por Michael Roberts [*]
No ano passado tivemos alguns livros importantes e seminais sobre a teoria económica marxista , incluindo a compilação perene de Anwar Shaikh, Capitalism, competition, conflict and crises (em que me aprofundo regularmente); Money and Totality de Fred Moseley, uma obra-prima de defesa da teoria do valor de Marx; Finance Capital Today , de François Chesnais, que descreve as tendências actuais na finança moderna; bem como as grandes contribuições de Tony Norfield ( https://www.versobooks.com/books/2457-the-city ) e John Smith (Imperialism in the 21st century ). É difícil competir com isto em 2017. Entretanto, este ano verificou-se a comemoração dos 150 anos da publicação do Volume Um de O Capitalde Marx, de modo que houve alguns livros importantes. Do meu ponto de vista, A Readers Guide to Capital , de Joseph Choonara, foi o mais claro e conciso de todos os vários guias ou video-leituras que estão disponíveis ou foram publicadas este ano. Choonara conduz o leitor através de cada capítulo do Volume Um com alguma análise clarificadora e comentários relevantes para ajudar. Choonara diz que “ele se destina a ser lido em paralelo com o próprio Capital, com cada capítulo deste consultado antes ou depois de digerir as secções relevantes do trabalho de Marx”. O objectivo, ao contrário da abordagem mais abrangente de Harvey nas suas vídeo-leitura, é “ao invés concentrar-se naquelas áreas que são as mais vitais para um entendimento geral do trabalho e aquelas que mais frequentemente confundem, aproveitando minha própria experiência de ensino de O Capital para públicos de trabalhadores e estudantes de esquerda durante a última década”. Pois, na visão de Choonara, Marx tentou no Capital ver o capitalismo do ponto de vista do trabalho e voltado para um público da classe trabalhadora. O Capital claramente atinge o primeiro objectivo, mas se cumpre o seu objectivo de alcançar leitores da classe trabalhadora é mais duvidoso. O guia de Choonara pode ajudar nisso. Certamente obtive mais do guia de Choonara do que consegui de Marx’s Inferno , de William Clare Roberts, que este ano ganhou o prémio memorial Isaac Deutscher . Utilizando o tema de Marx do inferno de Dante para descrever as iniquidades do capitalismo, Roberts apresenta-nos uma “teoria política do capital”. Não estou seguro quanto ao valor desta abordagem. Como diz David Harvey na sua revisão do livro , “Minha objecção mais séria é que Roberts isola o Volume 1 do Capital como um texto independente e procura interpretá-lo ignorando a sua relação com outros trabalhos de Marx”. E o tema do inferno tem pouco a ver com a teoria económica de Marx, excepto se se aceitar a interpretação de Michael Heinrich (a meu ver incorrecta) da teoria do valor de Marx. Se se quiser teoria económica marxista, há a publicação por Rick Kuhn dos ensaios de Henryk Grossman sobre dinâmica económica, a teoria das crises de Sismondi e sobre várias tendências na análise económica burguesa. Isto ajuda-nos a perceber quão perceptiva é a análise do capitalismo de Marx quando comparada com a burguesa convencional e a dos socialistas utópicos. A análise de Marx destrói a ideia de que tudo possa ser explicado por trocas e mercados. É preciso aprofundar abaixo da superfície até o processo de produção, em particular até a produção de valor (valor de uso e valor de troca). Como afirma Grossman: Marx enfatiza a importância decisiva do processo de produção, encarado não meramente como um processo de valorização mas ao mesmo tempo como um processo de trabalho… quando o processo de produção é encarado como um mero processo de valorização – como na teoria clássica – ele tem todas as característica do entesouramento, fica perdido na abstracção e já não é mais capaz de agarrar o processo económico real” p.156. Apesar do poder da análise de Marx, são ainda as ideias de Keynes que dominam o pensamento de economistas heterodoxos que se opõem à corrente convencional. E isto não é por acidente. Num livro excelente, Geoff Mann, da Simon Fraser University, apresenta uma explicação refinada da dominância de Keynes nos movimentos trabalhistas e de esquerda . No seu, In the Long run we are dead , Geoff argumenta que Keynes domina porque oferece um terceiro caminho entre a revolução socialista e a barbárie, isto é, o fim da civilização como “nós (realmente os burgueses como Keynes) a conhecemos”. Isto recorria (e ainda recorre) aos líderes do movimento trabalhista e “liberais” desejosos de mudança. A revolução é arriscada e poderíamos afundar com ela. Mann: “a esquerda quer democracia sem populismo, quer políticas transformadoras sem os riscos da transformação; quer revolução sem revolucionários” (p.21). O que Mann argumenta é que a análise económica keynesiana domina a esquerda apesar das suas falácias e fracasso porque ela exprime o temor que muitos dos líderes do movimento trabalhista têm quanto