Guerra e paz, vistas pelo genial Pablo Picasso. À esquerda, o seu quadro ”Guernica”, que lembra a destruição da cidade basca, no Norte da Espanha, por bombardeios alemães, em 1937. À direita, a sua ”Pomba da Paz”. Este desenho foi escolhido para representar a primeira Conferência Internacional de Paz em Paris, em 1949. Fotos: Reprodução
Pedro Augusto Pinho*
Na comemoração dos dez anos da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), em outubro de 2023, em Pequim, onde o diretor responsável do Monitor Mercantil, o jornalista Marcos de Oliveira, foi o único brasileiro presente, os presidentes da China e da Rússia, Vladimir Putin e Xi Jin Ping, afirmaram a necessidade de “uma nova ordem mundial que respeite a diversidade das civilizações”.
Desde o início deste século XXI, diversos outros dirigentes nacionais têm adotado decisões para transformar em realidade a existência do mundo multipolar.
Pode-se simplificar em uma só frase o significado do mundo multipolar: o respeito que todos países têm pelas opções que cada um adota internamente, em todos sentidos, preservando a paz nos seus relacionamentos.
É a grande mudança no mundo que, do Renascimento até agora, as nações mais poderosas buscaram apenas e sempre, além da ampliação de seus territórios, ter colônias nos seus relacionamentos com outros povos, os mais escravizadores chegando até a definir as fronteiras dos demais países.
Na última versão, este mundo totalitário foi dirigido pelas finanças apátridas, residentes nas ficções denominadas “paraísos fiscais”, pois tudo se resumia ao poder do dinheiro. Assumiu ser unipolar, globalista e adotou o pensamento neoliberal para justificar sua conduta.
Os governos nacionais se transformaram em fantoches, cumprindo as determinações dos capitais financeiros, tanto internamente quanto nas relações internacionais.
Poderíamos resumir o lema deste poder em “uma moeda, uma lei, um idioma”, acima das inevitáveis desigualdades naturais e culturais entre os povos. Era, por sua própria definição, o mundo da escravidão de todos à moeda.
Porém, a partir da reconstrução da Federação Russa (Rússia), das transformações no poder da República Popular da China (China) e dos inegáveis sucessos atingidos por esses países em todos os campos da ação humana – político, social, econômico, tecnológico, cultural – ficou óbvio que o mundo multipolar se impunha ao futuro da civilização humana.
Para muitos, acostumados à bipolaridade, na farsa de haver sempre e somente um único opositor, tudo que não interessava às duas partes conflitantes era extirpado, assim como ocultadas as iniciativas de terceiro mundo, ou seja, um poder distinto do par antagonista.
Terceiro mundo: o caso Bandung
O melhor exemplo que se apresenta é o da Conferência de Bandung.
Este evento congregou 29 líderes da África, da Ásia e do Oriente Médio, na cidade indonésia de Bandung, entre 18 e 24 de abril de 1955, para discutir questões comuns, tais como a da cooperação econômica, da autodeterminação dos países, do fim das colonizações e da paz.
Prestes a completar 70 anos, a multipolaridade que incorpora os ideais de Bandung ainda é um projeto em construção.
Há analistas que veem os BRICS como a atualização de Bandung, que seria o Diálogo Sul-Sul.
Alguns dados sobre a Conferência de Bandung.
Reuniram-se 15 representantes de países asiáticos: Afeganistão (Mohammed Daoud Khan), Birmânia (atual Myanmar), Camboja, Ceilão (hoje Sri Lanka), China representada por Zhou En Lai, Filipinas, Índia (Nehru, o mais idoso representante), Indonésia por Sukarno, Japão, Laos, Nepal, Paquistão (Malik Ghulan Muhammad, um dos organizadores), Vietnã (Ho Chi Minh), Vietnã do Sul (Ngo Dinh Dien) e Tailândia.
Oito de países do Oriente Médio: Arábia Saudita, Iêmen, Irã (Reza Pahlavi), Iraque, Jordânia, Líbano, Síria e Turquia. E seis países africanos: Costa do Ouro (atual Gana, representado por Kojo Botsio), Etiópia (sendo monarca Haile Selassie I), Egito (Gamal Nasser), Líbia, Libéria (Momodu Dukuly) e Sudão.
A Argélia, sendo colônia francesa, enviou um observador.
