por Sergio Medeiros/Jornal GGN
No que se refere a tipificação dada pelo Juiz Sérgio Moro, de lavagem de dinheiro, em relação ao apartamento tríplex, por parte do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva, verifica-se que esta não resiste nem mesmo a uma análise superficial.
Observo que superada esta questão, não restam óbices a que se considere prescrita a pretensão punitiva contra o ex-presidente.
Da correta tipificação do delito com suporte nas tratativas do tríplex em Guarujá.
Tendo sido definido, pelo Tribunal Regional Federal, que Luís Inácio Lula da Silva seria o principal responsável, pela formatação de um esquema de corrupção que envolve o cartel de empreiteiras, do qual seria o garantidor, bem como que a empreiteira OAS, nos anos de 2007/2008, passou a fazer parte do cartel, desta definição decorrem várias consequências.
Assim, em relação as tratativas no que se refere ao tríplex, passariam a existir somente duas possibilidades idôneas, a saber:
- ou se considera a questão do tríplex como mero ato de exaurimento do delito de corrupção passiva, na qualidade de pagamento, relativo aos acertos para a que a OAS fosse aceita no cartel, para participar, dentre outras, de licitações da Petrobrás;
- ou se consideram tais fatos como hábeis a tipificar a ocorrência de delito autônomo de corrupção passiva, que seria decorrente de acordo específico com a OAS, como contrapartida à assunção do empreendimento imobiliário do Bancoop.
A tipificação do delito de lavagem de dinheiro para o “caso do tríplex”, revela-se descabida, pois nesse contexto caberia somente a imputação de corrupção passiva.
A questão relativa ao tríplex, mesmo em tese, somente pode ser apreciada sob a ótica da corrupção passiva – e, no caso, autônoma em relação ao caso das empreiteiras e Petrobrás – , aliás, exatamente como faz o Relator Gebran, que para não infirmar totalmente a sentença, agrega que o fato tem natureza dúplice e é, ao mesmo tempo, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
No caso, desenganadoramente não se confirma a hipótese de lavagem de dinheiro.
É que, a lavagem pressupõe o disfarce existente entre o corruptor e o corrupto e, no caso, não há disfarce, nem ocultamento, o negócio estava sendo feito às claras, e não foi nem mesmo concretizado, nem era espúrio.
No voto é mencionado, para fins de dirimir dúvidas, acerca do decidido em outro julgamento, em relação ao réu Paulo Roberto Costa.
Assim, em outra ação penal foi analisado o caso em que o réu Paulo Roberto Costa, recebeu sua parte na propina, na forma de um automóvel Land Rover Evoque, que lhe é dado por Youssef, ou seja, pelo intermediário laranja (doleiro), e não diretamente pelos corruptores/empreiteiros, mesmo assim ele foi absolvido do delito de lavagem.
Na referida ação, o fundamento adotado para a absolvição é que não houve ocultação e o ato teria sido direto, de Youssef – doleiro- para Paulo Roberto Costa.
Por outro lado, neste caso, o do tríplex que seria destinado a Lula, segundo a tese esgrimida pelo MPF e acolhida pelo juízo de primeiro grau, não há nem mesmo a figura do intermediário, e o imóvel estaria sendo transferido diretamente para o pretensamente “corrupto”.
Pergunta-se então, se naquele caso – o do Paulo Roberto, os valores foram passados para o doleiro – ou seja – realizada a primeira fase de lavagem e, ainda assim o réu é absolvido, pois o repasse para o réu Paulo Roberto teria sido feito de forma direta, o que afastava a hipótese de lavagem, o que falar então do caso que tenta se imputar a Lula, em que não há intermediação nenhuma, e o dito corruptor tentaria passar a propina (imóvel) para o alegadamente corrompido de forma direta.
Desta forma, de plano restaria afastada a tipificação de delito de lavagem de dinheiro.
Ainda, mesmo sob a ótica de possível corrupção passiva, tem-se que esta possibilidade é descabida, porque nunca houve a transmissão nem o gozo uso ou fruição da propriedade, fato este essencial para que, neste caso, houvesse o chamado resultado da corrupção passiva.
Seria necessário o pagamento subfaturado ou transferência sem quaisquer outros pagamentos ou mesmo, numa extensão extrema o uso e gozo do imóvel.
Não ocorreram nenhuma destas hipóteses.
Assim, de forma concreta, não há falar nem mesmo em exaurimento do crime de corrupção passiva, pois não há concretização de nenhum negócio que possa ter a mácula de delituoso.
E tal constatação é singela, não houve transferência de valores, nem do uso e gozo do imóvel. Nesse sentido, excerto da ementa:
“O crime de lavagem de capitais, em todas as suas modalidades típicas, tem um iter criminis fragmentado nas seguintes etapas: cogitação, atos preparatórios, início da execução, consumação e exaurimento, sendo que a punibilidade começa com o início dos atos de execução, ou seja, quando o réu tem à sua disposição o bem proveniente da infração penal e coloca objetivamente em marcha seu plano (o processo) de ocultação e dissimulação, como no caso em comento.” (Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator. Brasília, 27 de junho de 2017.Juiz Federal GUILHERME MENDONÇA DOEHLER Relator Convocado.APELAÇÃO CRIMINAL N. 0004339-49.2014.4.01.3200/AM)” Grifei
De qualquer sorte, se o delito que lhe é imputado fosse o de corrupção passiva, este estaria prescrito.
