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sábado, 4 outubro, 2025

‘Ocidente vem recriando o mesmo velho inimigo’, analisa Putin em discurso no Clube Valdai

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursou e respondeu a perguntas da audiência no Clube Valdai de Discussões Internacionais, evento anual que debate relações internacionais realizado este ano em Sochi. O discurso durou quase quatro horas.

Falando no Clube Valdai de Discussões Internacionais, o presidente russo Vladimir Putin abordou diversos temas da política externa russa, desde operação especial e o conflito ucraniano, às relações bilaterais com os Estados Unidos e a Europa e até mesmo a situação de Gaza. Grande destaque foi dado à emergência do multilateralismo.

Ordem multilateral, BRICS e a OCX

Em sua fala, o presidente russo ressaltou a importância das Nações Unidas, criada na esteira da Segunda Guerra Mundial. “Até hoje a ONU é a tentativa mais bem-sucedida de criar uma organização internacional”, atestou
“Muitas vezes ouvimos que o sistema das Nações Unidas está paralisado, que passa por uma crise. Alguns chegam a dizer que se tornou obsoleto e que deveria ser radicalmente reformado. Sim, há muitos problemas no funcionamento da ONU, mas precisamos admitir: não existe alternativa melhor.”
Segundo ele, decisões globais só são viáveis com consenso amplo, e o mundo atual exige flexibilidade, criatividade e atenção às rápidas mudanças.
Nesta toada, outras organizações globais surgiram para contrapor o peso estratégico que o eixo ocidental impõe às decisões globais. É o caso do BRICS e da Organização para Cooperação de Xangai, grupos que, como descreve Putin, não são anti-ocidentais, mas são por si mesmos
A criação desses contrapontos foi causada pelo próprio Ocidente, que não quis abrir mão de sua hegemonia mesmo diante de um cenário geopolítico que se alterava.
Dessa forma, as relações internacionais estão passando por uma transformação radical, e ninguém no mundo está mais disposto a jogar segundo regras impostas de algum lugar “para além dos oceanos”. O fracasso da hegemonia era apenas uma questão de tempo, alertou.
É nesse espírito da diplomacia do século XXI que novas instituições estão se desenvolvendo.”
Sobre o BRICS, em específico, Putin destacou que o grupo, hoje responsável por 40% do Produto Interno Bruto global frente a 23% da União Europeia, não possui uma política antidólar, mas sim a favor da expansão das oportunidades de comércio e pagamentos.
Em sua avaliação, as declarações negativas sobre os BRICS a uma reação nervosa ao sucesso do agrupamento.
Nesta quinta-feira (2), em seu discurso às margens da sessão plenária da XXII do Clube Valdai de Discussões Internacionais, o presidente russo Vladimir Putin afirmou que a Rússia estava pronta para a cooperação com os parceiros ocidentais, mas estes não estavam preparados para rejeitar os estereótipos.

Relação com o Ocidente

Em seu discurso, Putin lembrou que que a Rússia, ao fim da União Soviética, estava pronta para a cooperação com o Ocidente, pedindo inclusive para entrar na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). No entanto, eles não estavam preparados para rejeitar os velhos estereótipos.
“O Ocidente vem recriando o mesmo velho inimigo: a Rússia, uma caricatura inventada há séculos. Muitos europeus não conseguem entender por que a Rússia é tão ameaçadora a ponto de precisarem apertar o cinto, sacrificar seus próprios interesses e adotar políticas que os prejudicam. No entanto, as elites europeias continuam a alimentar a histeria.”
Nesse ponto, em especial, ele ironizou os repetidos avistamento de drones sob cidades europeias e as rápidas acusações que recaem sobre Moscou.
“Não vou mais mandar. Nem pra França, nem pra Dinamarca, nem pra Lisboa”, brincou. “Tem pessoas por lá que se divertem com isso do mesmo que se divertiam com OVNIs. Tem tanto maluco lá quanto aqui, ainda mais entre os jovens. Agora vão lançar essas coisas todo dia.”
As falas de Putin, entretanto, tiveram um tom mais sério no geral, como ao abordar os problemas europeus causados pela proibição de importações russas.
“O abandono do gás russo pela Europa levou a preços mais altos, e a produção de fertilizantes com base nesse gás na Europa se tornou não lucrativa, então as empresas começaram a fechar”, informou o presidente da Rússia.

