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sexta-feira, 26 julho, 2024

O ouro e a prata são dinheiro?

Paul Craig Roberts [*]
O ex-presidente da Reserva Federal Bernanke responde que não.
E a juventude da América também. Há algum tempo postei vídeos de um podcasts que oferecia aos americanos uma moeda de ouro de uma onça no valor aproximado de 1.800 dólares em troca de uma pastilha elástica, a qual foi recusada. A juventude, que paga com cartões de crédito, não com cash, pensa que o dinheiro é digital. Consequentemente, um bitcoin vale muitas vezes o valor de uma moeda de ouro, apesar do facto de o valor de um bitcoin ser nebuloso e poder declinar milhares de dólares num dia.
E, aparentemente, ouro e prata não são dinheiro para pessoas preocupadas com uma inflação que alegadamente é tão grave que a Reserva Federal está a engendrar uma recessão e a eliminação de fundos de pensões e da Grande Banca para travá-la.
Com inflação elevada e investimentos financeiros a pagarem tão pouco, porque é que as pessoas não procuraram proteger o seu poder de compra, indo para o ouro e a prata? Os preços do ouro e da prata caíram enquanto a inflação subia. Isto é absurdo.
Parte da resposta é que o dólar americano está alto, apesar da inflação elevada. Este relacionamento normalmente sem sentido deve-se ao facto de a libra esterlina, o euro e o iene serem afetados negativamente pelos fechamentos da economia devido aos confinamentos (lockdowns) do Covid e à escassez de energia criada pelas sanções de Washington à Rússia, e de estes países estarem a sofrer as suas próprias inflações devido às sanções e aos confinamentos do Covid que reduziram a oferta e os cortaram das distribuições globais. As reduções de oferta podem resultar em preços mais elevados tão eficazmente quanto o excesso de procura por parte dos consumidores.
Uma outra parte da resposta é que a oferta de ouro e prata no mercado de futuros onde o preço é determinado pode ser aumentada através da impressão de contratos a descoberto e, portanto, pode ter aumentos de oferta tal como a moeda fiduciária (fiat money) em papel. Como expliquei muitas vezes neste sítio web, muitas vezes em colaboração com Dave Kranzler, os preços do ouro e da prata são estabelecidos nos mercados de futuros, não no mercado físico onde o ouro e a prata são comprados. O mercado de futuros em ouro e prata permite vendas a descoberto (“naked shorts”). Isto significa que, ao contrário do mercado de ações, onde a pessoa que vende a descoberto tem de ter a ação real para vender, a qual habitualmente é emprestada, o ouro e a prata podem ser vendidos a descoberto sem que o vendedor possua qualquer ouro ou prata.
O que isto significa é que ouro e prata que se comercializam em mercados futuros podem ser criados através da impressão de contratos que não estão cobertos por ouro e prata. Por outras palavras, atualmente a oferta de ouro e prata pode ser aumentada através da impressão de contratos no mercado de futuros, onde o preço é determinado tal como a moeda fiduciária em papel pode ser impressa.
A impressão de contratos e depois o seu despejo (dumping) no mercado de futuros aumenta subitamente a oferta de ouro papel. Um aumento súbito de vendas a descoberto no mercado de futuros faz baixar o preço do ouro. O Federal Reserve e a Grande Banca utilizaram a venda a descoberto para impedir a subida dos preços do ouro e da prata, que mostrariam a verdadeira depreciação do valor do dólar.
O mercado de futuros faz a compensação em cash. Os detentores de contratos não exigem pagamento em ouro, ou seja, não aceitam a entrega. Liquidam em cash. Se os detentores de contratos de entrega exigissem a entrega efetiva, é pouco provável que a Comex tivesse ouro para entregar. A Comex simplesmente recusaria a entrega e liquidaria o contrato em dinheiro a um preço determinado pela manipulação dos valores do ouro e da prata através de vendas a descoberto.