Outras considerações
O caso é que, como Léo Pinheiro não consegue vincular Lula a corrupção por ele praticada, a única alternativa lhe resta é, através de sua narrativa, tentar incriminá-lo já que não foi possível corrompê-lo.
Os motivos são óbvios, pois, somente se incriminá-lo – a Lula – Leo Pinheiro terá as benesses da redução de sua extensa pena.
Desta forma, como Lula não se corrompe, e, portanto, não há provas para tanto, a narrativa passa a compor um cenário diverso, onde há até mesmo uma conta fictícia de propinas, de novo, em nome da OAS, mas que “ficticiamente” pertenceria a Lula, e, somente de conhecimento de Léo Pinheiro e por ele movimentada.
Em razão do acima exposto, e, sendo a testemunha chave Léo Pinheiro, verifica-se que resta irremediavelmente contaminada a versão acusatória.
E, sobre as alegações, repetidas diversas vezes no TRF4, acerca de não haver outra resposta sobre a pergunta, “Se não eram para o Lula eram para quem???”.
Ora, na própria sentença está, de forma expressa, transcrita a resposta, ou seja, onde a testemunha Rodrigo Garcia da Silva, responsável pelas REFORMAS efetivas, cozinha, piscina, elevador, deck, etc, que o imóvel sofreu, APÓS AGOSTO de 2014, aponta, no que é corroborada pelas demais, que o tríplex passou a ser destinado a um DIRETOR DA OAS. A referida INFORMAÇÃO, consta na sentença, in verbis:
497. Rodrigo Garcia da Silva trabalhou na empresa Kitchens Cozinhas e Decorações entre 2004 e 2015. Ouvido em Juízo (evento 419), confirmou que a empresa foi contratada pela OAS Empreendimentos para “um projeto de uma cozinha para um sítio em Atibaia e o outro eram vários ambientes para um apartamento no Guarujá”. Esclareceu que o último era um triplex no Condomínio Solaris, que o projeto e instalação tiveram o preço de cerca de R$ 320.000,00 e que envolvenu a colocação de armários e mobília na “cozinha, churrasqueira, área de serviço, banheiros e dormitórios, se não me engano acho que uns três ou quatro dormitórios, uns cinco ou seis banheiros, cozinha, área de serviço e churrasqueira”. Declarou ainda que não lhe foi informado que o projeto seria destinado ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sendo ele “tratado como direcionado a um diretor da OAS”.
498. Mario da Silva Amaro e Arthur Hermógenes Sampaio Neto, gerentes comerciais da Kitchens Cozinhas e Decorações, confirmaram, em síntese, o depoimento de Rodrigo Garcia da Silva (evento 425), embora tivessem conhecimento de menos detalhes. De mais relevante confirmação de que realizaram a venda dos móveis tanto para o apartamento no Guarujá como no sítio em Atibaia.
Da inexistência de quaisquer comprovações sobre o exercício, por parte do ex-Presidente Lula, da posse, uso, gozo ou propriedade sobre o imóvel tríplex.
No que se refere ao tríplex do Guarujá (SP), de todos os fatos, o que mais impressiona, é que, em toda a narrativa, não há, em relação a Lula, quaisquer exercícios, seja de posse, uso, gozo ou propriedade.
No que concerne a tese de que a comprovação da propriedade somente poder ser aferida junto ao registro de Imóveis, tal condição foi materialmente comprovada por Lula, uma vez que nunca houve tal registro.
Neste ponto, à míngua de tal comprovação, foi necessário criar uma figura esdrúxula – a figura jurídica do proprietário de fato-, a qual, diga-se de passagem inovadora e surreal, foi criada para que fosse possível dar consistência à tese acusatória.
Mas, em relação a esta primeira hipótese, tenho por afastada a “teoria da propriedade de fato”, pois, além de não comprovada, é estranha ao direito pátrio.
Passa-se a segunda hipótese, a existência de contrato que afirmasse tal transação, devidamente firmado entre as partes.
Novamente a resposta é negativa, não há nada neste sentido, nenhum contrato.
Vamos a terceira hipótese, verificar se há interferência no imóvel que possa ser debitada como sendo de iniciativa do ex-Presidente, e que possa ser considerada como ato de posse ou de propriedade, como o pagamento de quaisquer alterações no imóvel.
A resposta a este quesito também é não, todas as melhorias foram feitas pelo proprietário de fato e de direito, a OAS.
Por fim, verificar se existe algum ato do ex-Presidente que indique que em algum momento ele teve a posse, uso ou usufruto do apartamento.
Reiteradamente, a resposta é não – e nesse item, faço remissão a hipótese delirante, fantasiosa, desconexa, do MPF, abaixo esmiuçada e transcrita em sua essência.
Prosseguindo.
Em suma, numa relação contratual tem que estar presente a bilateralidade, tem que haver algum ato que encerre tal conduta como tendo tal qualidade.
