(Foto: Sputnik / Said Tsarnaev)
Boaventura de Sousa Santos*
São três histórias atrozes de guerra. Romanceadas? É possível, mas não totalmente inventadas
Quase desde o início da publicação de jornais com grandes tiragens se fala da crise do jornalismo. Já em 1919 Upton Sinclair publicou The Brass Check, uma crítica devastadora do poder do capital para corromper a imprensa e os jornalistas. Mas esta crítica subiu de tom desde o início do novo milénio, quando se tornou evidente que a manipulação dos meios de comunicação visava não só os interesses do capital, mas também os interesses do Estado de segurança nacional. Foi com a invasão do Iraque (2003) que surgiu um novo tipo de jornalistas, os jornalistas incorporados (“embedded journalists”), isto é, os repórteres vinculados a unidades militares envolvidas em conflitos armados e que, portanto, noticiam só o que as autoridades militares permitem, sujeitando-se, pois, a censura ou auto censura. Criam-se assim consensos mediáticos sobre as guerras que não são senão uma dimensão entre outras da guerra de propaganda. Patrick Lawrence, um grande jornalista norte-americano – como curiosidade, lembre-se que foi ele quem cobriu a Revolução do 25 de Abril de 1974 em Portugal para o Guardian – autor do livro recente, Journalists and their Shadows, mostra que a manipulação do jornalismo para servir a política de segurança nacional começou com a Guerra Fria a partir da década de 1950. Diz ele:
“Vivi a Guerra Fria, mas apenas nos seus primeiros anos, e as minhas memórias permanecem vivas. Foi a histeria da imprensa, da rádio e da televisão que mais me ficou na memória. Estas coisas deixaram cicatrizes que não se apagam com o tempo, e de certeza que não estou sozinho a este respeito. Esta histeria atingiu o seu ponto mais alto durante os anos cinquenta e parte dos anos sessenta. Os grandes diários e as cadeias de televisão deram a esse tempo a sua textura e o seu timbre. Trouxeram a Guerra Fria às nossas portas, aos rádios dos nossos carros, às nossas salas de estar. Definiram uma consciência. Disseram aos americanos quem eles eram e o que os tornava americanos e, em geral, o que fazia da América a América. Uma imprensa livre era fundamental para essa auto-imagem, e os americanos nutriam uma profunda necessidade de acreditar que tinham uma. Os nossos jornais e redes de televisão esforçavam-se ao máximo para dar essa aparência de liberdade e independência. O facto de isto ter sido um logro – de os meios de comunicação social americanos se terem rendido ao novo Estado de segurança nacional e às suas várias cruzadas da Guerra Fria – é agora uma questão aberta e evidente. Considero-o uma das verdades mais amargas dos últimos setenta e cinco anos da história americana.”
Uma questão salta aos olhos. Estarão a Europa e América do Norte mergulhadas hoje numa nova Guerra de propaganda, agora em relação à guerra da Ucrânia? Não tenho dúvidas de que assim é. Quantas verdades amargas sobre a história recente (o nosso presente) da Europa vão ser conhecidas nos próximos anos?
As questões mais gerais que os leitores menos intoxicados pela propaganda perguntam são estas. Os jornalistas acreditam nas notícias que dão e no que escrevem? Ou sabem que estão a falsear a verdade e a desinformar, mas essa é a única alternativa para manter o emprego?
*Boaventura de Sousa Santos
Sociólogo português
Publicado no Jornal de Letras, Artes e Ideias, Nº 1382, 20 Setembro 2023