Na atual situação mundial precisamos estar preparados para tudo e “as apostas são extremamente altas”, declarou o presidente da Rússia.

Este foi um dos fatores que levaram à crise social que a Europa vive hoje, explicou o presidente russo.
“Veja o que está acontecendo nas ruas das cidades europeias, o que está acontecendo com a economia, a indústria, a cultura e a identidade europeias, as enormes dívidas e a crescente crise dos sistemas de segurança social que escaparam do controle da migração.”
Putin também utilizou seu discurso para reforçar que a retórica de que a Rússia pretende atacar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é uma “bobagem” da qual os líderes europeus tentam convencer os seus cidadãos, enquanto o continente deixa de encarar diferentes mazelas.
Esse mito levou a países como a Suécia e a Finlândia a realizarem a decisão “estúpida” de ingressarem na OTAN. A Rússia não tinha tropas nas regiões que fazem fronteira com a Finlândia, mas por conta disto, agora as posicionará, mesmo tendo todas as questões territoriais com a Finlândia resolvidas desde a Segunda Guerra Mundial.
Da mesma forma, essas questões foram resolvidas com a Suécia na Batalha de Poltava, referindo-se ao confronto de 1709 contra o exército do rei Carlos XII.
Hoje, a Rússia não tem problemas com nenhum desses dois países, mas ainda há um mau pressentimento quando se fala em reestabelecer relações diplomáticas com a Finlândia e seu presidente, Alexander Stubb.
Ainda sobre o Ocidente, Putin foi enfático ao dizer que nações da região não se importam com os ucranianos, tidos como “bucha de canhão”. O presidente acredita que se Donald Trump estivesse no poder em 2022, quando se deu início a operação militar especial russa, o conflito poderia ter sido evitado. O líder do Kremlin também destacou que a tragédia na região é uma dor compartilhada por todos.

“Infelizmente, até agora não foi possível deter os combates. Mas a responsabilidade por isso não é da maioria, por não parar [o conflito], mas da minoria, sobretudo da Europa, que intensifica constantemente o conflito.”

Ainda sobre o conflito com a Ucrânia, Putin informou que o país entrou nas cidades de Kostiantynivka e Pokrovsk, próximas a Donetsk. O presidente também destacou que os militares russos têm avançado por toda a linha de combate, enquanto Kiev perdeu 44.700 tropas no mês de setembro — metade de maneira irrecuperável —, além de acumular 150 mil deserções.
Dadas as circunstâncias, o líder do Kremlin voltou a declarar que a Ucrânia deveria considerar sentar à mesa de negociações para conversar sobre um cessar-fogo.

“Não estou exagerando. Isto não é uma hipérbole, sem exagero, e também não é ostentação. Eu acho que o Exército russo é o Exército mais bem preparado hoje.”

Sobre a possível entrega de mísseis Tomahawk dos Estados Unidos para a Ucrânia, Putin declarou que, embora esse armamento não seja dos mais modernos, ainda representa uma ameaça significativa.

“Já disse antes: os problemas fundamentais das Forças Armadas da Ucrânia não se resolvem enchendo o Exército de drones, nem criando, à primeira vista, linhas de defesa intransponíveis com ajuda de drones. No fim das contas, se não houver pessoal, não haverá quem lute”.

