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terça-feira, 8 outubro, 2024

Por que é tão barato espalhar falácias sobre o custo das refinarias da Petrobrás na Folha?

Foto  Agência  Petrobras/Geraldo Falcão

por  Felipe Coutinho 

Saiu na Folha de S. Paulo (20/08/2022), artigo do Samuel Pessôa, economista e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) com o título “Por que é tão caro construir refinarias no Brasil?”. (Pessôa, Por que é tão caro construir refinarias no Brasil?, 2022) Adianto que o artigo não demonstra corretamente a premissa nem traz a resposta para a pergunta, no entanto espalha argumentos enganosos sobre o segmento do Refino e Abastecimento de combustíveis no Brasil.

Em resumo, o autor apresenta o seguinte argumento:

Premissa 1: o Brasil é importador líquido de derivados porque não tem capacidade suficiente de refino.

Premissa 2: o investimento para elevação da capacidade de refino seria alto e inviável, se realizado pela Petrobrás.

Conclusão: A solução é alterar toda a regulação do setor para que a construção de refinarias fique a cargo de empresas privadas.

Então, vamos começar a análise pela primeira premissa.

O Brasil é importador líquido de derivados porque não tem capacidade suficiente de refino?

O Brasil é importador líquido de derivados porque não tem capacidade de refino ou por causa da política de Preços Paritários de Importação (PPI), inaugurada pela direção da Petrobrás, sob Pedro Parente, a partir de outubro de 2016?

Vamos aos fatos.

Gasolina

Em 2014 foram produzidos 181,6 milhões de barris de Gasolina A no Brasil, equivalente a 248,8 milhões de barris de Gasolina C (com 27% de etanol anidro).

Em 2021, o mercado brasileiro de Gasolina C foi de 247,2 milhões de barris. Ou seja, existe capacidade instalada e provada de se produzir no Brasil a demanda pela Gasolina C de 2021.

Óleo Diesel

Em 2014 foram produzidos 312,4 milhões de barris de diesel no Brasil.

Em 2021, o mercado brasileiro de diesel de origem fóssil – descontada a fração de Biodiesel – foi de 343,4 milhões de barris.

O 1º trem da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, entrou em operação em dezembro de 2014, o que aumenta significativamente a capacidade de refino e produção de óleo diesel. Em 2016, a RNEST produziu 22,2 milhões de barris de diesel. Sua capacidade instalada para a produção de diesel é de 27,4 milhões de barris por ano. Somada sua capacidade instalada ao que foi produzido pelo parque de refino da Petrobrás em 2014, antes de sua entrada em operação, pode se alcançar 339,8 milhões de barris por ano (99% do óleo diesel vendido em 2021 no Brasil).

O 2º trem da RNEST que pode dobrar sua produção do diesel e demais combustíveis está em fase avançada de construção e pode ser concluído em prazo relativamente curto, mas sua implantação foi interrompida por decisão da direção da Petrobrás.

A capacidade de produção nacional do óleo diesel é compatível com a demanda, caso exista a necessidade de importação, esta seria residual.

O argumento pressupõe que não há capacidade de refino para atender nosso mercado, o que os resultados históricos demonstram que não é verdade para a gasolina e, no caso do diesel, a necessidade de importação é residual em comparação com o que pode ser produzido aqui. A premissa é falsa para a gasolina e pouco relevante para o diesel. (Coutinho, 2022)

Registre-se que é importante o aumento da capacidade de refino para atender a demanda, caso a economia brasileira cresça, e para agregar valor a produção do petróleo, evitando a sua exportação no estado cru.

Analisemos a segunda premissa.

O investimento para elevação da capacidade de refino seria alto e inviável se realizado pela Petrobrás?

O autor parte de uma premissa falsa, a de que o Brasil é importador líquido de derivados porque não tem capacidade de refino e acrescenta outra premissa, a de que o investimento na elevação da capacidade de refino pela Petrobrás seria muito alto e inviável, para então tentar justificar a sua “solução”.

Para demonstrar a premissa de que o investimento no aumento da capacidade de refino pela Petrobrás seria alto e inviável o autor erra no método e engana (ou se engana?) com os números.

Samuel Pessôa assume que todo o investimento realizado pela Petrobrás no segmento do Refino objetiva aumentar a sua capacidade. Ocorre que, na realidade, os investimentos nas refinarias da Petrobrás visam também a garantia da qualidade dos produtos e o melhor resultado econômico industrial, além de outros objetivos. A adequação da qualidade se dá através de investimentos nas unidades de tratamento, enquanto a melhor economicidade demanda investimentos nas unidades de conversão das frações pesadas, e de menor valor comercial, em frações leves de maior valor agregado, como a gasolina e o diesel. Logo, não se pode assumir, como foi feito pelo autor, que todo o investimento em refino visa tão somente o aumento da capacidade das refinarias.