Os investidores de ouro acreditam que este modo de manter baixo o preço do ouro e da prata acabará por ser ultrapassado pela fuga às divisas em papel impressas em excesso.
Há razões para acreditar que eles estão corretos. A menos que o Federal Reserve se tenha envolvido no plano do Fórum Económico Mundial para forçar através de crises uma “Grande Reinicialização” (“Great Reset”) à escala mundial no qual todos nos tornaremos servos sem nada possuir, caso em que uma agenda diferente está a ser cumprida, a atual política do Federal Reserve causará problemas aos Grandes Bancos, tais como os problemas atuais do Credit Suisse, dos fundos de pensões, seguradoras e para os preços das ações e obrigações, assim como para os muitos negócios especulativos baseados nas taxas de juro anteriores, e parte da resultante fuga de ativos financeiros irá encontrar o seu caminho para o ouro e a prata.
Ouro e prata foram a moeda original, porque são raros e podem servir como reserva de valor, assim como meio de troca. Uma oferta de moeda em ouro e prata pode, no entanto, ser inflada. As moedas de ouro podem ser raspadas – daí que os sulcos colocados nos bordos das moedas sejam para revelar a diminuição do conteúdo de ouro. E as moedas podem ser depreciadas (debased) pela adição de metais não preciosos, tal como o denário de prata com o qual o exército romano era pago. Tenho um “denário de prata” que é 90% de chumbo.
Como demonstrou o economista Milton Friedman, mesmo quando opera sob um sistema de ouro um banco central pode essencialmente cancelá-lo através de intervenções que compensem os efeitos monetários da importação e exportação de ouro para equilibrar a balança de pagamentos.
No entanto, as moedas de ouro e prata que não são depreciadas (debased) mantêm o seu valor real em tempos de inflação, aumentam de valor com a inflação ao passo que as moedas fiduciárias declinam de valor a menos que o banco central suprima a subida dos preços dos metais preciosos com operações a descoberto.
A conclusão é que apenas o ouro e a prata são moeda real.
O papel-moeda substituiu a moeda real pois ouro e prata são pesados e a sua presença em quantidades significativas é óbvia e requer a despesa de proteção. Em tempos anteriores, ouro e prata eram depositados em cofres e ao depositante era fornecido um recibo, o qual negociou-se como o primeiro papel-moeda.
Em períodos posteriores, quando divisas em papel, como as notas do Banco de Inglaterra, entraram em circulação, estas eram apoiadas por e convertíveis em ouro. O mesmo aconteceu nos EUA até à era Franklin D. Roosevelt, na década de 1930, quando ouro foi confiscado aos americanos e depois aumentou o seu preço.
O senador americano Jesse Helms devolveu aos americanos o direito de possuir ouro quatro décadas mais tarde, na década de 1970.
Na década de 1930, o Presidente Roosevelt requisitou (called in) o ouro e a seguir aumentou o preço oficial de US$20 por onça para US$35, em que permaneceu até que o preço oficial se tornasse US$42,22. Na década de 1970, o Senador Helms conseguiu que fosse aprovada uma lei que permitia aos americanos possuir novamente ouro sob a forma de moedas e barras e não apenas joias. Na década de 1980, o preço do ouro subiu para US$800 por onça, apesar do grande aumento do valor do dólar americano devido ao êxito da política económica do lado da oferta do Presidente Reagan. A Wall Street havia, evidentemente, previsto incorretamente uma inflação elevada e o colapso do dólar devido à política de Reagan, e alguns investidores atuaram com base nesta previsão incorreta.
Em 2022, o preço do ouro por onça atingiu um pico de US$2.043,30 e atualmente é de US$1.655. Ao longo da minha vida, o preço de uma onça de ouro a preços de hoje subiu 47 vezes – de US$35 para US$1.650.
A questão é o que é que a inflação fez ao dólar de papel? Será que o dólar vale 47 vezes menos do que na minha juventude? Quanto é que o ouro superou o dólar de papel, apesar dos métodos de Washington para suprimir os valores do ouro e da prata?