O presidente também falou sobre o crescimento da militarização na Europa, afirmando que Moscou acompanha de perto este movimento dos países ocidentais do continente. O chefe do Executivo russo declarou que “não se deve provocar” a Rússia.
“A Rússia provou repetidamente que, quando há uma ameaça à nossa segurança, à paz e à tranquilidade dos nossos cidadãos, à nossa soberania e à nossa própria soberania, respondemos rapidamente. Não se deve provocar.”
Putin ressaltou o desejo do governo da Rússia em normalizar completamente as relações com os Estados Unidos. Há dois meses, o presidente russo se encontrou com Trump no Alasca, em reunião que discutiu, entre outras questões, as tensões no leste europeu, além de fortalecer o diálogo entre Moscou e Washington.
Apesar da reaproximação entre Kremlin e Casa Branca, Putin não deixou de comentar a fala de Trump, que descreveu a Rússia como um “tigre de papel”.
“Somos um tigre de papel? Então, o que é a OTAN nesse caso?”
O presidente russo também afirmou que, durante o encontro com Trump, eles discutiram questões, em vez de dizer um ao outro o que fazer. “Discutimos, entende? ‘Quero que isso aconteça.’. Nós conversamos, não foi algo como alguém dizendo: ‘Acho que vocês devem fazer isso, vocês devem fazer aquilo, e você – tire o chapéu!’”, acrescentou.
Além disso, Putin acrescentou que o dirigente norte-americano gosta de surpreender, mas também sabe ouvir e é um interlocutor agradável.
“Nos conhecemos há bastante tempo. Trump gosta de surpreender um pouco — todos vemos isso, o mundo inteiro vê. Mas ele também é uma pessoa que sabe ouvir, mesmo que pareça estranho. Ele escuta, presta atenção e reage. É um interlocutor confortável, eu diria”, disse.

Ataques contra a usina nucelar de Zaporozhie

Os ataques da Ucrânia à Usina Nuclear de Zaporozhie são uma prática muito perigosa e devem cessar, alertou Putin. “O que está acontecendo agora não é diferente das ações de grupos de sabotagem, essencialmente grupos terroristas. Esta é uma prática muito perigosa, e é melhor que pare. Espero que isso chegue de alguma forma aos envolvidos”, destacou.
Diante das tensões, as equipes de manutenção não podem operar plenamente na usina porque ela está ao alcance da artilharia ucraniana. “O problema é colocar essas redes em ordem adequada. A dificuldade é que, como vocês entendem, ela está ao alcance da artilharia ucraniana. Eles estão atacando essas áreas e, efetivamente, impedindo nossas equipes de manutenção de se aproximarem”, afirmou Putin.

Situação atual em Gaza

Durante seu discurso no Clube Valdai de Discussões Internacionais, o presidente russo Vladimir Putin descreveu a situação na Faixa de Gaza como “um evento terrível na história moderna da humanidade”.
O mandatário também informou que a Rússia está pronta para apoiar o plano do presidente dos EUA, Donald Trump, de acabar com o conflito em Gaza, acrescentando que é importante entender como a Palestina vê esse plano.
Putin também disse que o ex-primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, que deverá fazer parte do conselho que supervisionará o futuro governo de Gaza, não é conhecido como um grande pacificador, mas ponderou que ainda pode desempenhar um papel positivo na resolução do conflito.
“A Rússia sempre defendeu a criação de dois Estados, Israel e um Estado Palestino, desde 1948 e depois desde 1974, quando a resolução relevante do Conselho de Segurança da ONU foi adotada”, afirmou.
No momento, não está claro como Israel recebeu a proposta de Trump e como irá cumpri-la, disse Putin. A Rússia, por sua vez, mantém contatos com o Hamas e é importante entender como o plano dos EUA é visto pelo movimento.