O autor afirma que obteve os dados dos investimentos em refino no site da Petrobrás e diz que os números estariam acessíveis no post do blog citado no artigo. No entanto, o acesso ao endereço eletrônico foi negado. (Pessôa, Post citado, porém inacessível)

A Figura abaixo apresenta o investimento histórico da Petrobrás no segmento do Abastecimento (Refino, Transporte e Comercialização), de 1965 a 2020, em dólares atualizados para 2020. (Petrobrás)

Observa-se dois altos ciclos de investimentos, de 1970 a 1979 e de 2007 a 2014. No primeiro ciclo foram investidos US$ 135,53 bilhões, média anual de US$ 13,55 bilhões. No segundo, o montante total investido foi de US$ 110,86 bilhões, média anual de US$ 13,86 bilhões.

Os valores apresentados pelo autor são inconsistentes, ele afirma que entre 1954 e 2002 a Petrobrás teria investido apenas US$ 27 bilhões em refino e, entre 2002 e 2016, US$ 101 bilhões. No segundo período teriam sido investidos 3,74 vezes mais do que no primeiro.

Segundo as informações disponíveis pela Petrobrás, entre 1965 e 2002 foram investidos no segmento do Abastecimento US$ 206,66 bilhões, em dólares de 2020 (desconsiderei os investimentos entre 1954 e 1964). Entre 2002 e 2016, foram US$ 128,58 bilhões. Na realidade, no segundo período foram somente 0,62 vezes do que no primeiro e não 3,74 vezes como sustenta o autor.

Depois das duas premissas falsas, a de que o Brasil é importador líquido de derivados porque não tem capacidade de refino e a de que os investimentos realizados pela Petrobrás no refino são altos e inviáveis, o autor vem com sua conclusão, a “solução” de que a Petrobrás precisa deixar o refino e seus investimentos para as empresas privadas. Cabe aqui destacar que desde 1997 o segmento é aberto aos investimentos privados e que eles foram insignificantes para o aumento da capacidade de refino brasileira, ficando a cargo da Petrobrás investir mais de US$ 140 bilhões em Refino, Transporte e Comercialização, desde então.

Conclusão

O Brasil tem capacidade de produzir e refinar o seu petróleo no país. Mas a política de preços tem promovido a importação de combustíveis e a exportação de petróleo cru. Cerca de 50% do petróleo cru produzido no Brasil tem sido exportado, em grande medida por multinacionais estrangeiras. Enquanto isso, até 30% do mercado de combustíveis tem sido ocupado por importados, na maior parte dos Estados Unidos da América (EUA), com ociosidade proporcional do parque de refino brasileiro.

Trata-se de um ciclo do tipo colonial, extrativo e primário exportador do petróleo cru do Brasil. Nenhum país se desenvolveu exportando petróleo cru por multinacionais estrangeiras e importando combustíveis e derivados de maior valor agregado, com o Brasil não será diferente.

Preços desnecessariamente altos, exportação crescente de petróleo cru, importação de derivados e ociosidade das refinarias brasileiras, são consequências do Preço Paritário de Importação (PPI), política de preços inédita e arbitrariamente adotada pelas direções da Petrobrás desde outubro de 2016. São decisões de responsabilidade do Presidente da República que podem e devem ser revertidas para o bem do Brasil.

Felipe Coutinho é engenheiro químico e vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
Agosto de 2022

Referências
Coutinho, F. (2022). Cinco Falácias sobre o Preço Paritário de Importação (PPI) praticado pela direção da Petrobrás. Fonte: https://aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/7536-cinco-falacias-sobre-o-preco-paritario-de-importacao-ppi-praticado-pela-direcao-da-petrobras
Pessôa, S. (2022). Por que é tão caro construir refinarias no Brasil? Foha de S. Paulo. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2022/08/por-que-e-tao-caro-construir-refinarias-no-brasil.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa
Pessôa, S. (s.d.). Post citado, porém inacessível. Fonte: https://blogdoibre.fgv.br/posts/ineficiencia-do-investimento-em-refino-da-petrobras-nos-anos-2000
Petrobras. (s.d.). Histórico do Investimento. Fonte: https://www.investidorpetrobras.com.br/visao-geral/indicadores/investimentos/

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