Larisa Shesler [*]
Os uivos começam, com a exigência de que a Rússia abra a exportação dos cereais da Ucrânia através dos portos.[1]
Disparate 1. O volume total de grãos exportáveis da Ucrânia retidos em portos é de 20 milhões de toneladas.
De fato, até ao início de maio não existia tal volume de grãos na Ucrânia. Desde 27 de abril, cerca de 47 milhões de toneladas já haviam sido exportadas da Ucrânia. No total, a Ucrânia planejava exportar cerca de 60 milhões de toneladas. Tendo em conta o milhão e meio de toneladas exportadas em maio através do sistema ferroviário, restam cerca de 12 milhões para exportação. A nova colheita está ainda a três meses de distância. É perfeitamente possível retirá-la por ferrovia. No entanto, isto agora tornou-se muito mais difícil.
Disparate 2. A não exportação ameaça matar à fome os pobres em África.
De fato, o principal comprador de grãos ucranianos é a Europa (girassol, trigo), Turquia, China e Egito. A Rússia abastece a África, a qual cumpre todos os contratos. Mas, claro, devido à escassez de girassol, o óleo vegetal tornou-se muito caro não em África mas sim na Europa. Não em África, mas na Alemanha, a farinha começou a custar 3 euros. Não em África, mas na Itália não há farinha suficiente para a pasta. Os europeus preocupam-se consigo próprios, não com os pobres africanos famintos.
Disparate 3. A ameaça de fome global é uma consequência da agressão russa.
Na realidade, a escassez de alimentos é uma consequência da política colonial da Europa e do Ocidente, os quais utilizam recursos baratos da Ucrânia, Rússia e outros países que lhe fornecem cereais e minerais baratos. Durante várias décadas, o preço do trigo esteve em torno dos 200 dólares por tonelada. Durante todo este tempo os preços das bolhas financeiras, dos bens imobiliários, de todos os tipos de serviços bancários e legais, dos royalties e o custo de todos os tipos de franquias aumentaram várias vezes e mesmo dezenas de vezes. Todos os grãos, com os quais ao que parece a Ucrânia alimenta o mundo, custam menos do que as receitas de alguns mercados nos EUA.
Assim, todos os países produtores de café recebem de 5 a 10 bilhões de dólares por ano, mas só as receitas da Nestlé são dez vezes maiores. E se contarmos as receitas de todos os tipos de cadeias de cafés e da publicidade? Se num belo ano os países que cultivam café deixassem de o cultivar, o mundo não perderia só os 5-10 bilhões pelo café não entregue, mas teria centenas de bilhões de perdas devido aos prejuízos de todos as corporações-monstro ocidentais que utilizam este café.
Assim, os cereais não exportados da Ucrânia não constituem uma ameaça de fome para africanos pobres, mas sim enormes prejuízos para empresas ocidentais que recebem bens com um valor dez vezes superior a estes cereais.
E se olharmos para isto neste contexto, este bombardeamento mediático provém de fato de países que apelam à destruição da economia russa, países que querem espezinhar a Rússia até ao século XIX e que falam abertamente sobre isso – são os países que querem que a Rússia lhes proporcione uma vida despreocupada e equilibrada. Uma vida com gás barato, carvão grátis, petróleo grátis.
E, claro, a vida com pão e pasta baratos, porque as autoridades destes países estão bem conscientes de que a população não tolerará Putin devido aos preços altos.
Este é o motivo para a indignação do Ocidente em relação aos acontecimentos na Ucrânia. Desagrada-o fortemente que uma colónia que considerava ser sua lhe esteja a ser retirada debaixo do seu nariz. E que podiam explorar ao máximo, em particular, dela extraindo grãos baratos e outros produtos agrícolas, assim como a colza que é difícil de plantar em casa pois esgota o solo. E aqui isto pode ser feito plenamente – na nossa área há realmente muito disto a crescer neste momento.
Mas agora tudo isto está a terminar, de modo que o Ocidente coletivo tem de viver cada vez mais por si próprio. E esqueceu-se de como o fazer, porque mudou para o outsourcing – portanto, quando cessa é inevitável um forte aumento dos preços e uma queda do nível de vida – duas a três vezes, conforme o país. Agora terão de cultivar por si próprios os mesmos cereais e outras culturas nas quantidades certas – e não apenas processar as matérias-primas em casa e ter centenas por cento de lucro com isto. E é extremamente difícil fazer isto tendo em conta a escassez de energia e mesmo de fertilizantes – é impossível fazê-lo de forma barata.
Portanto, o presente alarido universal daqueles privados da sua “sociedade de bem-estar” à custa de outros vale a pena. No entanto, apesar de tudo, a Comissão Europeia, numa reunião fechada, adotou uma nova orientação sobre os pagamentos pelo gás russo, o que implica permitir às empresas europeias abrir contas em dólares ou euros na Gazprombank, de acordo com as exigências do lado russo. Eles não têm outra coisa a fazer e não querem congelar no Inverno.
Solidariedade com solidariedade, nós os ajudaremos a vencer a Eurovisão, mas não aprovaremos embargos aos fornecedores de energia!
Em geral, tudo é muito mais complicado do que uma simples operação especial ou um conflito na Ucrânia. Esta é uma guerra complexa para a reconstrução do mundo, o qual irá mudar em qualquer caso – trata-se simplesmente de saber em que termos exatamente – e será decidida nos próximos anos. Incluindo este.
[1] in https://t.me/s/EurasianChoice:
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Segundo a informação do secretariado da International Maritime Organization (IMO), no momento do arranque da operação militar especial havia 94 navios e cerca de 2000 tripulantes nos portos da Ucrânia (Odessa e outros). Agora 84 navios estão bloqueados e cerca de 200 tripulantes permanecem para manter os navios.
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No fim de Março a Rússia criou um corredor humanitário no Mar Negro para navios deixarem os potos da Ucrânia. Tinha 80 milhas de comprimento e 3 milhas de largura. Este corredor abria diariamente. Nem um único navio utilizou o corredor, embora notificações de interesse fossem recebidas pelas autoridades competentes tanto da Rússia como da Ucrânia.
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O lado ucraniano deixou claro que não planeia tomar acções significativas para assegurar a sua secção do corredor. Em todos os portos da Ucrânia, o mais alto “nível de segurança 3” anunciado pela Ucrânia está em vigor – uma proibição à entrada e saída de navios mercantes.
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Este passo é “complementado” pelo facto de os militares ucraniano minaram os portos e águas adjacentes. A minagem foi executada tão caoticamente que não há mapas das minas marítimas colocadas.
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Durante algum tempo a delegação ucraniana no IMO afirmou que todas as minas no Mar Negro eram russas. Só durante o briefing do secretário-geral da IMO, em 12 de abril, o delegado da Ucrânia confirmou a minagem intencional dos seus próprios portos.
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De fato, os navios civis bloqueados e suas tripulações são reféns do regime de Kiev e atuam como “escudo humano”.
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Em qualquer contacto, os ucranianos ligam a saída de navios estrangeiros dos seus portos à cessação de hostilidades e à retirada completa de tropas russas do território da Ucrânia.
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Os militares russos podiam começar a desminar os portos. Contudo, Kiev evade-se de todo o modo possível a qualquer interação, inclusive com proprietários de navios, para resolver a questão da saída segura das embarcações.
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Obviamente, na ausência de uma solução para esta questão principal, não é necessário falar acerca da exportação por mar de cereais ucranianos.
Ver também:
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Alimentos e descolonização, de Prabhat Patnaik
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The West Has Created an Empire of Lies Presupposing the Destruction of Russia, de Nikolay Patrushev