às massas e à revolução. Como exemplo, leia-se o livro mais recente do importante keynesiano James Kwak, Economism . Kwak cita Keynes: “Para a maioria, penso que o capitalismo, sabiamente administrado, pode provavelmente ser tornado mais eficiente para atingir finalidades económicas do que qualquer sistema alternativo ainda à vista, mas isso em si mesmo é sob muitos aspectos extremamente objectável. O nosso problema é formular uma organização social que seja tão eficiente quanto possível sem ofender nossas noções de um modo de vida satisfatório”. E Kwak comenta : “Isso permanece como o nosso desafio actual”. Para ser justo, não é opção fácil para uma política económica que ameace a ordem estabelecida. Um inferno se seguirá a partir dos media e instituições burguesas. No livro autobiográfico do ano, o economista Yanis Varoufaki, ministro das Finanças grego durante a crise do euro de 2015, esboçou os encontros tortuosos e labirínticos que teve com o Euro grupo ao tentar combater o inferno que a Troika do FMI, BCE e UE pretendiam impor à Grécia. Adults in the room, my battle with Europe’s deep establishment , é um relato personalizado, para dizer o mínimo. A análise de Varoufakis da crise e a sua justificação para o que aconteceu (a capitulação do governo Syriza e a sua demissão do governo) contém todas as marcas do seu marxismo errático (na sua própria definição). A sua batalha foi perdida, mas a guerra continua. O ano de 2017 foi também o primeiro do reino de Donald Trump sobre o capital estado-unidense. Um dos seus objectivos chave era desregulamentar o sector dos negócios e das finanças das restrições (curbs) que o Congresso havia imposto (em alguma medida) após o crash financeiro global. Desregulamentação interna, mas proteccionismo no exterior. O livro de Brett Christophers, The Great Leveller , examina esta tensão dinâmica entre libertar o capital da regulamentação e ainda assim assegurar que ele não deita a casa abaixo. Christopher argumenta que nesta dinâmica, medidas legais têm um papel subvalorizado na tentativa de preservar um “equilíbrio delicado entre competição e monopólio”, o qual é necessário para “regular os ritmos da acumulação capitalista”. O tema que Christophers destaca é o papel da lei na redução das oscilações anárquicas entre monopólio excessivo e competição ruinosa em diferentes períodos do capitalismo. Isto é uma nova visão. Mas este foi o ano do 150º aniversário e não poderia passar sem um novo livro de David Harvey, o mais influente marxista de hoje, sobre o Capital. No seu Madness of Economic Reason , Harvey mostra sua visão mais recente do esquema de Marx no Capital. Trata-se de um livro bem escrito, fácil de ler e não demasiado longo. E há muita leituras em vídeo de DH sobre os argumentos principais no livro. Harvey apresentou sua tese mais recente na conferência Capital.150 , organizada em Setembro por este blogue e o Kings College. DH argumenta que o Volume Um do Capital trata apenas da parte de produção do circuito (a produção de valor e valor excedente). O Volume Dois trata da realização e circulação do capital entre sectores na sua reprodução, enquanto o Volume Três trata da distribuição daquele valor. E apesar de Marx fazer uma grande análise da parte da produção, seus volumes posteriores não estão completos e foram dispostos (scratched) juntos por Engels. Portanto, segundo DH, a análise de Marx não chega a explicar desenvolvimentos no capitalismo moderno. Agora no século XXI, as crises sob o capitalismo são pelo menos tão prováveis, se não mais ainda, de encontrar na ruptura da circulação ou na realização do valor excedente do que na sua produção. E assim as crises agora acontecem mais provavelmente na finança e no incumprimento de dívida, devido à “financiarização”. Quem ler o meu blogue, incluindo a mensagem nesta conferência e debates anteriores com Harvey sobre estas questões, saberá que não concordo com a sua visão do Capital . Argumento que a produção de valor excedente e a acumulação de capital permanecem centrais na explicação de Marx do capitalismo e das suas contradições que levam a crises recorrentes. Como disse Marx: “O lucro da classe capitalista tem de existir antes que possa ser distribuído”. A produção de valor não é, como argumenta DH, “uma pequena fatia de valor em movimento” mas sim a maior, tanto conceptualmente para Marx como também quantitativamente, porque em qualquer economia capitalista 80% do produto é composta de meios de produção e de bens intermediários quando comparado com o consumo. Na minha visão, a luta de classe no lugar de trabalho permanece no centro do capitalismo porque é a luta acerca da divisão do valor entre valor excedente e a fatia do trabalho, como mostrou Marx no Volume Um. [*] Economista.
O original encontra-se em thenextrecession.wordpress.com/2017/12/21/best-books-of-2017/ Este artigo encontra-se em http://resistir.info |