Neste caso mostra-se ausente a referida condição.
Do componente teratológico
Ainda, a distorção feita neste caso ultrapassa os limites e chega a teratologia. Sim, pois somente neste campo podem ser admitidas as manifestações do MPF, diligentemente transcritas à guisa de fundamentação pelo Relator Pedro Gebran Neto. Segue a comprovação da questão teratológica, in verbis:
Por fim, importante refutar a ideia do recurso defensivo que aponta a atipicidade do crime de lavagem pelo qual Luiz Inácio foi condenado a partir de uma interpretação equivocada da 3ª etapa da lavagem, a integração. Embora reconheça que ‘não é necessário que o valor proveniente da atividade ilícita seja integrado à economia, bastando a consumação da primeira etapa para que se caracterize a materialidade delitiva, incidindo sobre a conduta a mesma pena aplicável à dissimulação e reintegração’, contraditoriamente alarga o elemento subjetivo do tipo para nele incluir ‘a vontade de reinseri-lo (o produto do crime) na economia com aparência de licitude’. Ora, a integração nada mais é do que a possibilidade de fruição dos valores branqueados. Quando a ocultação já envolve um bem da vida que pode ser tido como o objetivo do criminoso, não há sentido em se exigir essa reinserção na economia. Grandes criminosos, especialmente os de colarinho branco, utilizam-se com muita frequência desse expediente, dificilmente registrando algum bem de seu patrimônio, auferido de forma ilícita, em nome próprio. Distingue-se a lavagem do exaurimento da corrupção exatamente porque mesmo a fruição se dá de forma dissimulada, através de interpostas pessoas, que servem a mascarar o real proprietário do bem adquirido com valores oriundos da corrupção. No caso dos autos, Luiz Inácio pôde desde sempre dispor de seu imóvel e a partir do segundo semestre de 2014, tendo sido encerradas as reformas e mobiliado o apartamento, poderia dele usufruir livremente como proprietário. Isso ficou muito claro a partir da análise da prova dos autos. Estivesse em seu nome o apartamento, ou, ainda, tivessem sido feitas as compras e reformas em seu nome, não seria possível cogitar do crime de lavagem. No entanto, sempre houve o objetivo de ocultar a real propriedade do imóvel, justamente para dificultar eventual vínculo entre a corrupção na Petrobrás e o ex-Presidente da República.
Por isso, absolutamente inapropriada a utilização do precedente trazido no recurso defensivo, em que os Ministros do Supremo Tribunal Federal discutem, ainda no bojo da Ação Penal 470, se o recebimento de valores, em espécie, pela esposa do corrupto configuraria crime autônomo de lavagem, situação totalmente diversa da presente. Trata-se do caso em que o ex-deputado federal João Paulo Cunha recebeu cinquenta mil reais de propina por intermédio de sua esposa. De se salientar que o julgamento que o absolveu do crime de lavagem se deu por maioria de 6 votos a 4, vencido o relator, Ministro Luiz Fux, que entendeu que ‘o modo como dinheiro chegou ao ex-parlamentar mostrou a clara intenção de dissimular a sua origem, o que já tipificaria o crime’.
Em outros termos, se o ex-Presidente fizesse ele mesmo as modificações neste imóvel, estaria configurada em termos a posse, e, portanto, seria possível acusa-lo de corrupção, mas, por outro lado, como diz o MPF, tal ato teria o condão de afastar a tipificação do delito de lavagem.
Mas aí, como ele não realizou tal ato, de modo absolutamente desarrazoado o MPF conclui que ele lavou dinheiro.
Em outros termos, a sequencia é de tal modo ilógica, pois conduz ao raciocínio a seguir delineado.
Se, para o ex-Presidente Lula ser culpado de corrupção passiva, era necessário que ele fosse proprietário de fato do referido bem, que teria sido dado em pagamento de sua participação, em não havendo tal comprovação, segundo o MPF secundado pelo Relator, automaticamente ele passa a ser culpado do delito de lavagem de dinheiro.
Vejam bem, todos os atos são da OAS, o imóvel nunca saiu do campo de disponibilidade e uso da OAS, tanto é assim que o MPF chega ao disparate de afirmar que:
No caso dos autos, Luiz Inácio pôde desde sempre dispor de seu imóvel e a partir do segundo semestre de 2014, tendo sido encerradas as reformas e mobiliado o apartamento,poderia dele usufruir livremente como proprietário. Isso ficou muito claro a partir da análise da prova dos autos. Estivesse em seu nome o apartamento, ou, ainda, tivessem sido feitas as compras e reformas em seu nome, não seria possível cogitar do crime de lavagem. No entanto, sempre houve o objetivo de ocultar a real propriedade do imóvel, justamente para dificultar eventual vínculo entre a corrupção na Petrobrás e o ex-Presidente da República.
Se estava faltando que o componente teratológico fosse explicitamente demonstrado, tenho sem sombra de dúvidas que esta manifestação do MPF, referendada pelo juízo, tem o condão de espancar quaisquer dúvidas.
*ilógica, sem sentido, monstruosa