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sábado, 20 abril, 2024

Para impedir o desastre climático, tornem o ecocídio um crime internacional. É o único jeito

Créditos da foto: Incêndio ilegal em uma reserva da Amazônia, no estado do Pará (Carl de Souza/AFP/Getty Images)

Tornar o ecocídio um crime responsabilizaria governos e corporações por negligência ambiental. Nós não podemos esperar

O Acordo de Paris está fracassando. Ainda assim, há uma nova esperança para preservar um planeta habitável: a crescente campanha global para criminalizar o ecocídio pode abordar as principais causas da crise climática e salvaguardar nosso planeta – a casa comum de toda a humanidade, e, de fato, de toda a vida na Terra.

Quase cinco anos após a negociação do revolucionário Acordo de Paris para limitar emissões de gases do efeito estufa e o aquecimento global associado para “bem abaixo de 2.0C acima de níveis pré-industriais e perseguir esforços para limitar o aumento de temperatura mais além para 1.5C”, estamos experienciando uma drástica aceleração do aquecimento. 2020 foi o segundo ano mais quente já registrado, seguindo o histórico 2019. O carbono na atmosfera chegou a 417 partes por milhão (ppm) – o mais alto nos últimos três milhões de anos. Mesmo se mudássemos magicamente para uma economia completamente verde amanhã, ainda há carbono suficiente na atmosfera para continuar a aquecer o planeta por décadas.

O silêncio é claro: sem ações drásticas para limitar o aumento da temperatura abaixo dos 1.5C, a Terra, e toda a vida nela, incluindo todos os seres humanos, sofrerão consequências devastadoras.

Somente dois países – Marrocos e Gâmbia – estão no caminho para alcançar a meta de 1.5C. Os maiores emissores, incluindo os EUA, China, Rússia e Arábia Saudita, estão conduzindo o país para 4C. Nesse nível, as calotas polares irão derreter, causando um dramático aumento do nível do mar que irá – em combinação com outros efeitos devastadores como o fortalecimento de tempestades e secas – causar fome em massa, deslocamentos e extinção.

Atualmente, boa parte da humanidade perdeu a esperança, mas o estabelecimento do ecocídio enquanto crime oferece algo para as pessoas se apoiarem. Aprovar leis contra o ecocídio, como está em consideração em um crescente número de jurisdições, oferece um jeito para corrigir as lacunas do Acordo de Paris. Se falta ambição, transparência e responsabilização no Acordo, a criminalização do ecocídio seria um obstáculo aplicável. Criminalizar o ecocídio também abordaria as causas principais da mudança climática global: a destruição disseminada da natureza, que, em conjunto com as crescentes emissões dos gases de efeito estufa, possui impactos devastadores na saúde global, segurança hídrica e alimentar e no desenvolvimento sustentável – somente nomeando alguns.

O ecocídio divide suas raízes com outros conceitos revolucionários na lei internacional, incluindo o genocídio. De fato, o ecocídio e o genocídio frequentemente andam de mãos dadas. Ao redor do globo, a destruição ecológica também está dizimando as comunidades indígenas. Para citar alguns casos: os Yanomami do Brasil estão enfrentando envenenamento por mercúrio gerado pelos 20.000 mineradores ilegais nos seus territórios. 87% dos vilarejos nativos do Alasca estão experienciando erosão relacionada ao clima, mesmo enquanto lidam com pedidos cada vez mais crescentes para a realização do drill em suas terras.

Uma condenação por ecocídio exigiria uma demonstração de menosprezo proposital pelas consequências de ações como o desmatamento, drilling e mineração imprudentes. Esse limiar implica diversos líderes globais e corporativos através de sua cumplicidade no desmatamento da Amazônia e nas bacias do Congo, no drilling imprudente no Ártico e no Delta Níger, ou na permissão de plantações não sustentáveis de palmeiras africanas no sudeste asiático, entre outras práticas destrutivas.

