Trata-se, desde já, de um segundo turno histórico, no qual os dois candidatos têm a mudança como principal plataforma – um cenário de cambio x cambio – e se reivindicam anti-establishment. Enquanto isso, os partidos tradicionais, historicamente bem consolidados, estão de fora do pleito
No dia 19 de junho, próximo domingo, será realizado o segundo turno das eleições presidenciais da Colômbia. O pleito irá opor a fórmula Gustavo Petro-Francia Márquez, pela coalizão Pacto Histórico, contra Rodolfo Hernández-Marelen Castillo, pela Liga de Gobernantes Anticorrupción. No primeiro turno, Petro saiu na frente com 40.34% dos votos, enquanto Hernández obteve 28.17% dos votos. Trata-se, desde já, de um segundo turno histórico, no qual os dois candidatos têm a mudança como principal plataforma – um cenário de cambio x cambio – e se reivindicam anti-establishment. Enquanto isso, os partidos tradicionais, historicamente bem consolidados, estão de fora do pleito.
Até o momento em que este texto é escrito, poucos dias antes de as urnas serem reabertas, o resultado é bastante incerto. De início, na sequência do primeiro turno, os cenários pareciam indicar uma vitória de Hernández. As primeiras pesquisas podem ser encontradas aqui e aqui. Chegou-se a falar que Petro precisaria de um milagre neste segundo turno. Em seguida, as pesquisas indicaram seu crescimento significativo, até chegarem a um resultado de empate técnico. Por fim, sobretudo após o escândalo dos chamados PetroVídeos, há uma paralisação no crescimento de intenção de votos de Petro, e o cenário de indefinição se mantém. Até agora, só se sabe que o resultado das urnas será disputado voto a voto.
Crescimento da esquerda colombiana
Historicamente, a esquerda colombiana não é eleitoralmente competitiva. Em grande parte do século XX, lideranças e ativistas de esquerda (ou mesmo progressistas) foram assassinados, coagidos e/ou encarcerados – em síntese, fisicamente eliminados da disputa eleitoral no país. O assassinato de Jorge Eliecer Gaitán, em 1948, é um dos grandes exemplos. Voz dissonante da ordem oligárquica que construía plataforma popular, foi assassinado no meio da rua às vésperas de uma provável eleição. Outro grande exemplo disto é o assassinato de grande parte da cúpula e de diversos militantes da Unión Patriótica (UP), partido de esquerda em ascensão, entre 1984 e 1987.
É importante ter em mente que se trata de um elemento sistêmico ao regime colombiano. Se os exemplos de Gaitán e da UP marcaram o século passado, até hoje a Colômbia está entre os países que mais assassina lideranças sociais. De acordo com os dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz), após a assinatura dos acordos de paz entre o governo colombiano e as Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colômbia (Farc-EP) em 2016, quase 1300 lideranças sociais e socioambientais foram assassinadas. Parte disto se deve a um cenário de um conflito armado que se estende desde a década de 1960 e que é multi-escalar, composto pelo Estado e suas Forças Armadas, por grupos paramilitares e por guerrilhas, cujo processo de deposição de armas foi atravessado por problemas estruturais. Outra parte – ainda maior – se deve à instrumentalização da guerra como escudo para o assassinato de líderes sociais. O principal exemplo disto é o escândalo dos falsos positivos durante o governo de Álvaro Uribe.
Assim, o cenário político institucional do país, profundamente atravessado pela violência política, foi historicamente dominado por partidos de direita ou centro-direita. Durante o século XX, pelos partidos Liberal e Conservador. A partir de 2002, com a eleição de Álvaro Uribe, o centro hegemônico institucional e a disputa central se deslocariam, com o fortalecimento do Partido de la Unidad (Partido de la U) e, posteriormente, com a criação do Centro Democrático.
Em novembro de 2019, no entanto, as placas tectônicas do país iriam se mover de forma considerável. Após o governo de Iván Duque (Centro Democrático) ter aprovado um pacote de reformas – ou paquetazo, em espanhol -, começou um histórico ciclo de protestos nas principais cidades do país. No início de outubro, manifestantes tomaram as ruas contra as reformas trabalhista, previdenciária e tributária propostas pelo governo. O objetivo central do paquetazo – a austeridade e o corte de gastos públicos – seria atingido por meio da eliminação do fundo estatal de pensões, do aumento da idade de aposentadoria e da diminuição do salário mínimo para uma série de ocupações. Ao paquetazo, somou-se a crise ligada à segurança pública e ao descumprimento dos acordos de paz. Após ter vindo à tona o bombardeio, autorizado pelo governo, de um campo de dissidentes das Farc que teve como resultado o assassinato de menores, o então ministro da defesa renunciou ao seu cargo. Estava formado o cenário político que levaria multidões às ruas.
