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sábado, 27 julho, 2024

O Complexo digital-militar como estrutura de poder nos EUA

Rodrigo Leitão*

Os ideais do iluminismo têm sua materialização nos Estados Unidos da América (EUA) em sua independência, em 1776. Mas a sociedade estadunidense não se emancipa formando uma homogeneidade. O que acontece, na verdade, é a disputa de dois modelos de sociedade. Inclusive, trata-se de uma disputa geográfica-partidária, com o sul num modelo agro-escravocrata, pelo Partido Democrático, e norte com aspirações industriais com mão de obra de homens livres pelo Partido Republicano. Desse modo há uma guerra civil, onde o norte sai como vencedor, tendo como principais ideólogos Abraham Lincoln e Alexander Hamilton.

Em 1865, o desenvolvimento dos EUA se dá nos setores de siderurgia, energia elétrica e petróleo e gás. Quanto ao último, produziu uma das famílias mais poderosas do país, os Rockefeller que eram donos da Standard Oil, que foram monopolistas de 1870 a 1911, até a dissolução da empresa nas famosas Sete Irmãs. Vale ressaltar que, nesta época, muitos empresários emergiram em relações nebulosas entre mercado e Estado, conhecidos como robber barons.

No crepúsculo do século XIX, alguns países como Itália, Alemanha e Japão, iniciam seu processo de industrialização. É importante lembrar de que os EUA eram grande fornecedor de petróleo, que impuseram sanções contra Japão na Segunda Guerra .

Em termos de política doméstica, houve o Wall Street Putsch, em 1933, que tinha planos de derrubar o presidente populista Roosevelt e instaurar uma ditadura com aspirações nazifascistas nos EUA com apoio do setor financeiro e de alguns militares que se opunham ao New Deal, que inclusive teve inspirações getulistas marcado pelo jantar de Vargas com Roosevelt, além da influência do economista Keynes.

Em 1945, com a derrotada da aliança Itália, Alemanha e Japão, os EUA assumem passam ao papel de hegemon, herdado da Inglaterra. Principalmente se dá com o Acordo de Bretton Woods, impondo o dólar estadunindense como a moeda finduciária, usada pelo FMI na reconstrução da Europa com o Plano Marshall. De tal maneira que é o período de desenvolvimento do mundo ocidental conhecido como Les Trente Glorieuses, impulsionado por uma liquidez internacional e petróleo barato.

O papel de hegemon praticado pelos EUA se dá também na área tecnológica, sendo o principal fabricante de carros pessoais centrado nas empresas como Ford e GM a partir de 1950, que iriam competir com montadoras europeias e posteriormente asiáticas. Além disso, com um soft power enorme trouxe ao mundo o rock, os filmes de Hollywood e, nos anos de 1960, a empresas como Boeing começaram a fabricar aviões comerciais, iniciando um glamoroso mercado de viagens aéreas.

Porém o mundo passou para configuração bipolar, com os EUA disputando com a União das repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Para conter os soviéticos, foi criada a OTAN, com diversos países europeus que seguem o  lema – Keep the Russians out, the Americans in, and the Germans down. Não foi um período de guerra direta, mas sim de guerras em territórios terceiros, como Coreia e Afeganistão. Porém a disputa da Guerra Fria também se dá de maneira tecnológica, principalmente na questão nuclear e disputa aeroespecial, além da questão político-cultural entre capitalismo e socialismo. Em 1961 o general de cinco estrelas Einsenhower se despedia como presidente dos EUA alertando sobre o empoderamento político da tecnocracia do complexo industrial-militar como a estrutura de poder que se formava.

Em 1963, é assassinado o presidente Kennedy, que possuía política externa de não intervenção em outros países, contrariando o complexo industrial-militar. Vale lembrar que após esse evento, aconteceram diversos golpes apoiados pelos EUA, notoriamente Brasil (1964) e Indonésia (1965). De maneira autóctone, o movimento hippie emerge nos EUA, um forte problema para o complexo-industrial militar, que teria que ser superior do que o simbolismo de lindas hippies colocando flores em fuzis de militares. Porém, um psicopata, Charles Manson, conseguiu desacreditar o movimento com o assassinato da atriz Sharon Tate pela sua seita. É importante ressaltar que há indícios de relações de Manson com a CIA como relata Tom O’Neill em seu livro Charles Manson, the CIA, and the Secret History of the Sixties.