Ao final da Conferência foram aprovados os 10 Princípios que uniriam as reivindicações dos participantes:
1. Respeito aos direitos fundamentais
2. Respeito à soberania e integridade territorial de todas as nações
3. Reconhecimento da igualdade de todas as raças e nações, grandes e pequenas
4. Não intervenção e não ingerência nos assuntos internos de outro país (Autodeterminação dos povos)
5. Respeito pelo direito de cada nação defender-se, individual e coletivamente
6. Recusa na participação dos preparativos da defesa coletiva destinada para servir aos interesses particulares das superpotências
7. Abstenção de todo ato ou ameaça de agressão, ou do emprego da força, contra a integridade territorial ou a independência política de outro país
8. Solução de todos os conflitos internacionais por meios pacíficos (negociações e conciliações, arbitradas por tribunais internacionais)
9. Estímulo aos interesses mútuos de cooperação
10. Respeito pela justiça e obrigações internacionais
Bandung ocorreu no período da Guerra Fria, onde os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) repartiam e disputavam o poder mundial, não lhes sendo conveniente um terceiro participante.
O que se seguiu à Conferência de Bandung foram golpes de estado depondo dirigentes que participaram ou se fizeram representar na Conferência e assassinatos de diversos deles, nem sempre reconhecidos, como de Sukarno que morreu na prisão (sic).
Porém, o espírito do mundo multipolar vem sendo mantido por instituições plurinacionais, encontros como registrados no trabalho “Bandung, 1955: Ponto de Encontro Global” de Raissa Brescia dos Reis e Taciana Almeida Garrido Resende (“Esboços”, Florianópolis, v.26, nº42, maio/agosto 2019 – ISSN 2175.7676), e publicações como os “Cadernos do Terceiro Mundo”, fundado por Beatriz Bissio, Neiva Moreira e Pablo Piacentini, em 1974, circulando até 2006.
Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo
Entre 5 e 8 de junho próximo, ocorrerá na Rússia o Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo (SPIEF) com tema “A base de um mundo multipolar, formação de novos pontos de crescimento”.
São aguardados como moderadores e palestrantes mais de 1.000 intelectuais de diferentes origens acadêmicas e profissionais.
Países da África, América Latina e Ásia já designaram participantes, assim como a China.
Espera-se a mais profunda e abrangente análise para a construção de nova e pacífica base de relações entre os países, e para ação colaboradora e respeitosa às soberanias de cada um.
Dentre os temas, escolhemos para discorrer neste artigo o “desenvolvimento dos talentos e a promoção da personalidade patriótica e socialmente responsável”.
A realidade brasileira após o movimento, impulsionado pelas finanças, denominado “redemocratização”, na década de 1980, vem retrocedendo tanto no desenvolvimento de talentos, como na própria instrução básica, e, com graves problemas para a industrialização, desenvolvimento tecnológico, produção e o enriquecimento nacional, e, o que é mais sério e de nefastas consequências, a busca pela personalidade patriótica e socialmente responsável.
Ao invés da aprofundar a multipolaridade, busca-se construir nova bipolaridade, não mais de capitalismo versus socialismo, como no século passado, mas de esquerda e direita, menos preciso e consequentemente mais abrangente para ambos os lados.
Fica assim menos caracterizada a conduta individual e mais hipócrita o relacionamento de cada um.
Na política, esta nova bipolaridade levou à indiferença de eleitores e candidatos na definição de seus partidos políticos preferidos: todos são iguais.
O que não deixa de ser verdadeiro quando se trata de seguir as ordens emanadas pelas finanças apátridas. Todos as seguem, porém com discursos enganadores e diferenciados.
O primeiro passo para desenvolvimento dos talentos e da personalidade patriótica e socialmente responsável está na educação. Nos 15 anos da educação comportamental e intelectual que começa nos 12 anos de convívio e aprendizado nas creches e nos Centros Integrados de Educação Pública, os CIEPs, como idealizados por Darcy Ribeiro e sua equipe, para o Rio de Janeiro, nos governos de Leonel Brizola, e prossegue nos três anos dos cursos médio e profissionalizantes.
Este tempo de aprendizado, que será garantido pelo governo, adequado às necessidades e diversidades regionais, colocará o brasileiro de 18 anos apto a exercer uma atividade, com o conhecimento técnico, cultural e político capaz de desempenhar com dignidade e consciência seu papel na sociedade.
Bastaria este único tema para justificar a presença de brasileiros que têm responsabilidade pelo futuro do País, ou seja, pela educação no Brasil. E muito teríamos a ganhar.
Porém, é possível ter esta expectativa?
Estão as autoridades constituídas de nosso País cientes de suas responsabilidades com a Nação e o povo?
É com esta dúvida que concluímos o artigo.
*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.