Não tenho confiança suficiente nos dados da inflação para calcular isto, mas teria prazer em publicar o cálculo de qualquer pessoa que esteja adequadamente explicado.
O que americanos nascidos e criados após a minha geração não compreendem é que no final da Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos estavam no topo do mundo. Os EUA emergiram como a única economia industrial intacta e expandiram-se em poder produtivo após aquela guerra desastrosa. Todas as outras economias industriais estavam em ruínas e os planos eram de converter a Alemanha numa economia agrícola não industrial permanente. Este plano só foi abandonado devido à ascensão da “ameaça soviética”.
Como salientou o Professor do MIT Paul Samuelson, o decano da economia americana na segunda metade do século XX, os Estados Unidos eram uma economia autossuficiente. A sua força de trabalho era empregue na produção de produtos para uso interno e, portanto, os americanos produziam os bens e serviços que consumiam. Isto significava bases fiscais fortes para numerosas cidades e estados que mais tarde foram arruinados pela deslocalização da produção americana forçada por Wall Street em busca de custos laborais mais baixos e lucros mais elevados, uma busca que custou à América as suas escadas para a mobilidade superior na classe média e grande parte da própria classe média. O comércio externo ou “Globalismo” era uma componente insignificante e desnecessária do PIB americano. A dívida dos EUA, apesar da dívida de guerra acumulada, era insignificante e não tinha qualquer consequência para a economia dos EUA, pois devíamos tudo a nós próprios.
A prosperidade da América foi destruída pelo colapso soviético em 1991. A razão é que o colapso soviético convenceu a China e a Índia, com as suas enormes forças de trabalho subempregadas, de que o capitalismo, e não o socialismo, era o futuro, e elas abriram as suas economias ao capital estrangeiro.
A Wall Street forçou as corporações americanas, sob ameaça de takeovers, a transferir a sua produção para o estrangeiro. Isto ocorreu e fez ruir o crescimento do rendimento dos consumidores americanos e as bases fiscais de antigas cidades e estados manufatureiros, muitos dos quais, como Detroit, se tornaram ruínas altamente publicitadas (ver, por exemplo, Paul Craig Roberts, The Failure of Laissez Faire Capitalism).
Não foi a competição estrangeira, da China, Índia, Rússia, que impediu o crescimento dos rendimentos reais americanos. Foram as políticas míopes e egoístas impostas por interesses económicos estreitos, tais como a Wall Street, que tiraram a América do seu poleiro.
Hoje em dia, a economia americana é um mercadejador de bens feitos por empresas americanas no estrangeiro com mão-de-obra estrangeira. Os americanos não recebem o rendimento do fabrico dos bens que consomem. Multimilionários, como Sir James Goldsmith e Roger Milliken, e alguns economistas, como eu próprio, deixaram isto completamente claro durante anos sem qualquer efeito. Na América é a ganância, não os factos, que reina.
A cobiça prevaleceu sobre o interesse público e o que era bom para a América.
Agora temos um país que não pode sequer produzir os seus novos caças a jato sem peças chinesas e cujos bens de consumo têm custos de mão-de-obra chinesa e não americanos.
Um país que se destruiu a si próprio desta forma é tão mal conduzido que uma revolução há muito devia ter sido feita.
Trump tentou mostrar-nos o que nos estava a acontecer, mas até agora os americanos têm-se mostrado demasiado estúpidos para se salvarem.
A incompetência da América é talvez a razão pela qual Putin não se preocupa com a interferência americana na sua operação ucraniana.
Uma vez que Putin enfrenta um Ocidente totalmente incompetente, ele, apesar das suas próprias falhas, prevalecerá. E a China também prevalecerá.
[*] Economista.
O original encontra-se em www.paulcraigroberts.org/2022/10/19/are-gold-and-silver-money/
Este artigo encontra-se em resistir.info

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