Os protestos, iniciados em outubro, ganharam força em novembro. Logo, às demandas iniciais – a revogação do paquetazo, o aumento de investimentos públicos em educação e o cumprimento dos acordos de paz – se somaram diversas outras, mais amplas. As manifestações foram recebidas com grande truculência, seja pela Polícia Nacional, seja pelo Esmad, esquadrão de choque anti-distúrbios. As demandas pelo fim da violência policial e da repressão se intensificaram, sobretudo após o assassinato pelo Esmad de Dillan Cruz, de 18 anos. O protagonismo feminista tem que ser mencionado; de olhos vendados, feministas performavam “un violador en tu camino”, como repertório compartilhado com as feministas chilenas. As feministas acusavam “los pacos [a polícia], los jueces, el Estado, el presidente”. Conseguiram sintetizar as demandas: a crise era sistêmica; os inimigos eram a polícia truculenta, a política de austeridade, o presidente, o Estado colombiano, por fim, uribista – neoliberal e autoritário.
No dia 21 de novembro foi realizado o grande paro nacional, de proporções históricas em um país onde protestar significa, muitas vezes, colocar a própria integridade física em risco. Os protestos, acompanhados dos cacerolazos, prática inédita até então no país, varreram o país e conseguiram centralizar as demandas em outro instrumento histórico: o Comitê de Paro. Apesar de ter sido recebido pelo governo de Iván Duque, as demandas do comitê não foram levadas adiante. No entanto, o processo político de abertura e criação de novos símbolos e horizontes estava criado. 21 de novembro foi o início oficial de um grande ciclo de protestos no país.
Em setembro de 2020, em meio à pandemia e ao cruzamento de diversas crises – sanitária, econômica, social – grandes protestos foram realizados em cidades como Cartagena e Bogotá, tendo como principal agenda a luta contra a violência policial e das Forças Armadas. O estopim dos protestos foi assassinato de Javier Ordoñez durante abordagem policial em Bogotá. Os protestos foram novamente recebidos com truculência policial e militar, e quase 20 pessoas perderam a vida nas marchas. Ao mesmo tempo, popularizou-se a prática, capitaneada sobretudo por comunidades indígenas, de derrubada de estátuas e de símbolos ligados à colonização. A derrubada da estátua de Sebastián de Belalcázar, na cidade de Popayán, é um dos principais exemplos.
Em 2021, este cenário ganhou profundidade e dimensão ainda mais territorializada. No dia 28 de abril, o Comitê de Paro convocou um protesto com a consigna: “Es el momento de parar por vida, paz, democracia y contra el nuevo paquetazo de Duque”. A movimentação era resposta à nova proposta de reforma tributária (regressiva) proposta pelo governo de Iván Duque. Aqui faço um breve parênteses: os anos de 2019, 2020 e 2021 foram de profunda ampliação da desigualdade na Colômbia. De acordo com dados do Banco Mundial, mais de 3.5 milhões de pessoas foram arrastadas para a pobreza durante a pandemia no país, e a pandemia elevou em 5.5% a taxa de pobreza extrema do país. Por isso, o governo de Duque vivia momento de grande desaprovação.
Assim, a sensação generalizada em 2020 era de que tanto os diálogos nacionais de 2019 não haviam tido efeito algum quanto o uribismo não entregou nada do que havia prometido. A partir de então, foram mais de 2 meses de protestos em mais de 300 cidades do país. O sentido político principal dos protestos era, de início, a luta contra a reforma tributária e, de forma mais ampla, contra as políticas neoliberais de Ivan Duque. Havia a indignação generalizada contra a precarização da vida, ao mesmo tempo em que a dignidade da vida era reivindicada.