Rússia faturou cerca de US$ 800 milhões no ano passado com vendas de urânio aos EUA, disse Putin

A Rússia foi o maior fornecedor de combustível nuclear para os Estados Unidos em 2024, segundo relatório do Departamento de Energia norte-americano divulgado neste mês. No total, 20% do urânio enriquecido usado em reatores comerciais dos EUA veio de empresas russas.
Mesmo com a entrada em vigor da proibição oficial à importação de combustível russo em agosto de 2024, as entregas continuaram acontecendo.
O valor gerado pela venda de urânio aos EUA foi de aproximadamente US$ 800 milhões no ano passado, conforme afirmou Putin.

Tarifas dos EUA sobre parceiros da Rússia resultarão em desaceleração econômica para os próprio americanos

De acordo com Putin, o aumento das tarifas dos Estados Unidos contra países que comercializam com a Rússia resultará em preços mais altos e desaceleração econômica nos próprios EUA.
“Digamos que algumas tarifas maiores serão impostas sobre produtos dos países com os quais a Rússia comercializa recursos energéticos. Isso levará a menos produtos chineses, por exemplo, e preços mais altos para esses produtos no mercado americano. Se isso acontecer, os preços subirão, e então o [Federal Reserve dos EUA] terá que manter a taxa alta ou aumentá-la para conter a inflação. E então isso desacelerará a economia dos próprios Estados Unidos”, explicou o presidente russo.

Recusa da Europa em comprar gás russo levou pessoas às ruas

Além das sanções americanas contra parceiros russos e seus eventuais impactos, Putin também comentou sobre as consequências vividas por países europeus a partir da recusa de continuarem comprando gás russo.
Putin acrescentou que o aumento nos preços dos fertilizantes resultou no aumento dos preços dos produtos agrícolas e, por sua vez, afetou diretamente a vida econômica da população

“É exatamente por isso que as pessoas vão às ruas”, resumiu.

‘Ocinte tenta provocar uma revolução colorida na Sérvia’

Os serviços de inteligência da Rússia confirmam informações de que o Ocidente está tentando organizar uma revolução colorida na Sérvia, afirmou o presidente russo durante o discurso.
“Nossos serviços especiais confirmam isso. Alguns centros ocidentais estão tentando organizar esse tipo de revolução colorida, neste caso, na Sérvia”, disse Putin.
Na sequência, Putin também comentou sobre a detenção de um petroleiro na França, ao qual afirmou ser um “ato de pirataria” com a intenção de provocar a Rússia. Conforme o presidente, não havia drones a bordo, e não poderia haver.
A declaração ocorreu em meio às tensões iniciadas pelo homólogo francês Emmanuel Macron, que afirmou que navios “ligados à frota paralela da Federação da Rússia” precisavam ser detidos.

Rússia e o desenvolvimento de armas de alta tecnologia

A Rússia passou a contar com diversas armas modernas e de alta tecnologia, incluindo o sistema Oreshnik, pontuou Putin.
“Temos agora muitos sistemas de armas modernos e de alta tecnologia. Pegue, por exemplo, o Oreshnik. Recentemente mostramos que esses tipos de armamentos não são estratégicos. Agora ouvimos alguns especialistas nos Estados Unidos dizendo: ‘Não, isso é, sim, uma arma estratégica’. Precisamos esclarecer isso”, enfatizou.
Além disso, Putin comentou sobre o futuro dos tratados de controle de armas nucleares entre Rússia e Estados Unidos. Segundo ele, o diálogo um novo acordo “não é simples” e pode ser encerrado. Originalmente assinado entre Washington e a antiga União Soviética, o tratado visava limitar a produção e o estoque de armas nucleares estratégicas.
“Se nos EUA há quem diga que não querem a renovação do tratado, então nós também não precisamos”, afirmou.

Putin também declarou que a Rússia trabalha em novos sistemas de armamento hipersônico e que possui mais armas táticas nucleares que os Estados Unidos. O presidente russo ainda alertou que Moscou tem conhecimento de países que estariam preparando testes nucleares. “Se eles testarem, nós também testaremos.”

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