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quinta-feira, 3 outubro, 2024

O lítio da Argentina, Bolívia e Chile

Três países detêm mais da metade das reservas do estratégico metal

Argentina, Bolívia e Chile detêm os maiores recursos de lítio do mundo e preparam uma aliança de gestão de mercado, que promete ter consequências, em cascata, nos custos da transição energética na Europa, na América e na Ásia.

A criação de uma coordenação da gestão do precioso recurso, crucial para a indústria de carros elétricos e os demais setores da transição energética, levou a Argentina e o Chile a se reunirem, no último dia 20 de julho, em cúpula bilateral, com perspectiva de prorrogação da iniciativa para a Bolívia.

De fato, os três países juntos detêm cerca de 56% dos recursos mundiais de lítio: para ser mais preciso, segundo dados do United States Geological Survey, a Bolívia é a primeira do mundo, em reservas comprovadas, com 21 milhões de toneladas; segue-se a Argentina, com 19 milhões; e, em terceiro lugar, o Chile, com 9,8 milhões. Os três países foram apelidados, na narrativa ocidental, de “triângulo do lítio”, disputado entre o Ocidente e as potências rivais, Rússia e China, pela apropriação de suprimentos e de contratos.

Os três países também querem reconstruir as bases de uma nova unidade latino-americana, encontrando um fórum de diálogo comum, sobre a gestão do mercado dos recursos mais preciosos, para tentar ser, cada vez menos objeto, e, cada vez, mais sujeito da dinâmica regional. Na sexta-feira, 20 de julho, os chanceleres da Argentina e do Chile – Santiago Cafiero e Antonia Urrejola – anunciaram uma futura reunião trilateral, com a Bolívia, para desenvolver conjuntamente a cadeia de valor do lítio.

Alberto Fernandez, presidente da Argentina, está usando os acordos conjuntos sobre o lítio para fortalecer a diplomacia econômica de seu país e sua indústria anêmica: recentemente, foram formados memorandos de entendimento com a Espanha, com a Coreia do Sul e, sobretudo, com a China.

Por sua vez, Gabriel Boric, presidente chileno, anunciou o lançamento de uma licitação entre as mais importantes empresas privadas que operam no país, para obter um parceiro válido para a extração de 400 mil toneladas de lítio; a Chile-China Industrial and Economic Development Company se mostrou muito interessada.

Na Bolívia, o presidente Luis Arce, do Movimento para o Socialismo, procura parceiros privados para diversificar as tecnologias de seu complexo público e, observa a revista online StartMag, Luis Arce declara que quer focar em uma tecnologia nova e teoricamente mais sustentável, na extração direta, mas o governo também quer iniciar a produção de baterias, até 2025. Esta é talvez uma previsão muito otimista, considerando que o Chile – que, ao contrário da Bolívia, vem exportando muito lítio, há alguns tempos – nunca teve sucesso. Também por isso, seu envolvimento no diálogo entre Chile e Argentina e uma próxima cúpula intergovernamental poderá tentar amenizar os problemas e consolidar a aliança do lítio.

A pedra angular desse processo é a reaproximação entre Chile e Bolívia, que, desde 1978, não mantêm relações diplomáticas, mas apenas relações consulares: apesar da disputa territorial, de mais de 100 anos, pelo acesso ao Pacífico, o advento de Boric à Casa Moneda redesenhou os esquemas, encontrando a abertura ao diálogo do presidente socialista da Bolívia. O esquema terá que ser cuidadosamente avaliado, nos próximos meses, e pode levar a aliança à mineração básica e, sobretudo, aos preços do mineral cada vez mais estratégicos na Europa, na América e na Ásia, para a transição.

Países como Argentina, Bolívia e Chile podem fazer o que os países do Golfo fizeram com o petróleo, há meio século: fazer sentir a força do cartel. Ancorar a transição energética, indicada como objetivo às regras da globalização comercial, cada vez mais questionadas, após a pandemia e a guerra na Ucrânia, expõe as economias ocidentais a flutuações imprevisíveis nesse sentido: e o lítio pode ser o culminar de muitos problemas, em um contexto em que a inflação morde ferozmente e a recessão se aproxima.

O risco de uma aceleração dos custos da transição, em setores como o modo de compras do carro elétrico, deve ser levado em conta, e a aliança “soberana” de governos de esquerda, latino-americanos, pode ser um dos fatores determinantes.

Edoardo Pacelli é jornalista, ex-diretor de pesquisa do CNR (Itália), editor da revista Italiamiga e vice-presidente do Ideus.

Fonte: Monitor Mercantil

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