Neste período, o processo foi mais complexo em algumas regiões, como na costa pacífica, sobretudo dos departamentos do Cauca e do Valle do Cauca. A cidade de Cali – e seu Puerto Resistencia – foram o epicentro de protestos que reivindicavam o fim do neoliberalismo, atravessado por dimensões de raça e gênero. Outras ações e movimentos importantes estiveram presentes, como é o caso da Caravana Humanitária dos povos afro-colombianos de Timbiquí, Guapi e López de Micay; das sucessivas mingas indígenas – prática que reúne atores, saberes e ferramentas originárias para pautar agendas e demandas – Cauca a dentro que, não poucas vezes, ficaram responsáveis pela segurança dos atos em cidades como Cali; os bloqueios de vias por parte de comunidades indígenas no departamento de Nariño, além das grandes e históricas mobilizações do povo Misak junto ao Movimiento de Autoridades Indígenas del Suroccidente. São muitos os exemplos que poderiam ser citados sobre os protestos de abril e maio de 2021, de feministas, juventude nas chamadas primeras lineas a guardias indígenas que compuseram a cena. Uma descrição mais completa sobre o processo pode ser encontrada aqui. No entanto, uma frase em específico, citada no artigo citado na frase anterior, merece destaque: “también vengo al Paro porque acá he comido mejor que en mi casa”. No meio do processo de expansão de horizonte, conceitos e símbolos da política – que apenas a prática, a rua e a coletividade podem criar – as ollas comunes eram instrumentos fundamentais para a manutenção e reprodução das manifestações. Dela, parte dos manifestantes conseguia sua subsistência.
O paro de 2021 teve vitórias significativas: no início de maio, o projeto de reforma tributária foi retirado pelo governo, o que foi seguido da renúncia do ministro da Fazenda; alguns dias depois, o governo anunciou uma política de gratuidade temporária das matrículas para alguns grupos estudantis, entre outras questões mais localizadas. No entanto, o principal legado de abril e maio de 2021 foi a consolidação de agendas ligadas à preponderância da vida sobre a morte. O ciclo de protestos entre 2019 e 2021 foi marcadamente anti-neoliberal e anti-uribista: reivindicava a paz (que deve ser mais ampla que o cumprimento dos acordos de paz de 2016, aliás, já que denuncia a violência policial) e acusava o Estado como um todo e abre um novo horizonte político no país.
É a partir dos acúmulos de 2019, 2020 e 2021 que a candidatura de Gustavo Petro consegue avançar de forma mais significativa. Petro, ex-prefeito de Bogotá, já havia sido candidato à presidência duas vezes: em 2010 e em 2018, quando foi ao segundo turno contra o atual presidente. No entanto, entre o segundo turno de 2018 e o primeiro turno de 2022, seu eleitorado cresceu.
De 2018 para cá, o campo político ao redor de Petro se expandiu. Não apenas Petro passou a dialogar mais – inclusive com setores da direita tradicional colombiana, como Armando Benedetti – mas também a sua própria organização expandiu. Ao redor do Colômbia Humana, coalizão pela qual concorreu em 2018, foi se consolidando um pacto que contou não só com novos partidos, como o Polo Democrático, como também com outros movimentos. Com isso, Petro conseguiu reunir ao redor de si grande parte da esquerda, passando por grupos e movimentos sociais e socioambientais. Em alguma medida, a presença de Francia Marquez na chapa como candidata à vice-presidência consolida este processo: ainda que por caminhos turbulentos – e certamente não sem disputas – a candidata à vice é uma liderança afro-colombiana com trajetória na luta anti-extrativista. Um bom perfil de Francia pode ser lido aqui.
Ao redor do Pacto Histórico, há um programa político consolidado para 2022. A plataforma é centrada em um projeto econômico e social de diminuição de desigualdades e ampliação de políticas públicas e sociais – mas comprometida a não expropriar nada, como assinado em documento pela chapa -, com ênfase em transição energética e com agenda ambiental sólida. Destaca-se o compromisso em não seguir com a exploração de petróleo, fracking ou outros hidrocarbonetos. Em síntese, um programa que se propõe de transição (energética, política) na direção do fim do uribismo e do neoliberalismo, com a dignidade, a vida e o vivir sabroso (de Francia Marquez) no centro.
Ainda não sabemos se a esquerda conseguirá chegar à presidência da Colômbia. O que sabemos é que a esquerda colombiana já fez história. Nas eleições legislativas, realizadas em março de 2022, elegeu 24 assentos na Câmara e 17 no Senado, conquistando um tamanho inédito no congresso. Fica claro que, apesar da importância do nome de Petro, o programa político vai além dele. Existe uma esquerda eleitoralmente competitiva, que elege parlamentares suficientes para consolidar uma grande bancada. E isto só é possível pelos acúmulos consolidados nas ruas, nas marchas, nas praças e nos territórios entre 2019 e 2022.
