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sexta-feira, 26 julho, 2024

 Outubros nada primaveris

Batalha da Maria Antônia (Fotos: Reprodução)

Zedejesusbarreto

   Há precisos 55 anos, mais de meio século, a panela do mundo fervia e o Brasil se despedaçava por dentro. Aquele outubro nada primaveril desembocou no AI-5 de dezembro, quando os militares, no poder desde 1964, arrocharam pra valer a ditadura e o bicho pegou, feio

  O 68 começou tenso em todo o planeta. Os jovens estudantes agitaram as estruturas, carcomidas. O movimento estudantil francês uniu-se aos trabalhadores e a França parou em maio, em greves, instigantes bandeiras e barricadas. Houve eco.

Primavera de Praga - Contexto histórico, causas e consequências

Na Tchecoslováquia a reformista Primavera de Praga contra o velho comando comunista soviético, movimento sufocado na porrada. Nos EUA, a luta contra o racismo e a desgraceira da Guerra do Vietnã. No México, o massacre de Tlatelolco, no começo de outubro, após a ocupação militar da UNAM; uma desgraceira, nunca contaram o número de mortos.

Edson Luís de Lima Souto - Memórias da ditadura

  O ‘outubro’ violento brasileiro começou em março, com o assassinato do estudante secundarista Edson Luis, no restaurante universitário Calabouço. O episódio rendeu a célebre manifestação/Passeata dos Cem Mil, no Rio (dia 26 de junho), e incendiou o ambiente estudantil, universitário e secundarista, no país inteiro. Uma grande bandeira unia todos: ‘Abaixo a ditadura!’

 Nos dias 2 e 3 de outubro de 1968 aconteceria a chamada Batalha da Maria Antônia, o conflito entre os esquerdistas alunos da USP e os direitistas alunos do Mackenzie, que transformou a rua, onde se localizavam os ‘campi’ universitários das duas instituições, em uma praça de guerra. Sangrenta de verdade. Teve muita pancadaria, vidros quebrados, paus e pedras, coquetéis molotov, ácidos, feridos, tiros de vera e um estudante secundarista baleado e morto: José Guimarães, de 26 anos, varado com uma bala calibre 45.

  Daí, as manifestações se espalharam por outras ruas, até o centro de São Paulo, com veículos virados, incendiados e uma multidão de jovens quebrando e saqueando tudo pelas avenidas. Claro, a repressão militar pegou pesado. Muitos presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional.

Especial USP | Ecos de 1968 – 50 anos depois – Jornal da USP

  Para que se possa entender como tudo começou, é preciso contar que a USP era de fato um polo da esquerda estudantil que pregava uma ampla reforma universitária e a derrubada dos militares no poder. No comando, a UNE, que tinha como presidente o líder Luis Travassos, e na frente das batalhas um certo José Dirceu de Oliveira e Silva, aquele mesmo (depois ministro todo-poderoso de Lula), à época estudante, militante de comando. FHC ensinava lá, os estudantes o curtiam como esquerdista, posicionava-se pelas reformas.

  Do lado oposto, a ‘burguesia’ universitária do Mackensie, faculdade dos riquinhos, tida como de extrema direita pois tinha em suas fileiras até militantes do famigerado grupo CCC- o Comando de Caça aos Comunistas, benquistos pelos milicos do governo.

Congresso da UNE em Ibiúna - 26/04/2013 - Política - Fotografia - Folha de S.Paulo

   O estopim do conflito teria sido a cobrança de pedágios na rua, por parte do pessoal da USP, no intuito de conseguir dinheiro para bancar o Congresso da UNE, que aconteceria em Ibiuna, interior de São Paulo, semanas depois (as forças militares invadiram a fazenda em Ibiuna, onde os estudantes estavam reunidos, no dia 12 de outubro; mais de 800 presos).

O pessoal do Mackensie tentou impedir na tora a cobrança do pedágio, a pedradas. Houve reação, óbvio, e o couro comeu na rua. No começo da noite daquele dia 2 de outubro vidraças e janelas do prédio da Faculdade de Filosofia da USP restaram quebradas. Na tarde do dia seguinte a batalha recomeçou, já com uso de coquetéis molotov, porretes, ácidos e tiros de armas de fogo que partiam das janelas dos prédios da Mackensie. Um deles matou o secundarista. Aí a coisa tornou-se incontrolável.

Com AI-5, Costa e Silva pôs fim a qualquer resquício de democracia no país - 05/01/2020 - Ilustrada - Folha

  Ou, pior: tudo terminaria controlado à força das armas pelos militares de plantão, a partir do AI-5 assinado pelo general presidente Costa e Silva nos meados de dezembro. Seguiram-se anos de trevas, com suspensão dos direitos civis e políticos, censura rigorosa, medo, perseguição dos ‘inimigos’, tortura e morte nos porões. Do ponto de vista político, os anos 70 foram de amargar.

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  Termino, como reflexão, citando o cineasta e pensador José Padilha, num artigo de outubro de 2018, pela efervescência das eleições que elegeram Bolsonaro. :

“… se a ética não sobrepujar a ideologia no curto prazo, o Brasil caminha para uma tragédia sem tamanho”

… apois.

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