No começo da década de 1970, o presidente Nixon resolveu aplicar soluções keneysianas para a estagflação americana e resolveu sair de maneira unilateral do Acordo do Bretton Woods, eliminando o padrão ouro do dólar estadunidense passando a emitir a moeda fiduciária sem lastro – “Who controls money control the world”, dizia Henry Kissinger. Conforme Nixon queria soluções keneysianas para a estagflação e se aproximava de sua reeleição, sofreu um golpe do complexo-industrial militar com o escândalo do Watergate interceptado pelo FBI e que viria a renunciar em 1974.

Outro presidente que tentou agir de maneira independente ao complexo industrial-militar com políticas externas parecidas com Kennedy e métodos keneysianos na economia, foi Jimmy Carter, que não conseguiu se reeleger com a October Surprise com insucesso na liberação de reféns estadunidenses no Irã pós-revolução. O iraniano radicado israelita, Ben-Menashe, comenta sobre uma visita de Bush pai com oficiais iranianos em Paris no ano da eleição. Vale ressaltar que os Bush são uma dinastia de grande influência no complexo industrial-militar há anos, tendo até um patriarca robber baron.

Em 1980 é eleito o populista Ronald Reagan com ideais conservadores em costumes e liberal na economia, apesar de nunca abrir mão do investimento militar do estado, foi o verdadeiro homem-forte tanto de Wall Street como do complexo industrial-militar. Desse modo, se tornou um dos maiores nomes do movimento neoliberal com sua conhecida reaganomics. Que por sua vez consegue colocar seu sucessor como presidente, Bush pai, que fora tanto vice-presidente de Reagan como diretor da CIA. Durante sua presidência, arrefeceu as relações estadunindenses-israelitas com o Acordo de Madri de 1991 num esforço de trazer soluções para o conflito árabe-israelita.

Na sucessão, é eleito um presidente jovem que tocou sax em horário nobre na mídia corporativa, consolidando a popularidade de Bill Clinton. É interessante que a popularidade de Clinton é um método parecido do Collor, anos antes no Brasil. De maneira antagônica ao seu antecessor, há uma Clinton se aproxima com Israel e na liquidação do Acordo de Madri pelo Acordo de Oslo. É notória a continuação neoconservadora materializada na criação do think tank Project for the New American Century que dá a guisa a geopolítica estadunindense. Em 1997 o FBI começou a buscar por um espião israelita no governo de codinome Mega, de maneira inconclusiva e ofuscado pelo escândalo sexual de Clinton com a funcionária do Pentágono, Monica Lewinsky, através de gravações vazadas por Linda Tripp, também funcionária do Pentágono.

Mesmo enfraquecido, Clinton consegue indicar seu vice, Al Gore, para as eleições de 2000, que junto a fraude eleitoral na contagem de votos em Florida, garantem a vitória de George Bush Jr., que aprofunda o poder do complexo industrial-militar, especialmente após os Atentados de 11 de Setembro. De tal maneira que muda o ordem mundial para o período conhecido como Guerra ao Terror, com invasões ao Iraque e Afeganistão, além da aprovação do Patriot Act de maneira unânime. Tal legislação dá controle a inteligência estadunindense para espionar seus cidadãos, denunciado por Edward Snowden e Julian Assange. Vale lembrar que é um governo conservador, de forte apoio à Igreja Neopoentecostal, e, portanto, com boas relações com Israel.

Apesar do cenário catastrófico, o governo estadunidense resolve apoiar uma política de estímulo a crédito para alavancar a economia que eventualmente levaria a Crise do Subprime em 2008; muitas revoltas populares acontecem especialmente o movimento Occupy Wall Street. Mais uma vez o cenário de vácuo de liderança acontece, porém para manter o status quo é cristalizada a liderança de Barack Obama. Ou seja, ao mesmo tempo que a civilização judaico-cristã elege um líder negro para o império, a Igreja Católica elege um papa latino-americano para satisfazer os desejos de mudança do povo.

Porém o governo neoconservador com verniz progressista é o mais belicista em anos. Além de Iraque e Afeganistão, invadiu Líbia, Síria, Iêmen, Ucrânia, Paquistão, Somália e Uganda. Ironicamente, Obama ganhou o prêmio Nobel da Paz e ainda posou na a revista Time com título Why Obama Loves Reagan, trata-se de candidato do complexo industrial-militar e de Wall Street. É importante ressaltar que nesse período as redes sociais cresceram bastante, como Facebook, que virou um instrumento para incitar revoluções coloridas e guerras híbridas, como ocorreu no mundo árabe, Ucrânia e Brasil. Por sinal, a guerra russo-ucraniana, em 2014, leva as sanções contra a Rússia e a uma inimaginável aliança sino-russa iniciando o período que muitos chamam de Guerra Fria 2.0.