Nova agenda em disputa: a guerra já não define o cenário eleitoral
Pelo menos desde o final dos anos 1990 a clivagem guerra x paz é a principal polarização das eleições colombianas. Em 2002, Álvaro Uribe foi eleito presidente do país com uma plataforma que afirmava que, após as fracassadas tentativas de acordos de paz, promovidas por Andrés Pastrana, não haveria outra alternativa que não a eliminação (física) dos grupos guerrilheiros. Em 2014, quando Juan Manuel Santos foi candidato à reeleição, a polarização central era sobre a continuidade ou não dos acordos de paz com as Farc-EP, iniciados em 2012. Em 2018, eleição que opôs Petro e Ivan Duque no segundo turno, o pleito tinha cores de plebiscito de avaliação geral sobre o acordo: enquanto Petro pedia a paz, Ivan Duque reivindicava a revisão do acordo.
Em 2022, no entanto, o cenário é profundamente diferente. Com a consolidação de uma esquerda anti-neoliberal eleitoralmente competitiva, os eixos da disputa passam a ser outros. O debate econômico organiza a corrida eleitoral, já que no centro do programa de Petro estão as reformas tributária e trabalhista. Ao mesmo tempo, há espaço para a ampliação da discussão sobre agendas como transição energética, legalização de algumas substâncias psicoativas e a utilização de glifosato. A maior parte das candidaturas já não nega os acordos de paz – pelo contrário: a maioria já se diz favorável à negociação com o Ejército de Liberación Nacional (ELN), guerrilha ainda ativa. Ou seja, a guerra já não organiza o cenário eleitoral colombiano.
O uribismo está morto (talvez já enterrado)
O uribismo – campo político organizado ao redor do ex-presidente Álvaro Uribe – vinha sendo desde 2002 a primeira ou segunda força política do país. Elegeu Uribe em 2002 e 2006; Santos em 2010, antes do rompimento de ambos e, posteriormente, em 2018 Iván Duque. No Congresso, sempre foi uma das maiores forças. Com a fundação do partido Centro Democrático, o uribismo ganhou profundidade ainda maior.
2022, no entanto, parece ser a consolidação de um processo que vinha se estabelecendo nas ruas, mas que ainda estava relativamente camuflado. Com a crise absoluta da presidência de Duque após o ciclo de protestos, as crises econômica e social e sua baixíssima popularidade, já era esperado que o representante do uribismo à presidência tentasse se dissociar do atual presidente. Ao mesmo tempo, frente à condenação de Álvaro Uribe – mais a respeito pode ser lido aqui -, também era sabido que o ex-presidente não tinha mais a popularidade e o respeito de outrora. No entanto, as surpresas começam já em março: não apenas o Centro Democrático não disputou as eleições primárias, em março, na Coalizão Equipo por Colômbia, como o partido perdeu parte significativa de seus assentos no Congresso. Com relação a 2018, perdeu 6 assentos no Senado e 20 na Câmara.
Com este resultado, Fico Gutiérrez foi ao primeiro turno como o representante não-oficial do uribismo. Ainda que fosse sabidamente o candidato representante da extrema direita, o apoio de Uribe não foi declarado – para facilitar a vida da candidatura e não contaminá-la com sua baixa popularidade. Uribe não esteve fisicamente presente na corrida eleitoral. Mais do que isto: Gutiérrez demarcou posicionamentos menos radicais que o tradicional dos políticos uribistas. Isto, no entanto, não foi suficiente. Com apenas 23.9% dos votos no primeiro turno, ficou de fora do segundo turno.
Centro político: promessa não-realizada
Após as eleições de 2018, quando se consolidou que, ademais do uribismo, a esquerda estava se estabelecendo como uma das maiores forças do país, o centro político colombiano passou a se movimentar de forma mais densa. Após o resultado eleitoral daquele ano, quando Sergio Fajardo ficou em 3º lugar no primeiro turno, com 23.7% dos votos, e Humberto de la Calle com 2%, havia a expectativa do crescimento de um “reformismo liberal”, nas palavras de Pineda Ruíz. Afinal, com a queda de popularidade do uribismo, haveria espaço para um campo político que fizesse frente à esquerda ou ao “petrismo”. Junto disto, estavam politicamente órfãos aqueles ligados ao ex-presidente Santos, com forte apelo à meritocracia e à tecnocracia. Por fim, nas eleições regionais de 2019, Claudia Lopez foi eleita prefeita de Bogotá com uma plataforma de centro, calcada na defesa dos direitos individuais e em uma agenda anti-corrupção.
