidade. Isso, sim, poderia ser o que Trump descreve como uma suposta opressão. Com que capacidade nós oprimimos a principal potência econômica e militar do planeta Terra?
Quem pode estar orientando o presidente Trump nessas questões?
O presidente Nicolás Maduro tem sinalizado que o senador Marcos Rubio (do Partido Republicano dos Estados Unidos) como o chefe, de fato, da política exterior estadunidense em relação à América Latina e, em particular, à Venezuela. Por isso o presidente Maduro o convidou publicamente para vir à Venezuela.
Marcos Rubio é filho de cubanos, certo?
Ele pertence à ala mais extremista das famílias integrantes da comunidade anticastrista e contrarrevolucionária nos Estados Unidos. E o discurso de Trump está associado ao setor mais extremista do lobby político, a direita mais obstinada. Talvez Trump calcule que isso vai gerar algum tipo de benefício interno, mas a verdade é que isso não tem nenhuma justificativa e nem necessidade de uma potência como os Estados Unidos, adotar esse tipo de política em relação à Venezuela. Sobretudo, porque mantivemos uma relação histórica de respeito bilateral, que vai mais além da política. No período do comandante Chávez, tivemos momentos de muita tensão, inclusive de retirada de embaixadores, mas nunca chegou aos níveis de perseguição aberta, do ponto de vista econômico e financeiro, à República Bolivariana da Venezuela e à nossa empresa de petróleo, a PDVSA.
Entre as quatro maiores empresas de petróleo dos Estados Unidos apenas a Exxon não atua na Venezuela.
Exxon Mobil não está, mas temos grande empresas multinacionais que operam na Faixa Petrolífera do Orinoco [localizada no noroeste da Venezuela, onde se encontra a maior reserva certificada de petróleo do mundo]. Além disso, temos contratos no setor de gás que estamos desenvolvendo com empresas como a Shell. Mantemos uma relação comercial que vai além da questão da política. Mas essas empresas terminam sendo vítimas também desses planos que tentam impor a partir dos Estados Unidos.
Confio que eles vão fazer uma reflexão, inclusive, que poderia ser estritamente numérica. Que façam as contas. Será que realmente interessa aos Estados Unidos assumir os custos dessa política hostil em relação a um país como o nosso, que tem uma influência importante no continente? Não somos um país grande, temos uma população de 30 milhões de habitantes, nada mais. Porém, há setores sociais em toda a América Latina que têm a Venezuela como referência.
Qual é o desafio do chavismo de agora em diante?
Toda a conjuntura pela qual tem passado a Venezuela tem sido muito dura. No entanto, é um muito interessante analisar o que dizem alguns dirigentes da oposição a partir do resultado eleitoral do dia 15 de outubro. Alguns deles, lucidamente, começam a reconhecer o chavismo como uma realidade política, que tem sido subestimada historicamente por seus adversários locais e internacionais. É bom e saudável que se reconheça as características profundas e arraigadas desse fenômeno político. Que não tratem como se fosse um acidente na história, um fenômeno passageiro.
Chávez despertou algo impressionante. Somos um país que tem raízes nacionalistas, patrióticas, independentistas e rebeldes muito profundas, que teve um grande impacto na nossa história. Aqui, surgiu a faísca que incendiaria a parreira da independência no resto do continente. Essa é a carga histórica que nós carregamos. Temos como histórico um Exército que saiu de suas fronteiras para levar liberdade a outros países. Chávez despertou essa raiz, resgatou o projeto bolivariano [em referência a Simón Bolívar, quem conduziu a independência da Venezuela e outros países da região, e que propôs um projeto de unidade e soberania para a América Latina]. A conduta de nossos adversários mostra que Chávez tinha razão e não nos resta outra alternativa além de resistir e vencer.
O presidente Nicolás Maduro declarou que o triunfo eleitoral do chavismo abre um novo ciclo de vitória progressista no continente. O que o senhor pensa sobre esse tema?
O processo constituinte da Venezuela em 1999 conduziu a um novo ciclo de vitória para os povos da América Latina. O processo constituinte de 2017 também deve ter como consequência um número maior de vitórias para os povos. Tivemos formas de participação popular que pode servir de inspiração.
O fato de que na Venezuela estamos elegendo representantes dos aposentados, estudantes, trabalhadores, camponeses em um órgão como a Assembleia Nacional Constituinte pode servir para corrigir algumas distorções que a política tradicional cometeu. Essas distorções acontecem no domínio do capital sobre as campanhas políticas.
O Poder Legislativo, representado pela Assembleia Nacional da Venezuela, e o Poder Executivo, tendo como representante o presidente da República, partiram para o enfrentamento político com os setores opositores, e avaliasse que a oposição, que controla a Assembleia Legislativa, perdeu o embate. Hoje, esses dois poderes são incompatíveis na Venezuela?