Como termo, “ecocídio” data de 1970, quando Arthur Glaston, botânico estadunidense, o utilizou para descrever os efeitos espantosos do Agente Laranja nas vastas florestas do Vietnã e do Camboja. No 50º aniversário do conceito, podemos nos apropriar da vontade civil crescente para oficialmente tornar o ecocídio um crime internacional.

Cidadãos, cientistas e jovens ativistas incluindo Greta Thunberg estão pedindo aos líderes globais para introduzirem o ecocídio no Tribunal Criminal Internacional (ICC). Seguindo o comando de estados oceânicos vulneráveis à mudança climática, Vanuatu e Maldivas, em dezembro de 2019, o presidente Emmanuel Macron da França prometeu defendê-lo no palco internacional no último mês de junho e propôs uma versão parecida na lei francesa. A Finlândia e a Bélgica expressaram interesse durante a reunião anual do ICC, e o comitê espanhol de relações exteriores divulgou recomendações para considerá-lo. A UE também votou para encorajar seu reconhecimento pelos estados membros. E o Papa Francisco estava à frente no jogo em novembro de 2019 quando pediu para o ecocídio se tornar um crime internacional contra a paz. A Fundação Pare o Ecocídio recentemente convocou um painel de advogados internacionais de peso para elaborar uma definição legal robusta de ecocídio que essa crescente lista de estados pode seriamente considerar propor como uma emenda ao Estatuto de Roma do ICC.

Criminalizar o ecocídio nos dá a chance sem precedentes de criar uma medida protetiva com base legal que poderia impedir que líderes imprudentes criassem políticas prejudiciais e imediatistas, impondo uma responsabilização de uma maneira que o Acordo de Paris não faz.

Também importante, poderíamos motivar corporações a se afastarem radicalmente de um status quo inaceitável que frequentemente favorece a destruição da natureza em troca de lucros imediatos. Conforme o ecocídio se torna uma realidade legal impeditiva, líderes corporativos seriam forçados a se adaptar, e rapidamente, re-examinar o jeito como fazem negócios e tomam decisões com o nosso planeta em mente.

Mas o ecocídio não seria somente uma medida punitiva para líderes corporativos. Também ofereceria oportunidades consideráveis para novas iniciativas sustentáveis. As áreas intocadas que o ecocídio tem como alvo – florestas virgens, oceanos e zonas úmidas – são precisamente os locais que possuem um valor que vai além de meras indústrias extrativistas, incluindo no desenvolvimento sustentável de novos remédios que podem ajudar na atual pandemia de covid-19 e nas futuras pandemias. Líderes verdadeiros nos setores público e privado prefeririam criações de longo-prazo, éticas e sustentáveis que não explorem a natureza ou a humanidade. Ao criminalizar figuras ruins, vamos empoderar muitas outras boas.

Enquanto comunidade global, não podemos esperar por mais sinais de alerta sobre o “momento certo”. Só no ano passado vimos exemplos devastadores de ecocídio: incêndios destruindo a Amazônia, as bacias do Congo, Austrália, Alasca e a Sibéria em níveis sem precedentes; um grande vazamento de óleo no Equador; e a crescente e infindável poluição por plástico, que poderá representar até 1.3 bilhões de toneladas em 2040. Infelizmente, sob o disfarce da covid-19, o ecocídio acelerou. O desmatamento na bacia amazônica aumentou em 50% no primeiro semestre de 2020 com incêndios desenfreados.

Em meio a uma pandemia global que demonstra a vulnerabilidade partilhada da humanidade – e nossa necessidade de trabalhar juntos coletivamente em face a uma crise – devemos começar a entender que o que fazemos ao nosso ecossistema, fazemos a nós mesmos.

De fato, o significado de ecocídio está completamente encapsulado por sua etimologia. Vem do greo oikos (casa) e do latim cadere (matar). O ecocídio está literalmente “matando nossa casa”.

*Publicado originalmente em ‘The Guardian‘ | Tradução de Isabela Palhares

Fonte: Carta Maior

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