Frente a isto, havia espaço para o crescimento do centro político colombiano. A eles se somam os “liberais dissidentes”, como Humberto de la Calle, e o “novo liberalismo”, como Juan Manuel Galán, além do Partido Verde. Para 2022, organizam a Coalición de la Esperanza, que teve em Sergio Fajardo sua cabeça de chapa.
No entanto, Fajardo teve uma votação muito pequena em 2022. Com apenas 4.1% dos votos, amargou um 4º lugar, tendo um percentual de votos muito abaixo do esperado, diminuindo significativamente seu eleitorado de 2018. Entre o crescimento da esquerda e a diminuição do uribismo, o centro político não conseguiu se consolidar ideologicamente ou apresentar conteúdo programático consistente para a disputa majoritária. O resultado é que o espaço da terceira via foi ocupado por uma figura caricata.
Um candidato que é uma incógnita
A presença de Rodolfo Hernández no segundo turno colombiano não era exatamente esperada. Se se podia imaginar uma diminuição tão significativa do uribismo, o natural seria pensar em Fajardo como seu substituto na disputa. No entanto, nas últimas semanas Hernández cresceu de forma significativa nas pesquisas de intenção de voto, capturando, aparentemente, parte dos votos de Gutiérrez e parte significativa dos votos de Fajardo.
Hernández, ex-prefeito da cidade Bucaramanga, desde o início da corrida eleitoral se colocou como candidato “anti-establishment”. O “engenheiro”, como se diz, é representante da Liga de los Gobernadores Anticorrupción e apostou, desde o início, em uma estratégia de comunicação particular. É o “rei do TikTok”, conta com grupos de whatsapp onde fala “diretamente” com o eleitor e possui uma plataforma própria com uma lógica gamificada, que permite que os rodolfistas se conheçam entre si.
Em termos de programa político, é difícil apreender sínteses mais precisas. Ao mesmo tempo que tenta marcar diferenças com Petro, faz questão de mostrar que sua plataforma política é diferente da de Uribe. Recentemente, publicou em seu perfil nas redes sociais suas 20 diferenças com o uribismo. Tem opiniões que podem ser consideradas polêmicas pela direita. Por exemplo, é a favor da regulamentação do uso recreativo da maconha e é contra a exploração do fracking e o uso de glifosato. No entanto, de forma alguma pode ser considerado um candidato progressista. Não tem programa econômico sólido ou projeto ideológico bem definido ou declarado, e sua principal bandeira é “contra a corrupção”.
O fenômeno Hernandez é, provavelmente, a soma de diversas contingências. A diminuição do uribismo somada à manutenção de um eleitorado que vota de forma similar desde 2016 é um destes elementos. Há grande sobreposição de votos entre o “não” no plebiscito dos acordos de paz em 2016, o voto em Ivan Duque e o voto em Hernández (salvo o departamento de Antioquia, onde o voto uribista se manteve). Mais sobre isto pode ser lido aqui. Junto disto, segue existindo um voto anti-esquerda, mobilizado pelo pânico moral que ainda associa Petro às “narco-guerrilhas” e à “venezuelização” da Colômbia. No entanto, mais que isto, parte significativa da explicação parece estar na estratégia de comunicação política de Hernández. Muitas vezes comparado com Trump ou Bolsonaro – ainda que suas semelhanças estejam quase estritamente no método de comunicação, sem se estender ao programa político -, Hernández soube capturar as tendências globais das redes sociais. O resultado é que uma figura pouco consolidada ideologicamente está no segundo turno de um pleito histórico como o de 2018.
Leia os outros artigos da série Resistências latino-americanas
Marília Closs é doutoranda e mestra em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina (NETSAL) e do Observatório Político Sul-Americano (OPSA).
A autora agradece a Fagner Torres, Giovana Esther Zucatto, Rafael Kritski e Talita Tanscheit pela leitura deste texto e/ou discussões sobre o cenário eleitoral colombiano.