Pedro Patrus/Reprodução Facebook
Grupo teve que deixar o estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, após protesto
Torcedores foram expulsos de arenas após protestos contra o presidente interino; para juristas, medida fere direito à liberdade de expressão
por Débora Melo — Carta Capital
“Se você se manifestar com uma faixa ‘fora Temer’, vamos pegar a faixa”. Foi assim que um agente de segurança do estádio do Engenhão, no Rio de Janeiro, iniciou uma discussão com dois torcedores que assistiam à partida da seleção brasileira feminina de futebol contra a China, na quarta-feira 3. “Dentro do estádio não pode”, disse o funcionário, conforme vídeo que circula na internet.
Protestos contra o presidente interino Michel Temer (PMDB) têm sido reprimidos nos Jogos Olímpicos, e alguns manifestantes chegaram a ser expulsos das arenas. No sábado 6, ao acompanhar uma prova de tiro com arco, um brasileiro foi retirado do Sambódromo por agentes da Força Nacional de Segurança. Motivo: um controverso grito ‘fora Temer’.
No mesmo dia, um grupo de 12 torcedores que assistia à partida de futebol feminino entre França e Estados Unidos teve de se retirar do estádio Mineirão, em Belo Horizonte, após um protesto: além de pedir a saída de Temer, o grupo exibiu letreiros nos quais se lia “volta, democracia”, em inglês (“come back democracy”).
Outros casos de repressão foram relatados pela imprensa e nas redes sociais, e o Comitê Olímpico Internacional (COI) e o Comitê Organizador da Rio 2016 anunciaram que não irão tolerar cartazes de caráter político. “Queremos arenas limpas”, afirmou Mario Andrada, diretor de comunicação da Rio 2016. Vaias, gritos e cantos estão liberados. “Se isso não fosse aceito, metade do Maracanã teria sido esvaziado [na abertura dos Jogos].” Sobretudo nos poucos segundos nos quais Temer assumiu o microfone.
A determinação se baseia na lei 13.284, que dispõe sobre as medidas relativas aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. A lei, que foi sancionada por Dilma Rousseff no dia 10 de maio – dois dias antes de seu afastamento pelo Senado –, diz em seu artigo 28º que é proibido “portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de caráter racista ou xenófobo ou que estimulem outras formas de discriminação”, bem como “entoar xingamentos ou cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos”.
Em outro parágrafo, contudo, o texto diz que “é ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana”. O trecho está de acordo com a Constituição de 1988, que garante aos brasileiros a “livre manifestação do pensamento” (artigo 5º, parágrafo IV).
A lei aprovada em maio não faz qualquer menção a protestos “políticos”. Para a professora Eloísa Machado, da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito – São Paulo, manifestar reprovação política não caracteriza ofensa, e a lei está sendo interpretada de maneira “irresponsável, ilegal e inconstitucional”. “É uma violação à liberdade de manifestação e de expressão no Brasil, um tipo de censura aplicada aos jogos”, afirmou, em entrevista a CartaCapital.
De acordo com a professora, o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu) – do qual ela faz parte – entrará com uma ação na Justiça Federal de São Paulo para garantir a liberdade de expressão na partida das quartas de final do futebol feminino, marcada para a próxima sexta-feira 12 na Arena Corinthians (Itaquerão). “Estamos preparando neste momento uma ação judicial para evitar que uma pessoa que queira ir ao jogo seja proibida de se manifestar”, disse.
Manifestacao
Protesto contra Temer antes da abertura dos jogos, na sexta-feira (Jeff Pachoud/AFP)