Acontece que a Assembleia Nacional há muito tempo nem se quer realiza sessão. Eles [parlamentares] abandonaram o cargo, assim como, em algum momento, acusaram o presidente. Faz muito tempo eles não se reúnem, não discutem leis. Permanecem em desacato. Temos que recordar que eles aprovaram o abandono do cargo do presidente da República [tentativa de retirar o presidente ocorrida em janeiro de 2017]. Isso é uma declaração de guerra política. O presidente da Assembleia Nacional à época, Henry Ramos Allup, quando assumiu, estabeleceu o prazo de seis meses para derrubar o presidente.
E Maduro aceitou a declaração de guerra?
As declarações de guerra não se aceita ou não, se responde em defesa própria.
A resposta foi a Constituinte?
Sim, em defesa própria do povo venezuelano. Porque estávamos à beira de um conflito político de maiores proporções. Foi em defesa própria da vida.
Escutei de colegas jornalistas que fizeram a cobertura da Constituinte que muitos opositores também saíram para votar na Constituinte. O que motivou esse setor a também votar?
Candidataram-se muitos candidatos de muitos setores em cada município do país, e cada um desses tem uma esfera de influência. Tem candidatos à Constituinte que eram da oposição, como é o caso de Marco Torres, que aparece em imagens de 2002 aplaudindo os golpista no Palácio Miraflores [sede presidencial]; um opositor que respaldou o golpe de Estado contra Chávez. Ele seguramente tem seus seguidores e sua família que deve ter votado por ele. Assim como ele, há infinitos casos.
A outra razão é a chantagem da direita. O fato de terem ameaçado os cidadãos para que não votassem, por terem queimado vivas as pessoas, por terem criado e lançado algo chamado ‘puputov’ [coquetel molotov de fezes], por terem usado nos protestos artefatos explosivos que causaram mortes, tudo isso tem um custo político. Ninguém deve recorrer a esses métodos macabros impunemente. O custo [disso] estão pagando agora. Tem muita gente que está consternada com essas práticas.
Quando Henrique Capriles perdeu as eleições para Hugo Chávez, em 2012, houve “guarimbas” [trancaços de ruas e protestos violentos]. Quando ele perdeu as eleições para Maduro, em 2013, novamente houve “guarimbas”. E, este ano, a oposição manteve quatro meses de protestos violentos. Por que não teve nenhum tipo de protesto depois da derrota da oposição nas eleições regionais?
É um fenômeno muito interessante. Creio que a violência chegou a um clímax tão alto que isso gerou um nível de frustração digno de estudo. Existe uma grande decepção dos jovens que foram utilizados pelo políticos opositores. Muitos deles tiveram um encontro ingrato com a política. Acreditaram em um conto épico que não tinha fundamento. Acreditaram que eram libertadores, os fizeram acreditar nisso. Se Trump se sente oprimido segue a mesma lógica do conto épico dos libertadores, que em nome da liberdade retiram a liberdade de todos de sair e caminhar nas ruas.
Por que as pessoas continuam votando no chavismo?
Porque há vários fatores que confluem. Um deles é que o chavismo é uma identidade sóciopolítica. Chávez construiu uma comunidade política. Não é um fenômeno artificial e passageiro. Existe uma identidade em torno dos valores, das propostas, dos símbolos do chavismo.
Outro fator que influencia é a direita que temos. Por mais desencanto que haja em um chavista, quando olha para calçada de frente e vê uma direita fascista, “guarimbeira”, neoliberal, ultracatólica, demagógica, frívola; então essa pessoa que está desencantada tem grandes possibilidades de votar no chavismo, ainda que esteja descontente, ainda que esteja esperando que se cumpram muitas das metas que não foram cumpridas. Mesmo assim esse chavista sente que é parte de algo. Como na família, quando estamos chateados com o irmão, com o pai, um primo, mas mesmo assim se apoiam quando se sentem em perigo…
E se reúnem no Natal…
Como a família que se reúne no Natal, nós nos encontramos na festa eleitoral. Mas, esse chavismo está votando também com esperança de derrotar a guerra econômica, o cerco imperialista, e alcançar as metas sociais e políticas. O chavismo tem uma tradição que é o exercício democrático. Aqui, estamos acostumados a votar. Chávez nos acostumou a votar. As pessoas sentem que isso é um direito. Passamos por momentos muito duros, como em 2015, quando perdemos a maioria da Assembleia Nacional, a abstenção do chavismo foi determinante nesse caso, mas não deixaram de ser chavistas por isso.
Essas pessoas que haviam deixado votar voltaram ao chavismo?
Sim, os chavistas voltaram.
Edição: Vivian Neves Fernandes