Porém nas eleições de 2016, os EUA também tiveram o processo democrático interferido pelas chamadas big techs, em escândalo envolvendo a empresa Cambridge Analytica e com o apoio de neopentecostais centrado na figura de Mike Pence. Donald Trump é eleito e mantém a tradição de boas relações com Israel atendendo ao movimento cristão sionista na mudança da embaixada estadunidense em Jerusalém. De maneira geral, exerce um caráter populista com um hibridismo de proposta keneysiana de Roosevelt com o neoconservadorismo de Reagan.

De tal maneira que, em relações internacionais, Trump é da escola do realismo, de tal forma que não invadiu tantos países como Obama, ainda propunha a desvalorização do dólar estadunidense para promover industrialização remetendo ao passado com o Make America Great Again, foi um forte crítico do expansionismo industrial chinês e foi menos incisivo com os russos, além de tentar negociações com a Coreia do Norte. Porém, agindo como um outsider do sistema político, não obteve muito sucesso em suas políticas de conteúdo nacional centradas em sanções. De tal maneira, que seu secretário de defesa John Bolton, que fora da administração Bush Jr, veio a renunciar. Isso ocorre pois Trump tinha posturas diferentes, inclusive propondo o fim da Otan.

Em 2020, uma nova ordem é imposta pela Pandemia da COVID-19, onde Donald Trump lida com a crise se apoiando em pseudociência. Além disso, existiram outros escândalos em sua administração como crianças encarceradas por serem imigrantes não regularizadas, ou também o assassinato do general iraniano Soleimani e também a desastrosa e racista ideia de criar um muro entre EUA e México. Porém o primeiro pedido de impeachment contra Trump não se dá por esses motivos e sim por ligações telefônicas com o presidente ucraniano Zelensky em expor relações nebulosas de Hunter Biden (filho de Joe Biden), na Ucrânia.

Nas eleições de 2020, seguidores de Donald Trump simulam uma invasão lunática ao Capitólio, que leva ao segundo pedido de impeachment de Trump, dessa vez aceito pelo parlamento. A partir daí Trump é silenciado em diversas mídias como Twitter e Facebook, muito pelo seu fracasso como presidente e por um desalinhamento com complexo militar-industrial, por exemplo com a renúncia do secretário de defesa e ex-membro de gabinete de Bush Jr, John Bolton. Aliás, com a desindustrialização e o empoderamento das big techs controlando novo formato de comunicação e como instrumento de controle dos cidadãos via Patriot Act, há a mutação de complexo industrial-militar para complexo digital-militar.

A Pandemia do COVID-19 trouxe duras lições sobre indústria e defesa nacional, de tal maneira que Biden apoia o projeto de industrialização Made-in-America, que até o momento não trouxe grandes resultados, num duro momento onde a China lidera nas áreas de 5G, computação quântica e energia verde. Além do mais, a situação parece insustentável perante a guerra russo-ucraniana com a necessidade de energia barata para o inverno europeu de 2022/2023, apesar de ter empoderado a OTAN. Já no Sul Global, os BRICS passam a emular a antiga Convenção de Bandung, e parece não haver espaço para o mundo unipolar desejado pelo complexo digital-militar estadunidense. Ainda há o enorme vácuo de poder na civilização judaico-cristã, inclusive Noam Chomsky já opinou dizendo que Donald Trump é a única liderança capaz de resolver a situação na Ucrânia.

 

Como pode se observar, o complexo digital-militar é uma estrutura de poder nos EUA que vem ganhando influência e realizando uma série de intervenções até ganhar o estado em 1980, numa aliança com Wall Street, advogando por um estado mínimo cujo únicos investimentos em grande escala estão na defesa, em agências como o DARPA. De tal modo que o livre mercado desindustrializa o país que sai de paradigma de capitalismo industrial para o capitalismo de plataforma, onde as relações de trabalho são intermediadas de maneira desregulamentada por aplicativos com trabalho precário e não mais por industrialistas que garantiam melhores salários e direitos trabalhistas muitas vezes negociadas por sindicatos.

*Rodrigo Leitão é engenheiro mecânico e cientista de dados.

ânico e cientista de dados.

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