Mas não é a única carência essencial. Também falta o pão da política civilizada, que são princípios e valores democráticos.
Um ano e seis meses depois do golpe que afastou Dilma Rousseff, as sucessivas operações de guerra para construir uma ordem econômica e política em desacordo aberto da vontade da maioria da população transformaram a Constituição num farrapo sem valor real, que cada parte procura utilizar de acordo com a própria conveniência, o que pode variar de acordo com o momento e o personagem envolvido.
Assim, o mesmo Senado que em novembro de 2015 submeteu-se ao STF e manteve o senador Delcídio do Amaral na prisão, sem nenhuma base que justificasse medida tão drástica, na noite de ontem assegurou os 44 votos que permitiram o retorno de Aécio Neves às suas funções.
Por um lado foi a recusa ao absolutismo judicial.
De outro, foi um escárnio.
Pode-se medir a gravidade da crise de um país quando não há alternativas aceitáveis para se resolver as questões que importam. Compreende-se, por isso, o voto do Partido dos Trabalhadores, ontem. Os senadores votaram em bloco mas foi um voto estilhaçado do ponto de vista político.
Embora o confronto com o Judiciário seja a prioridade absoluta no período – a começar pela defesa da candidatura Lula –, quando a presunção da inocência será uma questão em todos os debates, o partido não podia deixar de votar contra Aécio, o execrável rosto visível do golpe.
A partir da queda de Dilma, sem crime de responsabilidade, desastre realimentado por um rolo compressor de medidas anti-nacionais e anti-sociais que vieram a seguir, entramos no ambiente do salve-se quem puder.
O vale-tudo é sempre um risco para os mais fracos.
Ninguém deixará de recordar que, dias depois da aparição inaceitável do vulto de uma intervenção militar, em linha direta com o ideário de 64, ganhou corpo em outros círculos a visão de uma intervenção militar supostamente de esquerda, nacionalista – numa reencarnação do imaginário “esquema militar” de Jango que iria proteger o país contra uma conspiração civil-militar de verdade, em curso nos quartéis e gabinetes de empresários.
A noção de que os fins justificam os meios é uma tese complicada do ponto de vista histórico e já pregou muitas peças na maioria de seus defensores.
Isso porque não é uma opção ao alcance de todos, mas apenas de quem dispõe dos meios para alcançar os fins desejados e é capaz de entrar numa luta com outros códigos, sem garantia de tratamento civilizado aos sobreviventes.
Aos demais, cabe a opção de respeitar os caminhos da democracia e a articulação de forças capazes de dar voz e poder as maiorias, pois esta é sua chance única. O risco é estimular atitudes e reações que, cedo ou tarde, se voltarão contra eles próprios.